por Quentin Smith
A classe dos fenômenos estimados por uma pessoa é uma classe de fenômenos cujos membros possuem a propriedade relacional de ser estimado por uma pessoa. É possível que entre estes fenômenos estejam alguns que pertencem à ordem mais elevada possível dos estimáveis, o que é sagrado para a pessoa. Estes fenômenos podem ser pessoas e nossos relacionamentos com elas; experiências, posses, memórias, e que tais. A atribuição de santidade ou sacralidade individualmente relativa a tais fenômenos é feita em frases como as seguintes: “Minhas memórias de meu marido, que morreu há anos, são sagradas para mim”; “Esta terra (dito enquanto aponta para uma fazenda) é sagrada para mim; minha família fez dela seu lar por gerações e eu a legarei a meu filho”; “Meus filhos são sagrados para mim – Eu morreria por eles se necessário”. O que está sendo expressado aqui é que as pessoas, memórias, experiências, etc., não são meramente estimadas pelo sujeito da atribuição, mas supremamente estimadas. Não é possível que qualquer coisa possa ser mais estimada pela pessoa; o fenômeno é estimado incondicionalmente no sentido de que a pessoa não o esqueceria ou lhe seria indiferente sob quaisquer circunstâncias e não o sacrificaria por qualquer outra coisa que ele ou ela estime. O fenômeno paira acima dos outros fenômenos que a pessoa estima como o núcleo supremo do sentido de sua vida; o que é sagrado para a pessoa constitui o sentido último da vida pessoa ou é uma experiência, símbolo ou manifestação deste sentido último. Se o que é sagrado para a pessoa é o sentido último de sua vida, então tal fenômeno possui uma sacralidade individualmente relativa original ou primária. Se o sagrado é uma experiência, símbolo ou manifestação do sentido último de sua vida, então tal fenômeno porta uma sacralidade individualmente relativa derivativa. Por exemplo, a sacralidade para a viúva de suas lembranças de seu marido é derivada da sacralidade para ela do próprio marido. Mas nem toda pessoa experiencia alguma coisa como sagrada para si; para alguns, “nada é sagrado” e todos os fenômenos estão situados num plano mais ou menos uniforme do ordinário.
É manifesto que “sacralidade” no sentido individualmente relativo expressa uma propriedade completamente diferente da santidade do que o expressa a “sacralidade” no sentido religioso ou moral. Se afirmo que algo é moralmente santo ou religiosamente santo (no sentido original ou derivativo) estou atribuindo uma propriedade não-individualmente relativa a tal fenômeno, uma que a ele pertence não-dependentemente de sua relação para comigo. Um templo é santo em virtude de sua relação com Deus, não em virtude de sua relação comigo, e a sacralidade do dever de buscar a arte é dependente da sacralidade da arte e não do fato de minha existência. Mas se eu considero sagradas certas memórias, posses, experiências, etc., é claro para mim que elas são sagradas relativamente a mim e em virtude de sua relação para comigo, tal que a cessação de minha existência implicaria a perda de sua sacralidade (assumindo que não seja o caso de elas também serem sagradas relativamente a algum outro indivíduo; por exemplo, a fazenda pode também ser sagrada para outros membros da família). Obviamente, o filho de alguém pode ter sacralidade moral como ser humano, a qual não é individualmente relativa, mas isso é uma coisa diferente da sacralidade da criança para seus pais, que é algo que criança possui somente em virtude de ser supremamente estimada por seus pais. Sua sacralidade moral, em comparação, é algo que ela possui independentemente de seus pais a estimarem supremamente ou não.
Implícito nestas últimas observações está o fato de que uma pessoa pode estimar supremamente algo que seja religiosamente, moralmente ou metafisicamente santo, tal que o que tem santidade individualmente relativa para ela é a pessoa, existente ou fenômeno moral supremos. A estima suprema pode ou não ser baseada na santidade religiosa, moral ou metafísica do item. No caso do pai estimando supremamente seu filho, não é baseada em nenhuma das santidades anteriores; o pai não estima supremamente seu filho porque ele é um ser humano moralmente sagrado, mas porque ele é seu filho. Se a estima fosse baseada na sacralidade moral da criança, o pai então estimaria supremamente todos os humanos igualmente – o que ele manifestamente não faz.
É apenas em raras situações que uma pessoa estima supremamente alguma coisa porque tal coisa é santa religiosamente, moralmente ou metafisicamente. Esta espécie de estima é a precondição para qualquer um viver uma vida santa, cujas instâncias paradigmáticas são as vidas dos místicos religiosos, dos idealistas éticos e dos sábios metafísicos, onde estas expressões são entendidas num sentido apropriado. Todo místico religioso estima supremamente a pessoa suprema porque tal pessoa é a pessoa suprema, todo idealista ético considera fenômenos moralmente santos sagrados para ela própria porque eles são moralmente santos, e todo sábio metafísico estima supremamente o que é supremo na classe dos existentes em virtude de sua supremacia.
Como mencionado antes, o que possui santidade individualmente relativa original constitui o significado último da vida de uma pessoa. Mas uma distinção dupla precisa ser feita aqui, entre um significado último meramente subjetivo e um significado último objetivo. Um significado último meramente subjetivo é algo que é sagrado para a pessoa mas que ou não é sagrado em si ou não é supremamente estimado porque é sagrado em si. Um significado último objetivo é algo sagrado para a pessoa e tanto sagrado em si mesmo como estimado supremamente porque é sagrado em si mesmo. Apenas no último caso a experiência de viver uma vida significativa em última instância de fato corresponde a uma significância última que pertence à própria realidade, não-relativamente e não-dependentemente da experiência que a pessoa tem dela.
Em minha explicação das e na referência subsequente às categorias da santidade moral e religiosa, eu utilizei uma linguagem que sugere que existem fenômenos moralmente e religiosamente santos. Mas isto é uma mera façon de parler. De fato, é possível que não exista nenhum Deus e nenhum valor moral absoluto e objetivo. Se este é o caso, então não é possível viver uma vida moral ou religiosa objetivamente significativa, e nestas áreas o niilismo é a atitude apropriada. Mas ainda será possível viver uma vida metafísica objetivamente significativa, pois o existente supremo não pode deixar de existir, como demonstrarei na próxima seção.
Antes de terminar esta seção, apenas uma observação linguística. No inglês coloquial (como também no português), a palavra “sagrado”, em vez da palavra “santo”, é o termo geralmente utilizado para expressar a propriedade de ser supremamente estimado. Isto reflete uma diferença nas regras ordinárias de uso para “sagrado” e “santo”, onde estes termos são usados sem qualificações adicionais. A palavra “santo” geralmente é usada para expressar a propriedade de ser a pessoa suprema ou a propriedade de ser o existente supremo, ao passo que “sagrado” tem um uso mais amplo e é normalmente usada não somente para expressar as duas propriedades mencionadas acima mas também as duas propriedades de ser moralmente supremo e ser supremamente estimado. Portanto, se eu fosse seguir as sutilezas do inglês ordinário seria mais adequado chamar as quatro propriedades de “tipos de sacralidade” em vez de “tipos de santidade”, mas nenhum mal é feito se eu uso estes termos intercambiavelmente para os propósitos deste artigo.
Concluo minhas observações nesta seção com algumas palavras sobre a análise decomposicional da “sacralidade individualmente relativa”. Esta análise visa determinar que espécies de itens podem ser supremamente estimados por um indivíduo, e abrange tanto os significados últimos objetivo e meramente subjetivos como as experiências, símbolos e manifestações destes significados. As categorias do significado último e de suas experiências, símbolos e manifestações não são arbitrárias, pois a realidade objetiva e a natureza humana impõem limites ao que pode ser supremamente estimado de maneira original ou derivativa. Presumivelmente, ninguém pode estimar supremamente alguma porção arbitrária de poeira que não possui nenhuma significância além dela mesma. O estudo destas categorias é empreendido na disciplina ou área da filosofia que pode ser chamada “a teoria do significado da vida humana”.