Fonte: http://deusdiapente.blogspot.com/
Mais uma manifestação de humor involuntário da parte de Bill Craig _ eu pelo menos não consegui conter uma risada quando li a descrição que Bill fez do site de onde retirei a maior parte dos artigos traduzidos aqui. Embora a história tenha também seu lado sórdido e lamentável: a atitude que Craig aconselha é incompatível com a liberdade de pensamento ou até mesmo com uma fé intelectualmente íntegra. Isso para não falar da caracterização dos acadêmicos ateístas como súditos do Diabo trabalhando pela ruína do plano divino de salvação das almas. Shame on you mais uma vez, Dr. Craig.
Os parágrafos abaixo foram retirados de uma resposta que William Lane Craig disponibilizou em seu site Reasonable Faith a um cristão debatendo-se em dúvidas:
Esteja em guarda contra as armadilhas traiçoeiras de Satã. Nunca perca de vista o fato de que você está envolvido numa guerra espiritual e que existe um inimigo de sua alma que te odeia intensamente, cujo objetivo é sua destruição, e que não se deixará deter por nada até arruina-lo. O que me leva a perguntar: por que diabos você anda lendo esses artigos do Internet Infidels quando você sabe o quão destrutivos eles são para sua fé? Este site é literalmente pornográfico (escritos perniciosos) e portanto deve em geral ser evitado. É verdade, alguém precisa lê-los e refuta-los; mas por que este alguém deveria ser você? Deixe que alguma outra pessoa apta a lidar com eles o faça. Lembre-se: a dúvida não é só uma questão de debate acadêmico ou discussão intelectual despretensiosa; ela envolve uma batalha por sua própria alma, e se Satã puder usar a dúvida para te imobilizar ou te destruir, ele o fará.
Eu acredito firmemente, e penso que os testemunhos bizarros dos que perderam sua fé e apostasiaram o confirmam, que os lapsos morais e espirituais, em vez das dúvidas intelectuais, são as principais causas para o fracasso em perseverar. Mas as dúvidas intelectuais tornam-se uma desculpa conveniente e autolisonjeira para o fracasso espiritual porque através delas vemo-nos como pessoas significativamente inteligentes em vez de fracassados moral e espiritualmente. Penso que a chave para uma vida cristã vitoriosa não é ter todas as suas perguntas respondidas – o que é provavelmente impossível numa vida de duração finita – mas aprender a viver de maneira próspera e alegre com questões irrespondidas. A chave é impedir que questões não-respondidas tornem-se dúvidas destrutivas. Acredito que isso possa ser feito mantendo-se em mente as razões apropriadas para nosso conhecimento da veracidade do Cristianismo e cultivando o ministério do Espírito Santo em nossas vidas…
O primeiro ponto problemático aqui é o abuso da etimologia da palavra “pornografia”. Este termo não significa “literalmente” escritos perniciosos; a palavra grega πορνεια::porneia é utilizada especificamente em contextos sexuais. O vocábulo estaria mais próximo de imoralidade sexual ( ou mesmo “maldade sexual” ), não apenas o velho e simples mal. Escritos perniciosos seriam algo como cacografia. Dê uma olhada em 1 Coríntios 5:1:
Geralmente se ouve que há entre vós imoralidade sexual, e imoralidade tal, que nem ainda entre os gentios se nomeia
Ὅλως ἀκούεται ἐν ὑμῖν πορνεία, καὶ τοιαύτη πορνεία ἥτις οὐδὲ ἐν τοῖς ἔθνεσιν
De qualquer maneira, após gastar minha cota de pedantismo superficial acima, desejo abordar o cerne da resposta de Craig. Eu pessoalmente tenho um fraco pelos II (Internet Infidels) porque seus artigos e seu agora defunto fórum de discussão desempenharam um papel substancial em meu aprendizado sobre o Cristianismo acadêmico erudito. Não posso alegar (ou culpar, como Craig insinua) que os II causaram minha desconversão porque eu já era um não-cristão quando comecei a ler seu conteúdo por volta de 2002. O que eu considero ofensivo é a implicação de Craig de que o intelecto não tem nada a ver com a moral.
Ao contrário do argumento de Craig acima, eu não penso que os II sejam imorais. Eu pessoalmente penso que a fé cristã é em si mesma imoral (observação: não estou dizendo que os cristãos sejam pessoas imorais). Eu apresentei minhas razões num post relativamente recente. Todas as minhas razões são razões intelectuais; moralidade não-intelectual leva a reações intuitivas viscerais que produzem “atitudes morais” como xenofobia, homofobia, racismo, sexismo e outras antigas doutrinas morais que nós como sociedade já superamos e deixamos para trás. O que realmente me exaspera sobre isso é que Craig está confundindo apostasia com imoralidade. É verdade que isto faz sentido numa cosmovisão cristã, mas não no mundo contemporâneo. Um mundo contemporâneo no qual legitimamente discordamos dos países muçulmanos que dizem que a penalidade capital por apostasia é justa. Não me surpreenderia se Craig pensasse que os apóstatas deveriam ser assassinados, uma vez que ele já é um defensor do genocídio. Não obstante, suponho que segue-se logicamente que se você irá queimar no inferno por toda a eternidade por não acreditar em Cristo, e somente pessoas imorais são enviadas ao inferno, então os apostátas certamente seriam “imorais”.
A Teoria dos Mandamentos Divinos realmente é repulsivamente imoral.
Contrariando Craig um pouco mais, eu penso que a dúvida é uma coisa boa. Mas novamente, isto depende do tipo de dúvida. Até onde posso dizer, existem dois tipos de dúvida. Uma é emocional, e a outra é intelectual. A dúvida emocional não passa de medo, e o que as palavras de Craig indicam é que ele defende o medo. Medo de qualquer tipo de conhecimento que possa fazer alguém perder a fé. Medo do intelecto, medo do conhecimento, medo da curiosidade, medo até mesmo da própria vida. Este tipo de medo que Craig defende seguramente levará qualquer cristão sob sua tutela a temer o mundo em geral (o que parece ser seu objetivo, com toda aquela conversa fiada sobre Satã ). Eu não perdoo esse tipo de dúvida, uma vez que não passa de uma emoção completamente negativa; é o tipo de dúvida que você tem quando acha que sua esposa pode estar sendo infiel a você.
Contudo, o outro tipo de dúvida eu recomendo enfaticamente. Este segundo tipo de dúvida é análogo à curiosidade. Se um cristão às vezes fica curioso sobre sua fé (meu substituto para explicar que ele está usando o primeiro tipo de dúvida quando diz que diz que ‘duvida de sua fé às vezes’), então isto quer dizer que eles são cristãos iletrados. Por que você seria curioso sobre o Cristianismo apenas “às vezes”? Talvez esse seja o tipo de Cristianismo que Craig está promovendo, especialmente no trecho citado acima? Quem sabe; não li o suficiente do trabalho de Craig para oferecer uma conclusão definitiva sobre isso.
Uma questão secundária é o conselho irônico que Craig dá à pessoa para quem está escrevendo: “Naturalmente alguém terá que lê-los e refuta-los; mas por que tem que ser você? Deixe alguma que outra pessoa, apta a lidar com este tipo de material, o faça.” Por que isto é irônico? Porque Craig é protestante. Uma das principais queixas que os protestantes originais tinham contra suas lideranças católicas era exatamente este raciocínio. Por que a população leiga deveria confiar nas lideranças católicas para interpretar a Bíblia? O objetivo inteiro do protestantismo era retirar este poder da Igreja Católica e dá-lo às pessoas comuns ( realizado principalmente pela tradução do à época já ininteligível latim para as línguas comuns). Craig está empregando o mesmo apelo às consequencias que os católicos deram aos protestantes: vocês não são capazes de fazer essas coisas por si próprios, então deixem que outra pessoa – alguém realmente capaz de lidar com a tarefa – o faça para vocês. sua própria salvação está em jogo! Deixe aqueles dentre vocês espiritualmente maduros lidar com isso para vocês.
A história sugere que a abordagem de Bill Craig não vai funcionar. Se funcionasse, então o próprio Craig ainda seria um católico.
Olá.
Pra vocês que acompanham mais de perto esses debates e seu contexto. Só uma pergunta: O que os filósofos acham de Craig?
obrigado.
Depende de qual faceta do Craig estamos falando. Embora seja mais conhecido como apologista cristão e debatedor exímio que fustiga impiedosamente seus adversários, ele também possui uma produção genuinamente filosófica em sua área de especialização, Filosofia do Tempo, que goza da admiração e do respeito _ quiçá também do despeito _ de seus mais ferrenhos oponentes. E mesmo sua atuação como apologista e debatedor é reconhecida no mínimo como sofisticada, talentosa e desafiadora.
O formato usual dos debates _ pequenas palestras alternadas _ dificulta um pouco a exposição dos pontos fracos dos argumentos do Craig. Quando este é interpelado diretamente num diálogo, como aconteceu, por exemplo, contra Shelly Kagan num debate sobre a natureza da moralidade e contra Edward Tabbash sobre a existência de Deus, ou mesmo quando algum espectador lhe dirige uma pergunta ao término do debate, o homem gagueja, sua frio, se esquiva ou dissimula. Nessas horas nem o Espírito Santo é capaz de socorrê-lo.
Aliás, só deixando um comment rápido: Craig aqui fala como um pastor e não como um filósofo. Pensando de uma maneira romântica, um filósofo sempre prima pela busca da Verdade, seja ela qual for. Mas no caso do cristianismo a verdade já foi decidida – é o próprio! Mas enfim, falando como um pastor realmente é terrível perder a fé (que por definição é um salto do racional para o não-racional), mas para um filósofo isto pode ser até mesmo uma libertação.
Se bem que, como diria CL: “Nem todos os livre-pensadores são ateus, e nem todos os ateus pensam livremente”.
P.S..: Parabéns pelo blog, cara! Enfim algo de qualidade a respeito do ateísmo neste mundo louco e suicida!
“o fato de sua crença manter-se diante das esmagadoras evidências em contrário atesta a natureza milagrosa do teísmo, e portanto, a existência de Deus.” – Seria este um novo argumento a favor do teísmo? Hahahaha!
Na verdade só stou parodiando uma tirada retórica que o Craig apresenta em seus debates para responder ao argumento da evolução. Ele costuma dizer que a evolução de algumas características da espécie humana é tão improvável que, se tivesse realmente ocorrido sem algum tipo de supervisão inteligente, teria sido um milagre, o que demonstraria a existência de Deus.
Engraçado… Alguma espécie de “gnosofobia” – a ideia de que fé e razão não se misturam – ou algo semelhante?
Quando li o texto d Craig, eu pensei: o lema desse cara é algo do tipo “Ceticismo: terrível contra os ateus. CONTRA OS ATEUS.”, uma paródia das campanhas de inseticida haha
Mas reconheço que o insight dos dois tipos de dúvidas foi melhor que o meu. De todo jeito, não se surpreenda se nas próximas semanas eu publicar algo com esse título na WatchGOD rs
Engraçado também é ver como o Craig é patético em dizer que os religiosos não devem ler o que os ateus escrevem e que só quem está preparado para refutar seus textos é quem deve ler. Por refutar, entendemos fazer gambiarras e dar muletas aos deuses. Sinto no ar um cheiro de medo e insegurança. E vou além, se ele tem medo dos ateus, ou ele é muito infantil para temer algo que não pode danificar sua fé ou ele reconhece que eles podem danificar sua fé. Não vejo outro motivo para sentir medo.
O Craig é tão patético que se formos pensar bem, vemos que até nosso Papa Bento é mais bem resolvido do ele, ao dizer que as dúvidas levantadas pelos que não são cristãos leva os cristãos a uma reflexão que os aproximará mais ainda de Deus.
Todos os dias vemos dezenas de ateus citando a Bíblia, citando autores cristãos ou religiosos em geral, lendo textos teístas. Não cansamos de ver ateus dizendo que a melhor forma de duvidar de Deus é lendo a Bíblia. Nunca vi nenhum ateu dizendo coisas como “não leia a Bíblia, pois ela pode te ludibriar e fazer você acreditar em contos de fadas. Ao invés disso, deixe somente os mais preparados lerem a Bíblia e te contar depois porque ela está errada.” (Se alguém já disse isso, eu pelo menos não vi.)
Então, a pergunta é: que medo todo é esse?
Talvez, lá no fundo, mas bem lá no fundo, o Craig não acredite mais e saiba que seus esforços não são para encontrar Deus mas só para encontrar desculpas para poder continuar negando o que já sabe. Talvez.
Pois é, Bruno, ele chega a ser contraditório quando primeiro desencoraja a leitura de filosofia ateísta de alto nível, e depois afirma que as falhas morais e espirituais são as principais causas de desconversão, em vez da inconsitência intelectual das doutrinas. Um pouco mais sutil é o duplo padrão que ele adota para a aceitação das experiências de conversão e de desconversão: um cristão pode manter sua crença em Deus baseada unicamente no testemunho interno autenticador inequívoco do Espírito Santo, e a possibilidade disso ser um sintoma de alguma fraqueza ou carência psicológica ou afetiva não depõe contra a veracidade da experiência; por outro lado, se um ateu, num momento de intensa e profunda autointrospecção, intui, a partir de do que observa em sua mais recôndita intimidade, que o fundamento último da realidade não é um ser pessoal amoroso, mas uma força volitiva impessoal cega, irracional e insaciável _ estou pensando aqui na Vontade schopenhauriana _ rá, esse sujeito só está inventando justificativas rebuscadas para se entregar a uma vida hedonista desregrada.
Mas não acredito que o Craig tenha realmente medo desse ateísmo sofisticado; ele sabe que _ nós sabemos _ que essa variante não tem o potencial mercadológico de um Deus, um delírio ou de um Carta a uma nação cristã, sobre os quais ele pode facilmente capitalizar. E também acredito que no fundo, no fundo o que ele sabe é que, como bem expressa o título de um clássico imperdoavelmente inédito em língua portuguesa, o fato de sua crença manter-se diante das esmagadoras evidências em contrário atesta a natureza milagrosa do teísmo, e portanto, a existência de Deus.