Sobre a Origem das Espécies Cristãs
Autor: Dr. David Eller
Fonte: The End Of Christianity, págs. 23-51, (John W. Loftus, ed., Prometheus Books, 2011)
Ateu de nascença, David Eller nunca encontrou qualquer razão para mudar sua maneira de pensar. Detentor de um Ph.D. em Antropologia Cultural, já conduziu trabalhos de campo entre os aborígenes australianos; estudou todas as principais religiões do mundo e inúmeras outras religiões tradicionais e tribais. Após uma vida de estudos, concluiu que um ateu é não alguém que sabe muito pouco sobre religião mas na verdade alguém que sabe demais. Seu livro From Culture to Ethnicity to Conflict aborda o problema dos conflitos étnicos internacionais. Outros livros de Eller são Culture and the Real World, Violence and Culture, Natural Atheism (Cranford, NJ: American Atheist, 2004); Atheism Advanced: Further Thoughts of a Freethinker (Cranford, NJ: American Atheist, 2007); um livro didático de nível colegial, Introducing Anthropology of Religion: Culture to the Ultimate (New York: Routledge, 2007); Cruel Creeds, Virtuous Violence: Religious Violence across Culture and History (Amherst, NY: Prometheus Books, 2010), e dois capítulos de The Christian Delusion: Why Faith Fails, editado por John W. Loftus (Amherst, NY: Prometheus Books, 2010).
Além disso, o Dr. Eller colabora regularmente com os principais periódicos céticos e científicos. Ele leciona Antropologia Cultural em Denver, Colorado, onde vive com sua esposa e seus três gatos.
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As doutrinas soberanas do Cristianismo Ocidental, como a Trindade, a Encarnação e a Redenção, e outros detalhes dos dogmas a elas relacionados, são, em sua totalidade, criações culturais… Nos primórdios nem mesmo o nome “cristão” lhe era familiar, e ele próprio desenvolveu-se historicamente até que seus atributos, características e feições específicas assumissem uma configuração nítida, estável, refinada e reconhecível como a religião de uma cultura e uma civilização conhecida pelo mundo como Cristianismo… Portanto, o Cristianismo, em virtude de ter sido criado pelo homem, desenvolveu gradualmente seu sistema de rituais por assimilação de outras culturas e tradições, assim como introduziu suas próprias criações; e através de etapas sucessivas depurou seus credos, tais como os de Nicéia, Constantinopla e Calcedônia. Como não possuía nenhuma lei revelada, o Cristianismo precisou assimilar as leis romanas; e como não dispunha de uma visão de mundo coerente projetada pela revelação, ele precisou fazer empréstimos no pensamento greco-romano e mais tarde utiliza-lo como alicerce sobre o qual erigir uma teologia e uma metafísica sofisticadas. Gradualmente ele criou sua própria cosmologia especificamente cristã, e suas artes e ciências se desenvolveram…[1]
O fim do Cristianismo não é nenhum sonho distante, tampouco está prestes a acontecer. Na verdade, ele ocorreu dois mil anos atrás – com efeito, o Cristianismo nem sequer começou; ele foi um natimorto. De acordo com as palavras acima, não existe tal coisa como a religião do Cristianismo; na melhor das hipóteses existe uma pluralidade de tradições relacionadas mas distintas e muitas vezes bastante opostas, alterando-se e oscilando segundo os ventos das culturas locais e do curso da história. E quem é o autor destas palavras? Algum ateu furioso obcecado com a destruição da religião? Não, é Muhammad al Naquib al-Attas, um muçulmano devoto e inimigo ferrenho da secularização, que atesta firmemente que o Cristianismo é e sempre foi secularizado, mundano, alterando-se e evoluindo para se adaptar às circunstâncias sociais. E al-Attas está correto: o Cristianismo tem sido desde sempre secular, mundano, mutável e em contínua evolução para se adaptar às circunstâncias sociais – mas o mesmo vale para o Islã e qualquer outra religião fabricada pelos humanos (por que outra razão existiriam o Islã xiita e sunita, bem como numerosas escolas muçulmanas de interpretação e jurisprudência?).
Vários cristãos contemporâneos vêm a “evolução” como a antítese e a nêmese a que devem opor-se e refutar. No entanto, como al-Attas e mesmo a mais rudimentar familiaridade com a história cristã ou o cristianismo globalizado moderno nitidamente demonstram, o cristianismo não somente fracassa em refutar a evolução como na verdade ilustra a evolução. Evolução é o processo pelo qual alguma entidade muda, se adapta e se desenvolve em resposta a seu ambiente. É indiscutível que as formas dos seres vivos e as formas de organização social evoluem ao longo do tempo: os humanos não somos o que éramos há milhões de anos atrás, nem uma instituição como o governo ou a linguagem ou o casamento é atualmente o que era “no começo” (na verdade, de nenhuma delas faz sentido dizer que existiram “no começo”). É igualmente incontestável que o Cristianismo evoluiu ao longo do tempo: o Cristianismo atual não é o que era 500, 1000 ou certamente, 2000 anos atrás (e não havia tal coisa como o Cristianismo há mais de 2000 anos atrás), tampouco ele será o mesmo daqui há 100 ou 200 anos. Para ser exato, ele sequer é o mesmo em cada país ou congregação do mundo nesse preciso momento.
Como qualquer outro produto da evolução, o Cristianismo é uma árvore cheia de ramos de variadas e conflituosas espécies – ou no caso de religiões, “seitas” e “denominações”. Um censo bastante confiável estimou em mais de 33 000 o total destas espécies cristãs existentes no mundo, e isso foi há uma década; indubitavelmente existem muitas mais hoje, com cada vez mais surgindo diariamente[2]. Apenas no ramo metodista existem 50 seitas, que a Associação de Bancos de Dados Religiosos organiza, literalmente, numa “árvore genealógica” metodista similar àquela em que os cientistas organizam qualquer conjunto de espécies aparentadas[3]. Isto significa que toda denominação cristã paira sobre um ramo exuberante de um arbusto caótico de igrejas cristãs, cujos pontos de semelhança e diferença denunciam sua origem e sua história evolucionária com tanta segurança quanto a de qualquer espécie biológica. Mais ainda, a evolução do Cristianismo segue exatamente os mesmos processos de evolução biológica tais como especiação, irradiação, competição, extinção, e assim por diante.
Esta série abordará três períodos históricos de especiação cristã: (1) o período primitivo, dos primeiros séculos até a Reforma; (2) o período americano, com diversas adaptações novas e exclusivamente americanas; e (3) o período global do século XXI, com novos cristianismos surgindo na África, na América Latina, Ásia e outros locais. O Cristianismo será exposto como uma denso matagal de religiões insignificantes, absorvendo influências locais e se reinventando continuamente – o que implode qualquer possível reivindicação de exclusividade ou verdade no Cristianismo.
1. A Invenção de Tradições (Como A Religião)
Toda e qualquer tradição, não importa o quão vetusta, já foi nova um dia. Pior ainda, quando uma nova tradição aparece pela primeira vez, ela obviamente não é tradicional de imediato; é uma novidade, muitas vezes até mesmo heterodoxa ou herética. Observadores honestos e perspicazes já sabem disso há muito tempo, mas os historiadores Eric Hobsbawm e Terence Ranger explicitaram este fato em seu livro A Invenção das Tradições, no qual eles explicam que as tradições buscam incutir certos valores e normas de comportamento por repetição, o que automaticamente implica a continuidade com o passado. De fato, onde é possível, novas tradições normalmente tentam estabelecer a continuidade com um passado histórico conveniente. Entretanto, na medida em que existe tal referência a um passado histórico, a peculiaridade das tradições “inventadas” é que a continuidade com este passado é largamente fictícia. Resumindo, elas são respostas a situações novas e fora do comum que assumem a forma de uma referência a antigas situações ou que estabelecem seu próprio passado por repetição quase obrigatória.[4]
Ou seja, tradições geralmente reivindicam um certo tipo de antiguidade, e muitas vezes baseiam sua autenticidade sobre esta alegada antiguidade, quando elas definitivamente não são antigas; com efeito, as novíssimas (aspirantes a) tradições possuem problemas de autenticidade colossais e por conseguinte frequentemente chegam a extremos radicais para dissimular seu caráter de novidade e para se vincularem a alguma história venerável.
Os seres humanos inventam tradições regularmente, mas dois fatos adicionais são verdadeiros. Primeiro, a maioria das tradições não é tanto inventada como na verdade fabricada (a partir de máterias primas já existentes) ou compilada ao longo do tempo; uma tradição raramente surge do nada no mundo, tampouco irrompe plenamente constituída. Uma nova tradição não pode evitar desenvolver-se a partir do ambiente social preexistente de tradições, idéias, valores e vocabulário anteriores; esta é a razão pela qual toda nova tradição inventada, não importa sua radicalidade, sempre exibe os traços de sua linhagem. Como qualquer nova espécie, ela é uma mudança incremental a partir das espécies anteriores. Também, a tradição recentemente cunhada nasce incompleta, embrionária, e continua a se desenvolver e crescer após seu nascimento de modo que a tradição dificilmente se assemelhará a sua forma original depois de transcorridos um século ou um milênio. Com efeito, ela pode se ramificar diversas vezes ao longo das eras, dando origem a novas tradições suplementares.
Segundo, alguns contextos sociais tendem a ser mais férteis e propícios do que outros para a produção de novas tradições. Em particular, períodos de crises sociais são terrenos férteis para novas tradições, que consideraríamos movimentos sociais ou o que o antropólogo Anthony Wallace denominou “movimentos de revitalização”, definidos como “um esforço deliberado, organizado e consciente dos membros de uma sociedade para construir uma cultura mais satisfatória.”[5] As condições prévias para o movimento geralmente envolvem algumas circunstâncias que perturbam ou mesmo arruínam a cultura satisfatória anterior, incluindo desastres naturais, contato com outras culturas, guerras e conquistas, e assim por diante. De início apenas um pequeno grupo de indivíduos, aqueles mais familizarizados com os problemas, sentem os efeitos, mas ao longo do tempo a situação pode levar a uma “distorção cultural” na qual o entendimento que as pessoas tem de seu mundo e de suas tradições existentes deixa de funcionar.
O que pode ocorrer em seguida é tanto demasiado comum como altamente previsível. Do caos de modos de conhecimento fracassados e fortunas arruinadas emerge um homem ou mulher com uma idéia; esta pessoa é o “profeta”. Geralmente este futuro líder teve uma vida tumultuada, tendo experimentado desapontamentos pessoais e profissionais, saúde precária, e/ou predisposições para estados de consciência alterados (sonhos, visões, alucinações, possessões e similares). Com efeito, a resposta trazida pelo “profeta” supostamente não é de sua autoria, mas recebida de um poder mais antigo e elevado. O inovador começa então a comunicar a mensagem, proclamando-a em todas as oportunidades, bem como a realizar feitos espantosos e a experimentar transes místicos. Por fim, ele ou ela atrai uma audiência ou um grupo de seguidores e, com alguma sorte, o movimento começa a crescer. À medida em que cresce, ele deve necessariamente se organizar, sendo a primeira e mais primitiva forma de organização uma relação pessoal direta e individualizada entre o mestre e cada um de seus discípulos baseada no carisma do mestre. Entretanto, mesmo durante a vida do mestre podem surgir adaptações – mudanças da mensagem original em virtude da expansão da comunidade, resistência de não-convertidos, alteração nas circunstâncias, ou interpretações divergentes. Aqui o movimento se adapta às necessidades e capacidades cognitivas dos membros e aos desafios e pressões impostas pelo contexto social mais amplo; uma adaptação frequente é a militarização e a violência. E quando o fundador morre, o movimento experimenta uma crise sucessória: quem guiará os discípulos agora? Esta é muitas vezes uma oportunidade para a institucionalização, para o estabelecimento de regras e estruturas para o grupo, incluindo qualificações para a adesão e um cânone de crenças e condutas aceitáveis, obrigatórias ou proibidas. Se o movimento é bem sucedido, seu efeito pode ser sentido pela sociedade inteira e até mesmo alcançar outras sociedades. Por fim, uma “transformação cultural” ocorre, e o movimento se torna um componente, talvez o componente definidor, da cultura; a inovação se torna uma tradição. Tendo presumivelmente resolvido o problema que o originou em primeiro lugar, o movimento assume seu papel como a nova norma e se torna “rotina”.
Wallace continua descrevendo a variedade finita dos movimentos de revitalização. Qualquer movimento específico pode enfatizar elementos novos, antigos ou estrangeiros. Ele pode inicialmente tentar ou professar reviver algo da ou toda a cultura anterior à crise sobre a premissa de que a vida era boa então e o que precisamos agora é ser mais tradicionais, renovar e fortalecer o compromisso com nossos valores e costumes há muito em vigor; Wallace denomina estes movimentos de revivalistas ou nativistas. Outros esforços podem importar alguns ou todos os elementos de uma cultura estrangeira, geralmente porque essa cultura é vista como superior; tais movimentos Wallace chama de vitalistas, ou nós podemos chama-los “modernizadores”. Um terceiro tipo de movimento introduz conteúdos originais da mente do profeta. Na realidade, qualquer movimento em curso combina aspectos de qualquer ou de todos estes estilos, incluindo o modelo milenarista, que antecipa (e geralmente saúda) um término imediato e apocalíptico para este estado de coisas e a chegada de um estado de coisas melhor no futuro. Wallace também acrescenta que os movimentos variam na medida em que lançam mão de expedientes seculares versus expedientes religiosos. Expedientes seculares referem-se a modos de estruturar as relações humanas como a política, ao passo que expedientes religiosos envolvem relações entre seres humanos e entidades sobrenaturais. “Nenhum movimento de revitalização pode, por definição, ser verdadeiramente não-secular, mas alguns podem ser relativamente menos religiosos do que outros”[6]. Em outras palavras, se um movimento social vai, de alguma forma, produzir alguma mudança no mundo, ele deve incluir algumas alterações seculares no sistema econômico, familiar ou político; estas transformações muitas vezes são feitas pela sugestão de, com o auxílio de, e sob a autoridade de, seres espirituais. Aqui, como em todo e qualquer lugar, o sobrenatural e o secular não podem ser rigidamente separados.
O resultado é o processo-chave chamado sincretismo, pelo qual elementos culturais podem ser adicionados, retirados ou rearranjados de infinitos modos que, não obstante, traem sua descendência histórica. Assim como um gene pode sofrer uma mutação numa espécie existente enquanto outros genes permanecem inalterados, ou um gene estranho pode ser introduzido no pool genético de uma espécie, é igualmente possível que elementos culturais fragmentem-se, dividam-se, fluam e combinem-se com facilidade em configurações novas mas não excepcionalmente irreconhecíveis. O resultado é um tipo de “especiação”, o processo pelo qual uma nova categoria emerge de uma antiga – não completamente distinta da espécie ancestral mas tampouco perfeitamente idêntica. Às vezes o resultado são duas espécies onde antes havia apenas uma; elas podem seguir rumos evolutivos diferentes, coexistindo ou competindo. Eventualmente a primeira espécie pode se extinguir completamente, ou pode se especiar novamente no futuro, assim como as novas espécies também podem sofrer especiação posterior. Isto é o que confere aos seres vivos e às instituições e idéias sociais seu aspecto de “emaranhado denso”.
(Continua…)
1. Muhammad al Naquib al-Attas, Islam and Secularism (Delhi, India: New Crescent Publishing, 2002), 32–35.
2. David B. Barrett, George T. Kurian, and Todd M. Johnson, World Christian Encyclopedia: A Comparative Survey of Churches and Religions in the Modern World, 2nd ed. (New York: Oxford University Press, 2001).
3. “Methodist Family,” Association of Religion Data Archives, accessado em 16 de Junho de 2012.
4. Eric Hobsbawm and Terence Ranger, eds., The Invention of Tradition (Cambridge: Cambridge University Press, 1983), 1–2.
5. Anthony F. C. Wallace, “Revitalization Movements,” American Anthropologist 58 (1956): 265.
6. Ibid., 277.
Que o cristianismo é um abrangente sincretismo não há dúvida. Mas a questão é a quem interessava isto? Um movimento de tal porte que varou os séculos firmemente não pode ter surgido do acaso. Tentar entender o surgimento do cristianismo por intermédio do Novo Testamento é perda de tempo. Por quê? Porque o NT é uma obra literária e autobiográfica e nada tem a ver com a realidade. O cristianismo não surgiu na Palestina, Jesus nunca existiu e nem os judeus têm nada com isso. Dois links esclarecem a esse respeito.
http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/a-antiga-dec-ncia-crist
http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/e-o-mundo-ocidental-quase-foi-judeu
[…] os posts “Um olhar antropológico sobre o(s) cristianismo(s)” e a série “A evolução do cristianismo“, escritos por um antropólogo cultural _ ele não percebe que, levado às últimas […]
Estou ansioso para a análise desta série. Ultimamente tenho trabalhado um pouco na questão da origem do Crsitianismo Primitivo como um fenômeno religioso do primeiro século d.C.
O Rebeldia Metafísica é um site de importante propagação do ateísmo. Mas, como teísta, tenho algumas críticas que pretendo desenvolver. Estou ultimamente trabalhando com as críticas de Wes Morriston na série sobre o Kalam (é obvio que isso leva muito tempo de pesquisa) e já estou em fase de conclusão da minha crítica ao artigo de Quentin Smith sobre a impossibilidade lógica da causação divina que já havia criticado em uma comunidade do Orkut (William Lane Craig). Sobre o Argumento Transcendental para a Inexistência de Deus, vejo que ele não aborda outras linhas do argumento que é favor da existência de Deus baseado em fundamentos metafísicos e abstratos como eu mesmo demostrei em alguns comentários. Assim, que já estiver pronto publicarei em um blog.
Gostaria de aproveitar a oportunidade e convidá-lo gentilmente, Sonatas PG, para um debate na comunidade orkutiana. Muitas pessoas de segmentos ateus e teítas desejam ver sua posição e conhecer melhor a sua argumentação. A repercussão poderá ser grande! Mas é claro, você decide. O convite está feito.
Edclei, talvez esta série fique aquém de suas expectativas; ela é mais um apanhado histórico do que uma descrição exaustiva do contexto sociocultural do qual brotou o Cristianismo.
O Rebeldia Metafísica não é exatamente uma site de propagação, mas de defesa do ateísmo, digamos de sua superioridade epistêmica, ética (para os moralistas de plantão) e, por que não, estética, na medida em que é mais compatível com uma visão trágica do que utópica da condição humana.
Edclei, eu já disse que meu nome é Gilmar Pereira dos Santos, você pode me chamar de Gilmar; os comentários saem automaticamente assinados com sotnaspg porque meu login aqui no wordpress é sotnaspg (gpsantos ao contrário, porque o nickname gpsantos já não estava disponível quando criei a conta). Por ora, vou declinar seu convite, mas fiquei curioso a respeito das “muitas pessoas” que desejam ver e conhecer melhor minha argumentação. Digo isso porque na verdade esse mundinho é bem pequeno, são praticamente as mesmas figurinhas carimbadas de sempre. Por enquanto estas pessoas podem acompanhar meu debate com o “Luciano Ayan” acerca do Teste da Fé do Infiel. Isso, claro, se ele se comportar direitinho.
Tome cuidado ao citar autores islâmicos que criticam o cristianismo Gilmar os marcatistas podem te acusar de apoiar o islamismo como forma de destruir a civilização cristã ocidental e abri espaço para o governo mundial(ironia)
Lá vem a leva de comentários… vê se dessa vez não perde a resposta antes de publicá-la rs
1) O trecho “os humanos não somos o que éramos há milhões de anos atrás” ficou para lá de estranho, especialmente pelo verbo rebelde que não gostou do sujeito. Mas trocar o artigo ‘os’ por ‘nós’ fica bem interessante. Aliás, mesmo o termo original já soa um pouco estranho para mim: “humans are not what we were millions of years ago”, eu não escreveria assim. Mas ele domina o inglês melhor que eu, então é melhor eu ficar na minha.
2) Esse negócio de inventar tradições é um assunto bem amplo e interessante. Como diz o trecho do livro que você linkou, “Muitas vezes, “tradições” que parecem ou são consideradas antigas são bastante recentes, quando não são inventadas” e “… sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado.” Eu acrescentaria que muitas vezes elas inventam até mesmo o passado, quando este não é conveniente aos objetivos da mudança. (Não li o trecho todo, se tem algo lá dizendo isso, me desculpe!)
Eu digo isso porque tenho em mente um artigo do blog História & Política chamado O Mito da Decência Perdida, que fala um pouco da tentativa de se promover valores como castidade, não-violência etc baseado em um passado que supostamente era assim. Neste artigo, ele mostra que o passado não era tão inocente como dizem, o que me faz pensar que nem toda tentativa de inventar tradição busca um vínculo com um passado real, mas que algumas buscam vínculos com passados moldados sob medida.
Mas isso é um verdadeiro spin-off, pois não complementa a tese de Eller. Coloquei aqui mais por curiosidade mesmo.
3) O que achei que ficou pobre no texto foi o fato da teoria sobre tradições inventadas ter sido apresentada de forma tão… “teórica”, se é que me entendem. Tudo bem que o foco dele não era explicar detalhe por detalhe essa parte, então realmente não seria razoável colocar exemplos que ilustrem o aparato teórico colocado por ele. Mas mesmo eu que tendo a concordar, fiquei com umas pulgas atrás da orelha em certos trechos. A impressão geral é que ficou forçado e o único jeito de confirmar isso é verificando as fontes fornecidas por ele, algo que definitivamente empobrece o texto dele.
Se fosse um artigo independente, sendo escrito para um periódico, essa decisão dele seria bem acertada. Mas como ele está escrevendo um livro que se dirige a pessoas muitas vezes leigas ou com conhecimentos superficiais, acho que ele deveria deixar de ser razoável quanto ao tamanho e deixar esta primeira parte um pouco melhor detalhada, de preferência com alguns estudos de caso.
O que me deixa com um pouquinho mais esperança é saber que esse aparato teórico servirá para explicar alguns pontos na história do cristianismo, então no final das contas não ficará tão desamparado assim. Mas isso não chega a ser muita coisa, já que sem uma validação externa, ele fica aberto a objeções do tipo: “você criou um ponto de vista legal que se encaixa na história, mas como não há validação externa, não sou obrigado a acreditar”. Pelo teste da paródia, é como dizer “a minha hipótese é que os objetos que soltamos vão em direção ao chão porque cada partícula fundamental dos objetos e dos animais amam o centro da Terra e correm para lá toda vez que podem. Vejam só, quando eu solto esse lápis da minha mão, ele sai correndo para o chão, o que prova que ele ama a Terra.” Em outras palavras, a prova da explicação de um fenômeno não pode ser o próprio fenômeno. Se o texto dele aponta o fenômeno e sua explicação, fica desnecessariamente aberto a esse tipo de crítica. E depois, para desfazer o engano, acaba sendo uma novela.
Bruno, fiquei com a impressão de que já havia um solecismo proposital no texto original, por isso, e por já ter visto esta construção em textos em português (como um recurso para realçar o fato de que o objeto de que se fala coincide com o sujeito que fala; o único péssimo exemplo que me ocorre agora é o da música do Ultraje A Rigor “A gente somos inútil”) traduzi desse jeito.
Não li o artigo que vc citou, mas, só para não deixar seu comentário passar em branco, tentar invocar a antiguidade real ou fictícia de alguma coisa para preserva-la ou promove-la é… falácia genética. Quero dizer, a adequação de certos valores e modos de vida às circunstâncias atuais é relativamente independente de eles terem ou não vigorado em alguma época anterior. As vezes, pode ser justamente o apego a valores ultrapassados que acelera o colapso de uma comunidade.
Quanto à falta de exemplos concretos, a questão é que ele só está introduzindo a teoria que subjaz a toda perspectiva histórica na antropologia cultural. Ele está apresentando primeiro a explicação, depois o fenômeno. A acusação de circularidade só procederia se ele estivesse propondo uma teoria nova, radical, que rompesse com os paradigmas da antropologia, para entendermos a evolução do cristianismo em particular.
Já li numa resenha desse livro que este é seu capítulo mais fraco. Eu só resolvi traduzi-lo mesmo por causa da encheção de saco do Ayan e do Ricardo em cima dos artigos do Carrier e do Avalos. No caso do artigo do Carrier, é para reforçar aquela idéia de que não existe um cristianismo unificado, mas uma diversidade de cristianismos, e que se quiserem reivindicar o mérito pela revolução científica, precisam especificar quais as características possui esse cristianismo em que ela ocorreu e que os outros não possuem; genuinamente cristãs seriam só as idéias do movimento milenarista apocaliptista original, que decididamente não favorecem em nada a investigação científica. Já no caso do artigo do Avalos, a idéia é tornar proibitivo o custo de falar que o Cristianismo Positivo nazista é uma deturpação do cristianismo “original”; se isso for verdade, o mesmo vale para qualquer uma das denominações do cristianismo (quaisquer possíveis méritos de qualquer variante do cristianismo seriam devidos as especificidades dessa forma), e igualmente para todas as ramificações do iluminismo.
Sonatas,
Sim, na verdade o que acontece é que apesar de algumas partes serem bem intuitivas, outras deixam um enorme “será?” na cabeça. Daí força o leitor a ir olhar as referências dele, o que nem sempre é algo que este estará disposto a fazer (eu mesmo dificilmente vou me dar este trabalho). É óbvio que isto não é suficiente para acusá-lo de nenhuma circularidade, mas abre brecha. Eu fiz este comentário meio que para fechar esta porta para qualquer um que venha a comentar futuramente.
E se a ideia é complementar os artigos anteriores, então a escolha realmente é muito boa. Eu não tinha visto desta forma.
Agora que você falou, realmente dá pra ver ele tentando algo meio poético naquele trecho esquisito dele. Mas sei não… eu gosto desse tipo de coisa só quando há algum efeito de humor.