Feeds:
Posts
Comentários

Posts Tagged ‘Keith Augustine’

por Keith Augustine

O Status da Pesquisa Parapsicológica

Antes de determinarmos o status científico da pesquisa parapsicológica, devemos fazer uma pausa para estebelecermos a relevância da pesquisa parapsicológica para o estabelecimento de evidências incontroversas da existência de prováveis candidatos a um evento sobrenatural na história recente. A parapsicologia é o estudo científico dos fenômenos paranormais, também chamados fenômenos psi. Michael Stoeber distingue três tipos principais de fenômenos paranormais: psi-receptivos, psi-expressivos e psi-transcendentais (Stoeber 1996, p. 1-2). Os psi-receptivos incluem a telepatia, a recepção paranormal de informações ou influências de outras mentes; clarividência, a recepção paranormal de informações ou influências de eventos ou objetos físicos; e a predição e a retrodição, a recepção paranormal de informações ou influências sobre o futuro ou o passado, respectivamente. Os psi-expressivos esgotam-se nas várias formas de psicocinese, em que a mente de um indivíduo influencia diretamente uma pessoa, animal ou objeto. O tipo mais interessante de fenômenos paranormais para nossos propósitos é o que Stober chama de psi-transcendentais:

O campo de estudo é largamente expandido e complicado pela inclusão da possibilidade da influência de espíritos desencarnados ou de formas de existências incorpóreas como explicação de certos fenômenos paranormais. Em tais contextos, eventos psi envolvem realidades além de ou distintas daquela deste mundo natural (Stoeber 1996, p. 2).

Na divisão de Stoeber do paranormal, os fenômenos psi-transcendentais implicam o envolvimento de agentes sobrenatuais incorpóreos em fenômenos paranormais receptivos e expressivos, ao passo que qualquer coisa que corresponda às duas outras categorias não. Dentre os fenômenos exibindo características psi-transcendentais, Stoeber lista comunicações mediúnicas, aparições, poltergeists, anjos, possessões, experiências extra-corpóreas, experiências de quase-morte, e fenômenos de vidas passadas (Stoeber 1996, p. 2).

Os fenômenos paranormais parecem intimamente relacionados, quase idênticos, a prováveis candidatos a um evento sobrenatural. Todos os três tipos de fenômenos paranormais abraangidos pelo esquema classificatório satisfazem pelo menos os cinco primeiros de nossos seis critérios para um provável candidato a evento sobrenatural. Primeiro, nenhuma causa física de eventos paranormais pode ser identificada; tampouco, até onde podemos dizer, são as causas de tais eventos supervenientes a qualquer força ou entidade física conhecida[13]. Segundo, nenhuma causa espaciotemporal de tais eventos pode ser identificada. Terceiro, tais eventos desafiam todas as tentativas de explicação científica. Quarto, eventos paranormais parecem violar leis científicas bem estabelecidas. E em quinto lugar, os eventos paranormais são altamente improváveis conjeturando-se somente a operação de fatores causais naturais conhecidos. Entretanto, não é evidente que todas as formas de fenômenos paranormais exibem comportamento aparentemente intencional ou inteligente. Michael Scriven oferece a seguinte objeção à identificação do paranormal com o sobrenatural:

As únicas circunstâncias sob as quais pode-se plausivelmente dizer que foi demonstrada a existência de um fenômeno sobrenatural são aquelas em que o critério para mostrar que ele não é um fenômeno natural dos tipos até agora compreendidos foi satisfeito, e também mostrado que ele é tão ‘diferente’ daqueles até agora compreendidos que pareceria ser um caso de ‘outra ordem de existência’, e que envolve alguma agência ou personalidade… Nenhuma divergência ou controvérsia na parapsicologia parece maior do que as que ocorrem nas ciências físicas, e o mero envolvimento de personalidade humana dificilmente nos persuade de que deveríamos abandonar o materialismo ou a explanação naturalista (Scriven 1976, p. 185).

De forma que conquanto Scriven reconheça que os fenômenos paranormais não são abraangidos por nossas categorias naturais conhecidas, suas principais objeções são que eles não são diferentes o bastante de nossas categorias naturais conhecidas para justificar sua categorização como sobrenaturais e que eles não envolvem ostensivamente agências não-humanas.

A primeira objeção de Scriven é questionável. A preocupação última das ciências físicas é com interações físicas ‘burras’ ou impessoais entre partículas físicas fundamentais e forças (ou entre cordas vibratórias — seja lá qual caso for). Mas a parapsicologia introduz a possibilidade de interações causais entre os estados psicológicos complexos e inteligentes de um sujeito e sistemas físicos simples e impessoais. De forma que os fenômenos paranormais não somente desafiam nossas categorias naturais conhecidas como, sem dúvidas, envolvem outras ordens de existência — pelo menos um tipo de interação causal que nos é completamente estranha. Os fenômenos paranormais são diferentes o bastante de nossas categorias naturais conhecidas para no mínimo serem potencialmente abarcadas pelo domínio do sobrenatural. Ou pelo menos Scriven não nos ofereceu muita justificação para pensarmos o contrário. Quanto à segunda objeção de Scriven, existe pouca justificação para insistir que as atuações envolvidas na causação sobrenatural devem ser inumanas. Como Paul Dietl assinala: “O termo ‘sobrenatural’ implica que o agente seja capaz de produzir eventos que são exceções às leis físicas. Entretanto, nada mais sobre o agente está em questão… Mas ele deve ser uma entidade capaz de controlar as leis da natureza” (Dietl 1972, p. 236). Se um ser humano fosse capaz, ao menos aparentemente, de controlar as leis da natureza, então teríamos uma aparente instância de uma atuação humana com poderes sobrenaturais.

Não obstante, a primeira acusação de Scriven captura um insight importante sobre nosso conceito do sobrenatural. Que um evento é diferente — mesmo bastante diferente — dos eventos abraangidos pelas categorias naturais pode não ser o suficiente para que o categorizemos um evento inexplicável como sobrenatural. Por exemplo, se objetos eventualmente flutuassem de forma aleatória no interior de uma sala, sem nenhuma razão aparente (uma forma de psicocinese), sem qualquer padrão reconhecível atribuível a um comportamento inteligente, isto seria uma instância do paranormal mas não uma instância de um provável candidato a evento sobrenatural. Certas instâncias de telepatia também podem ser paranormais mas não prováveis candidatos a evento sobrenatural. Conquanto a insistência de Scriven no envolvimento de uma atuação inumana seja demasiado restritiva, ele reconhece que o envolvimento de alguma forma de atuação inteligente deveria ser aparente antes que pudéssemos razoavelmente categorizar um evento paranormal como um evento potencialmente sobrenatural. Ao passo que eventos paranormais nem sempre se qualifiquem como prováveis candidatos a evento sobrenatural, prováveis candidatos ao sobrenatural sempre se qualificam como eventos paranormais. Isto porque os cinco primeiros de nossos seis critérios para um provável evento sobrenatural também são critérios para categorizar um evento como paranormal. De modo que embora, para nossos propósitos, um levantamento ideal das evidências parapsicológias concentre-se exclusivamente sobre o que Stoeber chama  de fenômenos psi-transcendentais, considerando-se o estado geral das evidências parapsicológcias disponíveis veremos que isto não é necessário.

Em relação à falta de evidências de causação sobrenatural no passado distante, um caso mais forte para o naturalismo é providenciado pela ausência de evidências incontroversas para prováveis candidatos a evento sobrenatural na história recente. Em parte, isto se deve à ampla diversidade de recursos à nossa disposição para produzir evidências convincentes de que um evento ocorreu ou que um fenômeno é real. Múltiplas camêras de vídeo podem ser dispostas em diferentes pontos de observação num local especificado para registrar quaisquer eventos que ali sucedam. Isto foi feito por camêras de segurança constantemente monitorando e registrando eventos ocorrendo nas ruas das cidades e em propriedades privadas e comerciais, por equipes de reportagem de canais de TV cobrindo eventos ao vivo, e por indivíduos que eventualmente encontram-se no lugar certo na hora certa. Considerando-se o predomínio da videovigilância, eventos incomuns sucedendo em diversos locais foram filmados várias vezes. Podemos até mesmo registrar atividades sob o véu da escuridão com camêras infravermelhas que ‘veem’ além do espectro eletromagnético visível.

Apesar de toda essa tecnologia, ninguém até hoje jamais ofereceu qualquer registro em vídeo convincente de um provável candidato a evento sobrenatural. Além disso, existem outros meios de prover evidências convincentes de prováveis intervenções sobrenaturais na natureza. Se alguém com poucos conhecimentos científicos alega se comunicar com entidades sobrenaturais e pode oferecer informações inéditas e surpreendentes sobre o mundo natural, teríamos uma boa razão para acolher a possibilidade de que esta pessoa esteja se comunicando com entidades sobrenaturais. “Deixemos um místico nos dizer alguma coisa sobre o universo que ele e ninguém mais saiba, e então deixemos que a informação seja confirmada por descobertas [científicas] ulteriores, e poderemos começar a levar o misticismo a sério. Isto nunca aconteceu” (Stenger 1990, p. 104). Em contraste, os que afirmam se comunicar com entidades sobrenaturais ofereceram somente descrições óbvias ou falsas do mundo natural — se é que realmente descreveram o mundo natural — municiando-nos com uma forte razão para acreditar que o que eles consideram ser evidência do sobrenatural na verdade não é.

Finalmente, há as evidências experimentais. Não há nenhuma razão em princípio pela qual entidades sobrenaturais não poderiam intervir no mundo natural de maneira regular sem que tal intervenção seja presidida por algum tipo de leis naturais. Paul Dietl oferece o seguinte exemplo de tal situação:

Imaginemos que um profeta local abra, ou aparente abrir com a ajuda de Deus, o imponente Rio Schuylkill. Duas possibilidades são levantadas. A primeira é que o profeta não figure causalmente na explanação natural mas que ele perceba alguma sugestão na situação física que indique condições suficientes naturais… Ele pode não estar conscientemente informado de tal sugestão e assim pode ele próprio acreditar honestamente no milagre. Este tipo de explanação pode ser excluída, entretanto, se ele for solicitado a fazer milagres aleatoriamente. Digamos que ele permita a céticos escolherem doze milagres e numera-los. Qual ele irá realizar será determinado pelo lançamento de um par de dados honestos, e o dia e horário em que irá ocorrer será determinado por outro lançamento (Dietl 1972, p. 240).

O exemplo de Dietl mostra que um evento que presumivelmente possui uma causa sobrenatural não precisa ser um evento extraordinariamente raro, mesmo se tiver que ser extremamente improvável pressupondo-se que somente causas naturais estão presentes. Apesar dos argumentos em contrário de alguns filósofos, um evento com uma causa sobrenatural não precisa ser um evento único. Na verdade, o exemplo acima ilustra que eventos sobrenaturais poderiam ser reprodutíveis sob demanda. Reprodutibilidade não é uma característica exclusivamente reservada a fenômenos naturalmente causados. Como Dietl assinala mais tarde, se um evento aparentemente sobrenatural puder ser reproduzido desta forma, não existe nenhuma variável independente que poderia fazer parte de uma explanação científica de tais eventos (Dietl 1972, p. 241). Se um profeta obtiver êxito nos testes propostos por Dietl, a única variável correlacionada com a ocorrência do evento seria o desejo do profeta de que este acontecesse. Nenhuma causa natural poderia explicar plausivelmente uma correlação consistente entre o desejo do profeta e a ocorrência de um evento.

Se durante sucessivas experiências extra-corpóreas num ambiente controlado de laboratório um indivíduo for capaz de consistentemente causar o movimento de objetos e fornecer de volta informações acessíveis apenas a partir de um local remoto nós teríamos evidências experimentais persuasivas para a existência de um corpo astral potencialmente sobrenatural. Se assumirmos que a causação sobrenatural ocorreu dentro da história recente, considerando-se tal variedade ampla de meios de registro e documentação de fenômenos, é notável que não exista um único caso incontroverso para a existência de quaisquer candidatos prováveis a um evento sobrenatural. Mas se assumirmos que a causação sobrenatural não ocorre, a ausência de evidências incontroversas para prováveis candidatos a evento sobrenatural na história recente é exatamente o que esperaríamos encontrar.

Portanto a ausência de evidências para prováveis candidatos a evento sobrenatural no período contemporâneo providencia fortes razões indutivas para aceitarmos o naturalismo. O que é particularmente pertinente acerca desta ausência de evidências é que diversas gerações de parapsicólogos empreenderam tentativas sistemáticas para produzir evidências incontroversas de fenômenos paranormais ou ‘psi’ e até o presente momento fracassaram: “O total acumulado em 130 anos, que valha a pena ser cientificamente investigado, não produziu qualquer evidência de paranormalidade consistente capaz de resistir ao escrutínio científico aceitável” (Hyman 1985, p. 7). Esta é a razão pela qual o parapsicologista britânico John Beloff descreve a corroboração independente como “a exceção em vez da regra” na pesquisa parapsicológica (Hyman 1985, p. 89). Três características da pesquisa parapsicológica demonstram seu fracasso em produzir evidências incontroversas para o paranormal. Primeiro, a corrente principal da comunidade científica não reconhece a parapsicologia como uma ciência legítima. Isto não é porque os parapsicologistas não utilizam métodos científicos modernos, mas antes porque ao faze-lo eles fracassaram em produzir evidências indicutíveis para a existência do paranormal. A existência de qualquer fenômeno paranormal ainda está por ser demonstrada para a satisfação da comunidade científica. Os parapsicólogos podem estar engajados no estudo científico de um fenômeno inexistente.

Segundo, não existe consenso entre os parapsicologistas sobre quais dos vários fenômenos paranormais que constituem seu objeto de pesquisa são reais:

Quais experimentos os parapsicólogos julgam produzir as melhores evidências para os fenômenos psi? De acordo com vários críticos, os parapsicólogos não irão, ou não serão capazes de, responder a esta pergunta de forma consensual. Os experimentos listados como conclusivos por um parapsicólogo podem ser seriamente questionados ou completamente ignorados na listagem de outro parapsicólogo. Isto é mais sério quando se percebe que existem pouquíssimos experimentos listados por qualquer parapsicólogo como conclusivos (Ransom 1976, p. 416).

Esta falta de consenso entre os parapsicólogos, que é até mesmo mais estarrecedora do que a encontrada em ciências mais ‘flexíveis’ como a sociologia, é sintomática da ausência de evidências incontroversas para o paranormal. Na ausência de evidências consistentes, os parapsicólogos não dispõem de absolutamente nenhuma base para afirmar a realidade de quaisquer fenômenos paranormais em particular.

Finalmente, a parapsicologia fracassou em fazer qualquer progresso em determinar a natureza dos fenômenos paranormais. Por exemplo, não há consenso entre os parapsicólogos sobre quais propriedades específicas vários fenômenos paranormais exibem. Após aproximadamente um século e meio de investigações, os parapsicólogos não se encontram mais próximos de compreender a natureza do paranormal do que estavam quando a pesquisa psíquica começou. Como Ray Hyman aponta,

Os melhores casos de eventos psi levantados por uma geração são postos de lado pela geração seguinte de parapsicólogos e substituídos pelos casos mais recentes e atualizados. Não somente as evidências para o psi carecem de reprodutibilidade, como, ao contrário das evidências de outras ciências, elas não são cumulativas. É como se cada nova geração limpasse a lousa e recomeçasse tudo do zero. Consequentemente, as bases probatórias para o psi estão sempre sendo substituídas. Os casos mais antigos são descartados e substituídos pelas novas e aparentemente mais promissoras linhas de pesquisa (Hyman 1985, p. 86).

Esta ausência de progresso na parapsicologia também é sintomática da ausência de evidência para o paranormal. Considerando-se a inexistência de evidências consistentes para qualquer fenômeno paranormal, os parapsicólogos podem apenas especular sobre quais características estes fenômenos potencialmente inexistentes podem ter. Como quaisquer eventos qualificáveis como prováveis candidatos a evento sobrenatural na história recente pertenceriam ao domínio do paranormal (mesmo se algum fenômeno paranormal não fosse considerado sobrenatural), a ausência de evidências inequívocas para quaisquer fenômenos paranormais demonstra que não existem evidências incontroversas para prováveis candidatos a evento sobrenatural na história recente.

Além disso, é particularmente interessante como, desde os primórdios da parapsicologia como ‘pesquisa psíquica’ no século XIX, o interesse na investigação dos fenômenos paranormais nos quais entidades incorpóreas alegadamente desempenham um papel causal tem decrescido ao longo do tempo. As investigações científicas dos fenômenos paranormais nos quais entidades inumanas alegadamente devem estar envolvidas praticamente não existem. E conquanto os fenômenos paranormais alegadamente envolvendo agentes humanos incorpóreos constituem o que os parapsicólogos chamam pesquisa de sobrevivência, esta área de pesquisa é irrisória dentro do campo como um todo, com a maioria dos parapsicólogos muito mais interessados em tentar fornecer evidências inequívocas para modalidades de percepção extrasensorial e habilidades psicocinéticas. A total falta de interesse dos parapsicólogos no papel dos agentes incorpóreos na produção de fenômenos paranormais pode ser sugestivo de sua avaliação negativa das perspectivas de descoberta de evidências inequívocas para tais instâncias. Se este realmente for o caso, as perspectivas de descoberta de evidências inequívocas para prováveis candidatos a um evento sobrenatural não são promissoras nem mesmo pelos padrões dos parapsicólogos.

Conclusão

Na primeira parte deste artigo eu considerei diversas maneiras de definir o naturalismo e o que significa dizer que algo é natural. O naturalismo é tipicamente definido como a posição de que a totalidade do que existe é natural. Entretanto, uma definição mais fraca do naturalismo que preserve o núcleo essencial da posição — que a natureza é um sistema fechado de causas e efeitos naturais — é mais desejável. O naturalismo no sentido mais fraco sustenta que todo evento causado dentro da natureza possui uma causa natural. Em outras palavras, o naturalismo implica que causas não-naturais de eventos dentro do mundo natural — isto é, causas sobrenaturais — não existem. Esta definição mais fraca é mais desejável porque deixa em aberto a possibilidade de que domínios não-naturais (tais como o reino platônico dos objetos abstratos) existam. De modo que, ao passo que os naturalistas negam a existência de instâncias genuínas de causação sobrenatural, os sobrenaturalistas afirmam a existência de tais instâncias.

Esta compreensão do naturalismo, entretanto, não especifica o que significa uma causa ser natural. Também considerei diferentes critérios teóricos para que qualquer coisa seja abraangida pela categoria ‘natural’. Minha análise do conceito do natural levou-me a concluir que ser físico ou superveniente ao físico e comportar-se em concordância com as leis naturais são condições teóricas necessárias e suficientes para ser natural. Ser estritamente físico, espaciotemporal, e acessível à investigação científica em princípio são condições teóricas suficientes mas não necessárias para ser natural. A partir desta análise, determinei que ser não-físico e não-superveniente a qualquer coisa física, ser não-espaciotemporal, ser cientificamente inexplicável em princípio, e falhar em se comportar em concordância com as leis naturais são condições conjuntamente necessárias e suficientes para o não-natural. Em teoria, qualquer evento dentro do mundo natural com uma causa satisfazendo estas quatro condições (uma causa não-natural) é um evento sobrenatural.

Tal como estão, entretanto, estas condições teóricas para o não-natural são inadequadas como critérios práticos para caracterizar a distinção entre o natural e o sobrenatural. Elas não nos dizem como identificar na prática um evento sobrenatural. Mas podemos extrair uma distinção prática trabalhando com critérios que incorporam características comuns aos casos ‘nítidos’ de eventos sobrenaturais com aproximações aos critérios teóricos para o não-natural. Esta estratégia nos equipa com as seguintes condições necessárias e suficientes para um provável candidato a evento sobrenatural: (1) a causa do evento não pode ser identificada como qualquer força ou entidade física conhecida e tampouco é superveniente a qualquer força ou entidade física conhecida; (2) A causa do evento não pode ser situada no espaço e no tempo; (3) o evento desafia todas as explicações científicas tentadas até agora; (4) o evento aparenta violar leis científicas bem estabelecidas (conforme distinguidas das genuínas leis da natureza); (5) o evento é altamente improvável se possui exclusivamente causas naturais conhecidas; e (6) o evento exibe comportamento aparentemente intencional ou inteligente. Ser um provável candidato a evento sobrenatural é uma condição necessária mas não suficiente para ser um evento sobrenatural genuíno. Assim, enquanto todo provável candidato e evento sobrenatural pode não ser um evento sobrenatural genuíno, todo evento sobrenatural genuíno será um provável candidato a evento sobrenatural. Em outras palavras, um provável candidato a evento sobrenatural é uma instância potencial de causação sobrenatural.

Na segunda parte deste artigo eu apresentei um caso convincente para a aceitação do naturalismo baseado na ausência de evidências convincentes para quaisquer instâncias de causação sobrenatural. Proponentes da existência de causas sobrenaturais postularam a intervenção de agentes sobrenaturais em diversos momentos do passado distante — para explicar a origem do universo, a origem do planeta Terra, e a origem dos seres humanos, entre outras coisas. Mas nossa moderna descrição científica do mundo baseada em evidências oriundas de uma ampla variedade de disciplinas científicas implica que vivemos num universo naturalista no qual as únicas influências sobre o mundo natural são causas naturais impessoais operando cegamente em concordância com leis naturais fundamentais. Como Ernest Nagel escreveu:

É possível, eu penso, conceber sem inconsistências lógicas um mundo em que forças incorpóreas são agentes dinâmicos, ou em que o que quer que aconteça seja uma manifestação de um padrão lógico em desdobramento. Em tais mundos possíveis seria um erro ser um naturalista (Nagel 1960, p. 491).

Mas aparentemente não vivemos em tal mundo. Se considerarmos seriamente o esboço geral da história do universo elaborado pelos cientistas, descobriremos que a história da vida na Terra é um ciclo sem sentido de especiação e extinção impelido pela competição selvagem por recursos limitados. A seleção natural não deixa qualquer papel a ser desempenhado pelo propósito na origem e na diversificação da vida na Terra. Sob as circunstâncias corretas, uma vez que surgidas moléculas autorreplicantes primitivas, a diversificação da vida prossegue à medida em que forças evolutivas cegas fazem seu efeito. E o papel predominante da extinção e dos acidentes fortuitos na diversificação da vida na Terra respalda a idéia de que a evolução não é um processo guiado por um agente inteligente direcionado a qualquer finalidade.

As evidências compiladas pelas diversas ciências permitiram que os cientistas construíssem um esboço geral da história do universo e não há o menor indício de provável causação sobrenatural em qualquer ponto desta explicação. Além disso, as evidências para prováveis candidatos a evento sobrenatural na história recente são insuficientes. Nossa moderna descrição científica do mundo respalda o naturalismo, mas este suporte probatório NÃO foi uma consequência inevitável da natureza da invstigação científica. Os cientistas poderiam ter descoberto evidências inequívocas de que eventos para os quais não dispomos de nenhuma explanação natural plausível ocorreram ou no passado distante ou na história recente. Mas, naturalmente, eles não descobriram nada do tipo. É extraordinariamente significativo que nem uma descoberta científica sequer tenha falseado o naturalismo no sentido de tornar o sobrenaturalismo mais provável de ser verdadeiro do que falso quando podemos imaginar inúmeras descobertas que poderiam te-lo feito. Embora existam e certamente continuarão a existir anomalias polêmicas em nossa explicação científica do mundo, nenhuma delas tem qualquer coisa a ver com entidades sobrenaturais.

Notas

13. Embora vários parapsicólogos acreditem que habilidades paranormais como a telepatia e a psicocinese sejam supervenientes ao cérebro de um organismo, considerando-se a ausência de evidências consistentes esta hipótese foi meramente proposta, não estabelecida pela pesquisa parapsicológica. Além disso, se espíritos incorpóreos podem agir sobre o mundo natural, sua influência nos pareceria situar-se na esfera da psicocinese; e se ele forem capazes de se comunicar conosco diretamente, mente a mente, qualquer informação que eles forneçam teria que nos ser fornecida telepaticamente. Se possuímos alguma evidência de fenômenos psi-transcendentais que não poderiam ser plausivelmente reduzidos a formas mundanas do paranormal, precisaríamos dispôr de alguma evidência para habilidades paranormais que não sejam supervenientes a qualquer sistema físico conhecido.

Bibliografia

Alston, William P. (2000). “What is Naturalism, That We Should Be Mindful of It?” The Telling the Truth Project (Leadership University website).

Armstrong, D. M. (1983). What is a Law of Nature? (Cambridge: Cambridge University Press).

Audi, Robert (1996). “Naturalism.” The Encyclopedia of Philosophy Supplement. Donald M. Borchert, Ed. (New York: Simon & Schuster Macmillan).

Audi, Robert (2000). “Philosophical Naturalism at the Turn of the Century.” Journal of Philosophical Research 25: 27-45.

Beckermann, Ansgar (1992). “Introduction — Reductive and Nonreductive Physicalism.” Emergence or Reduction? Ansgar Beckermann, Hans Flohr, Jaegwon Kim, Eds. (New York: de Gruyter).

Danto, Arthur C. (1972). “Naturalism.” The Encyclopedia of Philosophy. Paul Edwards, Ed. (New York: Macmillan).

Dawkins, Richard (1987). The Blind Watchmaker. (New York: W. W. Norton & Company).

Dawkins, Richard (1997). “Obscurantism to the Rescue.” Quarterly Review of Biology 72, no. 4: 397-399.

Dennett, Daniel (1991). Consciousness Explained. (Boston: Little, Brown and Company).

Dietl, Paul (1972). “On Miracles.” Logical Analysis and Contemporary Theism. John Donnelly, Ed. (New York: Fordham University Press).

Edwards, Rem B. (1972). Reason and Religion. (New York: Harcourt Brace Jovanovich).

Forrest, Barbara (2000). “Methodological Naturalism and Philosophical Naturalism: Clarifying the Connection.” Philo 3, no. 2: 7-29.

Hale, Bob (1987). Abstract Objects. (Oxford: Basil Blackwell).

Hartmann, William K. and Ron Miller (1991). The History of Earth. (New York: Workman Publishing Company).

Hepburn, Ronald W. (1972). “Nature, Philosophical Ideas of.” The Encyclopedia of Philosophy. Paul Edwards, Ed. (New York: Macmillan).

Hyman, Ray (1985). “A Critical Historical Overview of Parapsychology.” A Skeptic’s Handbook of Parapsychology. Paul Kurtz, Ed. (Buffalo, New York: Prometheus Books).

Lacey, Alan (1995). “Naturalism.” The Oxford Companion to Philosophy. Ted Honderich, Ed. (Oxford: Oxford University Press).

Leakey, Richard and Roger Lewin (1992). Origins Reconsidered. (New York: Doubleday).

Leakey, Richard and Roger Lewin (1995). The Sixth Extinction. (New York: Doubleday).

Leckey, Martin and John Bigelow (1995). “The Necessitarian Perspective: Laws as Natural Entailments.” Laws of Nature. Friedel Weinert, Ed. (New York: de Gruyter).

McGrath, P. J. (1987). “Atheism or Agnosticism.” Analysis 47: 54-57.

Moreland, J. P. (1998). “Should a Naturalist Be a Supervenient Physicalist?” Metaphilosophy 25, no. 1-2: 35-57.

Nagel, Ernest (1960). “Naturalism Reconsidered.” Essays in Philosophy. Houston Peterson, Ed. (New York: Pocket Books).

Ransom, Champe C. (1985). “Recent Criticisms of Parapsychology: A Review.” Surveys in Parapsychology. Rhea A. White, Ed. (Metuchen, New Jersey: The Scarecrow Press).

Ronan, Colin A. (1991). The Natural History of the Universe. (New York: Macmillian Publishing Company).

Sagan, Carl (1980). Cosmos. (New York: Random House).

Scriven, Michael (1976). “Explanations of the Supernatural.” Philosophy and Psychical Research. Shivesh C. Thakur, Ed. (New York: Humanities Press).

Smart, J. J. C. (1984). “Ockham’s Razor.” Principles of Philosophical Reasoning. James H. Fetzer, Ed. (Totowa, New Jersey: Rowman & Allanheld).

Smith, John Maynard and Eors Szathmary (1999). The Origins of Life. (New York: Oxford University Press).

Spiegelberg, Herbert (1951). “Supernaturalism or Naturalism: A Study in Meaning and Verifiability.” Philosophy of Science 18: 339-368.

Stenger, Victor (1990). Physics and Psychics. (Buffalo, New York: Prometheus Books).

Stoeber, Michael (1996). “Critical Reflections on the Paranormal: An Introduction.” Critical Reflections on the Paranormal. Michael Stoeber and Hugo Meynell, Eds. (Albany, New York: State University of New York Press).

Teller, Paul (1992). “Subjectivity and Knowing What It’s Like.” Emergence or Reduction? Ansgar Beckermann, Hans Flohr, Jaegwon Kim, Eds. (New York: de Gruyter).

Thompson, Ida (1998). National Audubon Society Field Guide to North American Fossils. (New York: Alfred A. Knopf).

Thorne, Kip (1994). Black Holes and Time Warps. (New York: W. W. Norton & Company).

Van Gulick, Robert (1992). “Nonreductive Materialism and the Nature of Intertheoretical Constraint.” Emergence or Reduction? Ansgar Beckermann, Hans Flohr, Jaegwon Kim, Eds. (New York: de Gruyter).

Weinert, Friedel (1995). “Laws of Nature — Laws of Science.” Laws of Nature. Friedel Weinert, Ed. (New York: de Gruyter).

Wiseman, Richard (1996). “Witnesses to the Paranormal.” The Encyclopedia of the Paranormal. Gordon Stein, Ed. (Buffalo, New York: Prometheus Books).

Read Full Post »

por Keith Augustine

Uma História Natural do Universo

A partir de dados oriundos de várias ciências construímos um esboço geral do desenvolvimento do universo desde sua origem com o Big Bang até o presente. A cosmologia forneceu alguns dos detalhes do desenvolvimento do universo imediatamente após o Big Bang. Os físicos estão razoavelmente confiantes de que por volta de 15 bilhões de anos atrás o universo se expandiu a partir de uma singularidade 10 bilhões de bilhões de vezes menor do que um núcleo atômico (Ronan 1991, p. 30). Num intervalo de tempo extremamente curto — muito menos do que um segundo — as forças físicas fundamentais do universo encontravam-se unificadas numa superforça única. Em diferentes estágios também ocorridos dentro de um segundo, esta superforça por fim se separou nas quatro forças fundamentais em operação atualmente — a gravidade, a força nuclear forte, a força nuclear fraca e o eletromagnetismo.

A gravidade foi a primeira força a se separar, deixando um remanescente da superforça denominado força da GTU (Grande Teoria Unificada). Quando a força da GTU estava começando a se dividir na força forte e numa remanescente eletrofraca — no que os cosmologistas chamam inflação — um falso vácuo no universo primitivo produziu uma força repulsiva que causou a aceleração a uma taxa assombrosa da expansão do universo (Ronan 1991, p. 32). Simultaneamente, partículas ligeiramente mais abundantes de matéria interagiram com antimatéria, resultando em aniquilações mútuas que deixaram radiação e partículas remanescentes de matéria para trás (Ronan 1991, p. 34). Embora a inflação tenha parado quando a separação das forças nuclear forte e eletrofraca se completou, o universo continuou sua expansão. A força eletrofraca então se separou na força nulcear fraca e no eletromagnetismo, completando a separação das forças. Em três minutos após o Big Bang, prótons e nêutrons poderiam se combinar para formar os núcleos atômicos. 300 000 anos após o Big Bang, o universo resfriou-se o bastante para permitir que os elétrons se combimassem com os núcleos para formar a primeira matéria atômica, basicamente átomos de hidrogênio e hélio (Ronan 1991, p. 34).

A medida em que o universo se expandia sua temperatura decaía continuamente. Cerca de 2 bilhões de anos após o Big Bang, a atração gravitacional atuando sobre uma distribuição heterogênea de matéria causou a aglomeração do hidrogênio e do hélio gasosos em nuvens protogalácticas maiores do que todos os aglomerado de galáxias atuais. Em vários casos, aglomerados individuais de galáxias se condensaram a partir de uma única nuvem protogaláctica. Dentro destas nuvens, regiões de grande densidade se condensaram em protogaláxias. Por volta de 7 bilhões de anos após o Big Bang um grande número de galáxias emergiu (Ronan 1991, p. 38).

Dentro das galáxias, a atração gravitacional causaou o agregamento de nuvens de gás e pó interestelar em discos de matéria com uma convexidade central. O calor gerado pela grande densidade das convexidades centrais resultou na formação de protoestrelas rodeadas por discos de gás e poeira. Quando o material numa convexidade central alcança a temperatura crítica de 10 milhões de graus Kelvin, a fusão começa e uma estrela nasce, eventualmente rodeada por planetas (Ronan 1991, p. 78). As estrelas mais pesadas esgotaram seu combustível mais rapidamente do que as mais leves, fundindo elementos tão pesados quanto o ferro antes de explodirem em supernovas, resultando na formação dos elementos mais pesados do que o ferro. Outras nuvens interestelares, como a que formou nosso sistema solar, conteriam estes elementos mais pesados (Ronan 1991, p. 102).

Aproximadamente 10 bilhões de anos após o Big Bang, cerca de 4,6 bilhões de anos atrás, o Sol foi formado a partir de uma nuvem de gás e poeira interestelar. A medida em que a nebulosa solar ao redor do Sol se resfriou, diferentes substâncias químicas condensaram-se em pequenos grãos a distâncias variadas do Sol. Após cerca de mil anos ests grãos coalesceram num disco giratório de planetóides. Múltiplas colisões no sistema solar primitivo fundiram os planetóides em protoplanetas maiores, que por sua vez fundiram-se em planetas ainda maiores. Cerca de 100 milhões de anos após o aparecimento dos planetóides o sistema solar tornou-se relativamente estável (Ronan 1991, p. 102).

Cerca de 4,5 bilhões de anos atrás a Terra emergiu como um planeta completo. Nesta época planetésimos de tamanho considerável ainda se chocavam contra a superfície da Terra aproximadamente uma vez por mês, impedindo que a luz do sol atingisse a superfície da Terra (Hartmann e Miller 1991, p. 34-35). Numerosos impactos em alta velocidade contra a superfície da Terra primitiva deram origem a um oceano de rochas fundidas que perdurou por milhões de anos. Elementos mais pesados como ferro desceram para o núcleo da Terra enquanto os elementos mais leves ascenderam até a superfície tornando-se parte da crosta terrestre (Hartmann e Miller 1991, p. 36-39). Enquanto a maior parte da atmosfera primitiva rica em hidrogênio escapou para o espaço, uma atmosfera secundária foi produzida quando o dióxido de carbono e o vapor d’água escaparam do interior da Terra através de erupções vulcânicas (Hartmann e Miller 1991, p. 65-66). Devido à diminuição dos impactos, a crosta em resfriamento começou a se solodificar e o vapor d’água a se condensar em forma de chuva, formando os oceanos da Terra por volta de 4,4 bilhões de anos atrás (Hartmann e Miller 1991, p. 67-68).

A maior parte dos biólogos pensa que a vida se originou nos oceanos primordiais da Terra cerca de 4 bilhões de anos atrás (Sagan 1980, p. 30). Segundo o modelo da sopa primordial, descargas elétricas atmosféricas e a luz ultravioleta do sol (prevalente na ausência de uma camada de ozônio) atuaram como fontes de energia que catalisaram a formação de moléculas orgânicas simples na atmosfera, permitindo-lhes recombinarem-se continuamente em moléculas mais  complexas. Como Carl Sagan explica,

Os produtos desta química primitiva dissolveram-se nos oceanos, formando um tipo de sopa ogânica de cuja complexidade gradualmente aumentava, até que um dia, de forma bastante acidental, surgiu uma molécula capaz de fazer cópias imperfeitas de si mesma, utilizando como matéria-prima outras moléculas presentes na sopa (Sagan 1980, p. 30-31).

Como a própria molécula auto-replicante original, as cópias deste replicador também se reproduziram. Enquanto a matéria-prima bruta estava disponível, este processo resultou numa crescente população de moléculas autorreplicantes (Dawkins 1987, p. 129). Os replicadores provavelmente atuaram como modelos: “Componentes menores caíam juntos no molde de tal forma que uma réplica do molde era produzida” (Dawkins 1987, p. 129).

As formas mais simples e primitivas de moléculas autorreplicantes provavelmente utilizaram um processo de replicação que era particularmente propenso a erros (mutações). Qualquer processo de replicação, na verdade, produzirá erros nas reproduções do original (Dawkins 1987, p. 128-129). Isto leva a variações dentro da população de replicadores. Algumas das cópias alteradas podem ter perdido completamente sua capacidade reprodução, outras podem ter se reproduzido de modo menos eficiente do que suas predecessoras, e outras ainda podem ter se reproduzido à mesma taxa que suas predecessoras. Mas ocasionalmente uma cópia alterada de uma molécula autorreplicante será mais eficiente que suas ancestrais em se reproduzir (Dawkins 1987, p. 130). Como ela é mais eficiente em se reproduzir do que os outros replicadores, mais cópias da variante mais eficiente serão produzidas, e inevitavelmente elas se tornarão predominantes em meio à população variada de moléculas autorreplicantes. Quando os materiais brutos são reciclados à medida em que as moléculas se decompõem (o equivalente molecular da morte), os replicadores mais eficientes por fim eliminarão suas predecessoras menos eficientes.

O processo descrito acima é a evolução por seleção natural a nível molecular. Uma vez surgidas nos oceanos as moléculas autorreplicantes, estava montado o cenário para a ulterior evolução e diversificação da vida na Terra: “A medida em que o tempo passava, elas ficavam melhores em se reproduzir. Moléculas com funções especializadas eventualmente se combinavam, dando origem a um tipo de cooperativa molecular — “a primeira célula” (Sagan 1980, p. 31). O mesmo processo, por sua vez, levou ao desenvolvimento de organismo unicelulares e multicelulares mais complexos. Considerando-se qualquer população de organismos que se reproduzem, a ocorrências de mutações aleatórias na prole — ou através de erros no próprio processo de cópia ou em decorrência de fatores externos como radiação ou produtos químicos — levarão à variação entre os indivíduos dentro da população. As alteraçõs genéticas nos descendentes podem  diminuir as chances de sobrevivência e reprodução da prole, podem não ter o menor efeito sobre estas chances, ou podem aumenta-las. Ao longo de sucessivas gerações, as variações adaptativas que aumentam as chances de sobrevivência e reprodução de um organismo se tornarão dominantes na população, terminando por eliminar os organismo menos afortunados. Quando o ambiente muda, os organismos mais bem adaptados ao novo ambiente prosperarão enquanto os mal adaptados diminuirão em número ou serão extintos. Neste sentido, o ambiente seleciona de forma não-aleatória as variações aleatórias numa população de organismos. Quando este processo continua por sucessivas gerações, a seleção natural cumulativa resulta no surgimento acidental de novas espécies e numa mudança de organismos simples para os mais complexos ao longo do tempo.

Os organismos fossilizados mais antigos conhecidos são bactérias unicelulares esféricas e cilíndricas surgidas 3,5 bilhõesde anos atrás (Hartmann e Miller 1991, p. 85). Estas bactérias eram primitivas células procariotas desprovidas de núcleo central e de organelas especializadas, cujo material genético espalhava-se pelo interior da célula. As primeiras procariotas provavelmente fotossintetizaram açúcares pela combinação de dióxido de carbono e água na presença de luz solar (Thompson 1998, p. 38) Aproximadamente 3 bilhões de anos atrás colônias de algas verdes e azuis chamadas estromatólitos surgiram em ambientes aquáticos de pouca profundidade (Hartmann e Miller, 1991, p. 101-102). Por volta de 2,3 bilhões de anos atrás estas plantas microscópicas exauriram boa parte do abundante suprimento de dióxido de carbono da Terra, substituindo-o por subprodutos da fotossíntese — oxigênio (Hartmann e Miller 1991, p. 102). Como o dióxido de carbono era um gás de efeito estufa que impedia o congelamento da superfície da Terra, a perda gradual do dióxido de carbono provavelmente foi responsável pela primeira glaciação global conhecida na história da Terra por volta de 2,3 bilhões de anos atrás (Hartmann e Miller 1991, p. 105).

Por volta de 1,4 bilhões de anos atrás as primeiras células eucarióticas fossilizadas com material genético centralizado num núcleo envolto por uma mebrana apareceram (Thompson 1998, p. 40). Estas eucariotas evoluiriam mais tarde para os animais (Hartmann e Miller 1991, p. 103). Por volta da mesma época as primeiras plantas multicelulares apareceram. Tocas de vermes fossilizadas revelam o surgimento de animais unicelulares um bilhão de anos atrás (Thompson 1998, p. 40). Relógios moleculares também sugerem a primeira aparição de animais multicelulares por volta desta época (Smith e Szathmary 1999, p. 110). A reprodução sexual também pode ter evoluído nesta época, permitindo ao material genético misturar-se de forma mais eficiente e produzindo organismos com mutações que favoreciam uma disseminação mais veloz (Hartmann e Miller 1991, p. 121).

Não foi senão por volta de 700 milhões de anos atrás, cerca de 3 bilhões de anos depois do surgimento da vida na Terra, que grandes animais multicelulares — criaturas de corpo mole incluidno moluscos dotados de conchas semelhantes a corais e organismos similares a águas-vivas, vermes e esponjas — apareceram nos oceanos (Hartmann e Miller 1991, p. 117-119). Vários destes organismos eram animais com a espessura de uma folha que provavelmente respiravam oxigênio por difusão (Smith e Szathmary 1999, p. 110). Como esta fauna ediacarana era desprovida da maquinaria interna para o transporte de gases e nutrientes que encontramos nas espécies posteriores do Cambriano, estes organismos provavelmente não evoluíram nos invertebrados do Cambriano (Leakey e Lewin 1995, p. 22). Eles podem ter sido responsáveis pela primeira possível extinção em massa na história da Terra, quando 75% das espécies unicelulares constituídas por estromatólitos foram extintas. Menos de 100 milhões de anos depois os animais ediacaranos também foram extintos, aparentemente um beco sem saída evolcionário que deixou pouquíssimos descendentes (Leakey e Lewin 1995, p. 23-24).

Na explosão cambriana ocorrida 550 milhões de anos atrás, uma variedade de organismos marinhos dotados de conchas calcárias, como os braquiópodes similares aos mexilhões e os trilobitas similares aos caranguejos, haviam evoluído (Hartmann e Miller 1991, p. 118). Durante este período todos os principais planos corporais encontrados nas criaturas vivas de hoje apareceram dentro de poucos milhões de anos (Leakey e Lewin 1995, p. 16). A alta concentração de oxigênio atmosférico produzida pela fotossíntese a esta altura pode explicar o surgimento tardio de diversos animais multicelulares —  animais maiores não seriam capazes de sobreviver no ambiente pobre em oxigênio da Terra primordial (Leakey e Lewin 1995, p. 21). 500 milhões de anos atrás um evento de extinção em massa cambriano extinguiu 75% das famílias de trilobitas e metade das famílias de esponjas (Thompson 1998, p. 44). 450 milhões de anos atrás, decorridos 90% da história da Terra até hoje, os primeiros peixes — peixes sem mandíbulas com uma carapaça na cabeça — apareceram, enquanto plantas similares a líquens começaram a colonizar a terra firme antes desabitada (Hartmann e Miller 1991, p. 125-126). Estes peixes foram os ancestrais de todos os vertebrados (Thompson 1998, p. 47). Outro evento de extinção em massa — a extinção ordoviciana — ocorreu 440 milhões de anos atrás (Leakey e Lewin 1995, p. 45) Trilobitas, sponjas, braquiópodes e peixes foram dizimados (Thompson 1998, p. 47). Peixes mandibulados, incluindo os tubarões cartilaginosos e peixes ósseos, e as primeiras florestas de plantas sem sementes, apareceram cerca de 400 milhõs de anos atrás (Hartmann e Miller 1991, p. 125-126). Aranhas, milípedes, escorpiões e insetos sem asas apareceram aproximadamente nesta mesma época (Hartmann and Miller 1991, p. 142).

Os primeiros anfíbios evoluíram a partir de peixes de nadadeiras lobadas há aproximadamente 360 milhõs de anos atrás (Hartmann and Miller 1991, p. 143). Por volta desta mesma época ocorreu a extinção em massa devoniana, que dizimou principalmente corais e trilobitas (Thompson 1998, p. 53). Cerca de 300 milhões de anos atrás répteis ovíparos surgiram (Hartmann and Miller 1991, p. 151). A maior extinção em massa conhecida e bem estabelecida (embora talvez menor do que a extinção da faunda ediacarana) — a extinção permiana — ocorreu 225 milhõs de anos atrás (Leakey e Lewin 1995, p. 45). 96% das espécies do Permiano desapareceram (Thompson 1998, p. 60). Répteis com características rudimentares de mamíferos foram dizimados (Leakey e Lewin 1995, p. 45).

Não obstante, mamíferos similares aos roedores surgiram por volta de 220 milhões de anos atrás (Hartmann e Miller 1991, p. 184). A extinção em massa do Triássico ocorreu por volta de 210 milhos de anos atrás (Leakey e Leqin 1995, p. 45). Este evento quase eliminou os anfíbios e os répteis da face da Terra (Thompson 1998, p. 66). Os dinossauros se diversificaram por volta de 200 milhões de anos atrás. Alguns destes dinossauros deram origem aos pássaros (Hartmann and Miller 1991, p. 153-154). Por volta de 65 milhões de anos atrás um evento de extinção em massa no Cretáceo — o impacto de um enorme meteoro com a Terra — varreu da superfície do planeta 75% das espécies então existentes, incluindo os dinossauros, permitindo que pequenos mamíferos ocupassem os nichos então desocupados (Hartmann and Miller 1991, p. 158).

A primeira família abrigando primatas com um polegar opositor e visão estereoscópica — grupos similares aos lêmures — apareceu cerca de 55 milhões de anos atrás. Por volta de 35 milhões de anos atrás, macacos e primatas de grande porte surgiram (Hartmann and Miller 1991, p. 191-192.). Os mais antigos primatas humanóides — os australoptecinos — surgiram por volta de 4 milhões de anos atrás. Cerca de 2,5 milhões de anos atrás, quando os australoptecinos caminhavam eretos e usavam ferramentas de ossos e pedras lascadas, um fabricante de ferramentas mais avançado — o Homo habilis — apareceu. O Homo erectus surgiu cerca de 1,6 milhões de anos atrás e pode ter se extinguido cerca de 300 000 anos atrás. O Homo sapiens apareceu por volta de 350 000 anos atrás (Hartmann e Miller 1991, p. 193). Os humanos modernos — Homo sapiens sapiens — apaareceram por volta de 150 000 anos atrás (Leakey e Lewin 1992, p. 205).

O Naturalismo E Uma Descrição Científica Do Mundo

J. P. Moreland chama uma explicação como essa de “A Grande História” do naturalista (Moreland 1998, p. 40-41). Entretanto, é importante reconhecer que este esboço geral da história do universo não foi desenvolvido por filósofos naturalistas. Antes, foi desenvolvido por cientistas  reunindo  evidências empíricas numa ampla variedade de campos independente de suas disposições filosóficas individuais. De modo que seria menos polêmico e mais acurado descrever esta explicação como a Grande História dos cientistas. Esta explicação científica das origens foi elaborada sobre fundamentos empíricos independentemente de preocupações filosóficas como o valor de verdade do naturalismo. Que esta explicação científica adapte-se tão bem às expectativas do naturalista é uma corroboração empírica significativa para o naturalismo.

Conquanto existam certas questões a serem resolvidas nos detalhes, nenhuma parte deste esboço geral da história do universo exige que admitamos sequer uma probabilidade razoável para a causação sobrenatural. Porque todo evento causado neste esboço geral pode ser adequadamente explicado (no mínimo pelos padrões científicos) inteiramente em termos de causas naturais impessoais, é improvável que os problemas não-resolvidos relativos aos detalhes deste esboço demandarão apelos a causas sobrenaturais. Apesar de uma investigação extensa e abraangente do passado distante, os cientistas não encontraram nenhum indício de causação sobrenatural em qualquer ponto da história do universo. Uma descrição científica bem informada do mundo sugere que os processos que moldaram o desenvolvimento do universo e produziram a diversificação da vida sobre a Terra foram inteiramente naturais.

Que os cientistas sejam capazes de fazer tal asserção com razoável confiança é um reforço empírico extraordinário para o naturalismo. Parece não haver nenhuma brecha para a causação sobrenatural em qualquer ponto de nosso esboço geral da história do universo. Como Richard Dawkins assinala, “um universo com uma presença sobrenatural seria um tipo de universo fundamentalmente e qualitativamente diferente de um sem tal presença. A diferença é, inescapavelmente, uma diferença científica” (Dawkins 1997, p. 399). Se a causação sobrenatural tivesse ocorrido no passado distante, os eventos teriam se desdobrado de modo distinto do sperado se apenas causas naturais estivessem presentes. Quaisquer instâncias detectáveis de causação sobrenatural teriam produzido lacunas em nossa explicação científica nos pontos em que os prováveis candidatos a evento sobrenatural ocorressem. Mas os cientistas tem descoberto apenas evidências para influências causais indiscutivelmente naturais neste amplo esboço. Que parece não haver nenhuma lacuna do tipo em nossa explicação do passado distante — isto é, nenhum evento que exija quaisquer candidatos a um evento sobrenatural — implica que o naturalismo é verdadeiro. Afinal, as descobertas científicas poderiam ter sido diferentes. Nossa explicação da história do universo poderia ter revelado que a vida inteligente e o universo como se afigura hoje surgiram minutos após o Big Bang, por exemplo. Inexistindo qualquer explanação natural plausível para tal complexidade avançada aparecendo imediatamente de uma relativa simplicidade, o naturalismo estaria em sério conflito com o esboço geral da história do universo. Conquanto possamos certamente imaginar histórias de possíveis universos em que seria irracional negar a existência de instâncias genuínas de causação sobrenatural, aparentemente não vivemos num universo deste tipo.

Numa descrição científica do mundo, inteligência e propósito não desempenham papel algum no passado distante. Como Daniel Dennett coloca, “No princípio não haviam motivos; haviam somente causas. Nada tinha um propósito, nada possuía sequer uma função; não havia absolutamente teleologia alguma no mundo… Não havia nada que tivesse interesses.” (Dennett 1991, p. 173). Mas então surgiram moléculas autorreplicantes dotadas do interesse primitivo em replicarem a si próprias. Isto envolvia evitar circunstâncias que inibissem ou impedissem a replicação e buscar circunstâncias que favorecessem a replicação. Com a autopreservação vem os limites entre o eu e o outro, o comportamento intencional que auxilia a sobrevivência, e em última análise a inteligência e a agência (Dennett 1991, p. 173-174). Em nossas melhores explicações científicas, a agência surge acidentalmente apenas através da seleção natural com o aparecimento de organismos superiores como os seres humanos. Um provável candidato a evento sobrenatural, entretanto, seria um evento para o qual não fosse possível encontrar nenhuma causa natural exibindo comportamento intencional ou inteligente. Um evento sobrenatural, portanto, requer a atividade de um agente sobrenatural. Segundo a descrição científica do mundo fundamentada numa variedade de diferentes fontes de evidência empírica, entretanto, a agência não desempenha nenhum papel no universo anterior ao surgimento da vida e então aparece somente em organismos indiscutivelmente naturais.

Se considerarmos seriamente esta explicação científica do passado distante, seremos compelidos a concluir que o surgimento de vida inteligente sobre a Terra foi conduzido por processos naturais inteiramente impessoais, principalmente a seleção natural. As forças responsáveis pela evolução da vida na Terra são a própria antítese do que esperaríamos de uma atuação sobrenatural, como Richard Dawkins deixa claro:

A seleção natural, o processo cego, inconsciente e automático que Darwin descobriu, e que nós agora sabemos ser a explicação para a existência e a forma aparentemente planejada de todos os seres vivos, nãopossui nenhum propósito em mente… Ela não planeja o futuro. Ela não tem visão, nenhuma presciência, absolutamente nenhuma meta (Dawkins 1987, p. 5).

Dentro do mundo natural, a existência de inteligência é um acidente produzido por forças evolucionárias cegas. Nosso esboço geral da história do universo sugere que, até onde podemos dizer, inteligências sobrenaturais não desempenham absolutamente nenhum papel no mundo natural: “O registro fóssil implica tentativa e erro, uma incapacidade de antecipar o futuro, características inconsistentes com um Projetista [inteligente]” (Sagan 1980, p. 29). Embora encontremos uma progressão geral partindo da simplicidade em direção a uma complexidade cada vez maior, este avanço não era inevitável, mas contingente à circunstâncias ambientais aleatórias. Além disso, considerando-se a longa demora entre o Big Bang e a origem da vida sobre a Terra — alguns 11 bilhões de anos — é questionável que a evolução tenha sido guiada por um agente sobrenatural com o intuito de produzir a vida em geral ou a vida inteligente (incluindo os seres humanos) em particular.

A seleção natural não somente diversificou as formas de vida como também resultou na extinção da vasta maioria das espécies que já existiram sobre o planeta Terra. Como Richard Leakey assinala, “99,9 por cento de todas as espécies que já viveram estão extintas… A aderência da vida sobre a Terra é evidentemente mais precária do que nos aprazaria reconhecer” (Leakey e Lewin 1995, p. 197). Os mesmos processos que levam à emergência da vida também abrem caminho à sua extinção, tanto individualmente para organismos específicos como coletivamente para espécies como um todo. Não há dúvidas de que os seres humanos compartilharão o destino de todos os outros organismos e sucumbirão à extinção. De fato, se extrapolarmos o futuro dos seres humanos a partir do curso da evolução humana no passado, é provável que os seres humanos serão extintos dentro dos próximos dez milhões de anos (Hartmann e Miller 1991, p. 232). Embora várias formas de vida provavelmente continuarão  a existir após a extinção da raça humana, toda vida sobre o planeta desaparecerá quando a Terra deixar de ser habitável. E embora possa haver vida inteligente em outro lugar do universo, considerando-se todos os prováveis cenários para o futuro do universo, o universo inteiro um dia se tornará inóspito para a vida. Ao que tudo indica, a longa ausência de senciência desde o princípio do universo  até a emergência de formas superiores de vida será seguida por uma permanente ausência de senciência no universo após a extinção de toda vida. Como Ernest Nagel coloca sucintamente, “a sina humana não passa  de um episódio entre dois oblívios” (Nagel 1960, p. 496). Embora o universo possa parecer à primeira vista projetado para abrigar a vida, o indiscutível ciclo de especiação e extinção mostra que a vida é um fenômeno efêmero e aparentemente não serve à qualquer propósito para quaisquer agentes sobrenaturais.

Quando consideramos que os primeiros primatas humanóides apareceram por volta de 4 milhões de anos atrás, “nós percebemos com um choque que isto representa meros 0.1 porcento da história da Terra… Em outras palavras, a duração da humanidade até agora é tão curta que nossa espécie inteira poderia perder-se no ruído do tempo geológico” (Hartmann e Miller 1991, p. 194). A breve duração da vida humana na escala geológica de tempo faz mais do que ilustrar a insignificância de nossa espécie dentro da história da Terra, para não mencionar na história do universo. Ela também aumenta a probabilidade de encontrarmos prováveis instâncias de causação sobrenatural no passado distante. Se a causação sobrenatural tiver ocorrido dentro da história humana e sua frequencia hoje (seja lá qual for) for representativa de sua frequência no passado, considerando-se o quão breve a história humana é em relação à história da Terra, deveríamos esperar evidências abundantes de causação sobrenatural no passado distante. Que não podemos ver tais evidências aumenta a plausibilidade do naturalismo. Em outras palavras, se não podemos encontrar nenhuma evidência de causação sobrenatural no passado distante, é improvável que instâncias de causação sobrenatural tenham ocorrido ao longo da história humana.

Pode-se reconhecer que não existe nenhuma boa evidência para uma provável causação sobrenatural no passado distante e ainda assim afirmar a existência da causação sobrenatural. Por exemplo, um deísta poderia sustentar que uma divindade sobrenatural causou o Big Bang embora não tenha mais intervido no universo desde sua criação. Conquanto nada em nossa explanação científica do passado distante seja inconsistente com essa possibilidade, não teríamos razão alguma para postular uma causa sobrenatural no começo do universo na ausência de quaisquer instâncias estabelecidas de prováveis candidatos a evento sobrenatural. O Big Bang poderia simplesmente ter sido um evento incausado, por exemplo. Talvez não haja nenhuma boa evidência para o sobrenatural no passado distante porque a causação sobrenatural tenha ocorrido apenas dentro da história humana. Agentes sobrenaturais podem intervir na natureza somente para fazer sua presença conhecida aos seres humanos, sem desempenhar nenhum outro papel ativo no mundo natural. Embora isto seja possível, parece implausível elevar a significância de uma única espécie acima de tudo o mais no universo. Ou talvez a causação sobrenatural tenha ocorrido no passado distante, mas seja absolutamente indetectável considerando-se o tipo de evidências limitadas para tais eventos que está disponível para nós. Para eventos que tenham ocorrido no passado distante podemos discernir somente as mudanças de grande magnitude na história da Terra ao longo de milhões de anos, por exemplo, não eventos que ocorrem numa escala temporal de minutos, horas ou dias. Ainda assim, entretanto, eventos ocorrendo em escalas de tempo menores no passado distante poderiam produzir mudanças detectáveis na história da Terra (considere pelo menos o evento de extinção que varreu os dinossauros da face da Terra).

Explanações similares são consistentes com a ausência de evidência para prováveis candidatos a evento sobrenatural no presente — que tais eventos ocorram mas nós simplesmente não os observamos, por exemplo. Conquanto tudo isso seja possível, um apelo à navalha de Ockham é apropriado aqui. Praticamente todas as formas de sobrenaturalismo que as pessoas efetivamente subscreveram postulam que agentes sobrenaturais possuem um papel significativo em vez de marginal tanto nas origens como nos assuntos humanos. Em todo caso, nosso esboço geral da história do universo estabelece que não dispomos de qualquer evidência incontroversa para instâncias de um provável candidato a evento sobrenatural no passado distante. Ao que parece não existe nenhuma atuação sobrenatural envolvida em qualquer ponto da história do universo.

(…conclui a seguir…)

Read Full Post »

Naturalismo Metafísico e Naturalismo Metodológico

por Keith Augustine

Antes de considerarmos as evidências para prováveis candidatos a eventos sobrenaturais, desejo abordar uma objeção comum ao argumento da ausência de evidência no que diz respeito à relação entre a ciência e o naturalismo. É universalmente aceito que a ciência pressupõe o naturalismo metodológico mas não o naturalismo metafísico. Isto é, a ciência presume, para fins metodológicos, que somente causas naturais operam dentro do mundo natural porque os cientistas não dispõe de acesso empírico à quaisquer causas sobrenaturais eventualmente situadas fora do mundo natural. O naturalismo metodológico é um pressuposto necessário para investigações científicas bem sucedidas porque nenhuma explanação científica poderia ser formulada para instâncias de causação sobrenatural. Sejam lá quais forem as explanações para os eventos oferecidas pela ciência, estas explanações devem ser explanações naturalistas porque não dispomos de absolutamente quaisquer meios empíricos confiáveis para decidir entre explanações sobrenaturais concorrentes. Mas a própria ciência não está comprometida com a tese metafísica de que, como uma questão de fato, o mundo natural é um sistema fechado no qual todos os eventos causados possuem uma causa natural. Ao longo deste ensaio o termo ‘naturalismo’ referiu-se a esta tese metafísica mais forte em vez da estratégia metodológica relativamente incontroversa.

Pode ser objetado que a ciência jamais seria capaz de falsear o naturalismo porque as explanações científicas nunca são formuladas em termos de causas sobrenaturais. Entretanto, conquanto explanações científicas sejam inerentemente naturalistas, descobertas científicas poderiam sugerir poderosamente a ocorrência de um evento impossível de ser explicado plausivelmente em termos de causas naturais. Por exemplo, houvessem os seres humanos sido a única forma de vida a surgir no planeta Terra imediatamente após ele se tornar habitável, sem evidência alguma de evolução a partir de ancestrais, e jamais fosse encontrado qualquer fóssil de espécies extintas, esta seria uma descoberta científica fortemente sugstiva de uma causa sobrenatural da origem dos seres humanos. A ciência tem solapado a credibilidade de todas as formas de sobrenaturalismo não porque assume como um princípio metodológico que somente a causação natural ocorre mas porque a ciência tem sido extremamente bem sucedida ao utilizar este pressuposto. Não existe absolutamente nenhuma lacuna em nossa descrição científica do mundo que aparente exigir um apelo à causas sobrenaturais. A explicação mais simples e objetiva para o sucesso do naturalismo metodológico como uma estratégia científica é a veracidade do naturalismo metafísico.

De forma que a plausibilidade do naturalismo para tantos acadêmicos e pesquisadores não repousa primariamente sobre pressuposições filosóficas mas sobre o sucesso estarrecedor das explanações científicas do mundo natural. Em particular, o sucesso da ciência abraange diversas áreas nas quais explanações em termos de causas sobrenaturais foram invocadas no passado. A maioria esmagadora dos filósofos e cientistas atualmente não veem aboslutamente a menor necessidade de apelar a causas sobrenaturais a fim de explicar qualquer fenômeno dentro do mundo natural. O progresso de nossa descrição científica do mundo, ocorrido de forma bastante independente de preocupações filosóficas,  é inteiramente consistente com o naturalismo. Descobertas científicas específicas tem reforçado a plausibilidade do naturalismo na medida em que são, colocando de forma franca e direta, o que se espera obter se o naturalismo é verdadeiro.

A fim de estabelecermos a provável veracidade do naturalismo, precisamos estabelecer a veracidade da segunda premissa do argumento da ausência de evidência. Isto é, devemos estabelecer que, como questão de fato, não dispomos de nenhuma evidência incontroversa para instâncias de um provável candidato a evento sobrenatural. Todavia, em vez de tentar empreender um assustador levantamento das evidências para eventos particulares, eu considerarei globalmente o estado das evidências oriundas das mais prováveis fontes de evidências para prováveis candidatos a um evento sobrenatural. Em particular, eu considerarei duas fontes potenciais de evidências incontroversas para prováveis candidatos a um evento sobrenatural. Primeiro, considerarei se existem quaisquer boas evidências de que é provável que a causação sobrenatural tenha ocorrido no passado longínquo. Estas evidências consistirão de um esboço geral da história do universo desde sua origem até o presente baseada em descobertas da cosmologia, geologia, química, bioquímica, biologia molecular, biologia evolutiva, paleontologia e antropologia física. Então considerarei se é provável que a causação sobrenatural tenha acontecido dentro da história humana. Torna-se gradativamente mais difícil estabelecer que um evento extraordinário tenha ocorrido quanto mais retrocedemos na história humana considerando-se a escassez de evidências históricas disponíveis para tais eventos. De modo que restringirei minha análise das evidências dentro da história humana ao passado recente, considerando-se o predomínio abundante de  recursos diferentes e altamente confiáveis para estabelecer a ocorrência de eventos de qualquer tipo à luz das tecnologias e técnicas investigativas modernas. Estas evidências consistirão de uma avaliação do atual status científico da pesquisa parapsicológica.

(…continua…)

Read Full Post »

Capítulo 2: Um Caso Empírico Para  O Naturalismo

por Keith Augustine

Ao longo da história humana, causas sobrenaturais foram invocadas para explicar secas, terremotos, raios, tempestades, cometas, epidemias, doenças mentais, experiências místicas, as órbitas dos planetas, a origem das coisas vivas, e a origem do mundo, dentre inúmeros outros fenômenos. A medida em que a revolução científica ocorrida nos séculos XVII e XVIII florescia e produzia seus frutos , apelos à causação sobrenatural finalmente deram lugar a explanações científicas bem sucedidas de vários fenômenos em termos de causas naturais. Desde seus primórdios, a ciência tem reforçado cada vez mais a plausibilidade do naturalismo proporcionando explicações esclarecedoras para uma ampla gama de fenômenos em termos de causas naturais. Quanto mais a ciência progrediu, menos espaço foi deixado para a postulação de causas sobrenaturais dentro de uma explicação científica do mundo, e se a experiência passada puder nos servir de guia, esta orientação geral continuará no futuro. Esta tendência tem levado muitos a concluir que provavelmente não existem instância genuínas de causação sobrenatural. À medida em que a ciência explica cada vez mais o mundo natural que nos rodeia, apelos à causação sobrenatural tornam-se cada vez menos plausíveis.

Vários filósofos e cientistas concluíram que a melhor explicação para nossa habilidade em desenvolver e aprimorar explanações científicas bem sucedidas para tão ampla gama de fenômenos em termos de causas naturais é que não existem instâncias genuínas de causação sobrenatural. Barbara Forrest, por exemplo, descreve o naturalismo como “uma generalização dos resultados cumulativos da investigação científica (Forrest 2000, p. 19). Em outras palavras, a melhor explicação para o sucesso da ciência é a veracidade do naturalismo. Considerando-se a proliferação de explanações científicas bem sucedidas para os fenômenos, Forrest conclui que existe “um decréscimo assintótico na possibilidade existencial do sobrenatural até um ponto em que ele é completamente negligenciável” (Forrest 2000, p. 25). Se o naturalismo fosse falso, existiriam alguns fenômenos que não seriam explanáveis exclusivamente em termos de causas naturais. Entretanto, como a ciência pode explicar a totalidade dos fenômenos incontroversos com que nos deparamos em termos de causas naturais, provavelmente não há fenômenos que não possam ser explanáveis em termos de causas naturais. Portanto, o naturalismo provavelmente é verdadeiro.

Este argumento do sucesso da ciência baseia-se numa premissa indutiva crucial — que podemos inferir que todos os fenômenos podem ser explicados em termos de causas naturais a partir da capacidade da ciência para explicar todos os fenômenos incontroversos que encontramos em termos de causas naturais. Mesmo se aceitarmos a validade desta inferência indutiva, ainda precisaremos estabelecer que todos os fenômenos incontroversos que encontramos até agora podem ser explicados cientificamente. Como certamente existem fenômenos incontroversos para os quais carecemos de explicações científicas bem sucedidas — considere a influência gravitacional dominante de alguma forma desconhecida de matéria escura no universo — defenderei um argumento relacionado porém mais vigoroso para o naturalismo. Este argumento não nos exige a posse de uma explicação científica bem sucedida para todos os eventos bem estabelecidos a fim de conferir suporte probatório ao naturalismo.

Um provável candidato a evento sobrenatural não é necessariamente o resultado de causação sobrenatural considerando-se que satisfazer os critérios para um provável candidato é uma condição necessária porém não suficiente para realmente ser um evento sobrenatural. Portanto, se o naturalismo é verdadeiro, não resulta necessariamente que não existirão prováveis candidatos a evento sobrenatural — é possível, todavia improvável, que um evento naturalmente causado também satisfaça os requisitos impostos sobre um provável candidato a evento sobrenatural. Por exemplo, imagine que um indivíduo seja capaz de induzir voluntariamente experiências extra-corpóreas sob condições laboratoriais. Ao longo de diversos testes experimentais, após este sujeito ter induzido uma experiência extra-corpórea, câmeras infravermelhas detectam os contornos de uma pessoa movendo-se em direção a um sino que começa a badalar num aposento adjacente à localização do corpo fisico normal do indivíduo em teste. Se tais eventos ocorressem hoje, eles satisfariam todos os critérios para um provável candidato a evento sobrenatural. Não obstante, tais eventos podem ser o resultado de causas completamente naturais que poderia ser entendidas apenas em termos de alguma ciência futura ainda não disponível para nós. Por exemplo, poderia ser postulado que os organismo humanos possuem corpos astrais naturais constituídos de algum tipo exótico e desconhecido de matéria capaz de se dissociar dos corpos físicos normais em determinadas circunstâncias. Na ausência de explanações científicas bem sucedidas para tal fenômeno, entretanto, instâncias incontroversas de prováveis candidatos a evento sobrenatural tornariam o sobrenaturalismo mais provável de ser verdadeiro do que falso em relação a cenário científico de fundo sem categorias naturais para tais eventos.

Independentemente de tais possibilidades, se existem quaisquer eventos dentro da natureza que possuem causas sobrenaturais, estes eventos serão prováveis candidatos a eventos sobrenaturais. Portanto, se o naturalismo for falso, existirão eventos que são prováveis candidatos a eventos sobrenaturais. Mesmo sem um conjunto definitivo de critérios para identificar um evento sobrenatural, somos capazes de divisar os rudimentos de um argumento para o naturalismo:

(P1) Se o naturalismo é falso então existem eventos que são prováveis candidatos a eventos sobrenaturais.

(P2) Não existem eventos que sejam candidatos prováveis a eventos sobrenaturais.

(C) Portanto, o naturalismo não é falso (isto é, o naturalismo é verdadeiro).

Ou, colocando o argumento de outra forma:

(P1) Se não existem eventos que sejam prováveis candidatos a evento sobrenatural, então o naturalismo é verdadeiro.

(P2) Não existem eventos que sejam prováveis candidatos a evento sobrenatural.

(C) Portanto, o naturalismo é verdadeiro.

O argumento acima constitui os pilares básicos de minha defesa do naturalismo. Como indicado acima, é demasiado abraangente para ser útil; a segunda premissa decisiva simplesmente não pode ser estabelecida na ausência de onisciência. Entretanto, podemos transformar este argumento num argumento da ausência de evidência mais prático:

(P1) Se após uma procura intensiva pelo mundo natural os cientistas e historiadores não encontrarem nenhuma evidência incontroversa para prováveis candidatos a evento sobrenatural então o naturalismo provavelmente será verdadeiro.

(P2) Após uma procura intensiva pelo mundo natural os cientistas e historiadores não encontraram nenhuma evidência incontroversa para prováveis candidatos a evento sobrenatural.

(C) Portanto, o naturalismo provavelmente é verdadeiro.

O argumento da ausência de evidência presume que se a causação sobrenatural de fato ocorre, prima facie deveríamos dispor de evidências para eventos que fossem prováveis candidatos a evento sobrenatural. Não existe a princípio nenhuma razão pela qual a ocorrência de tais eventos não poderia ser estabelecida conclusivamente. Por outro lado, se a causação sobrenatural não ocorre, não esperaríamos encontrar nenhuma evidência incontroversa para um provável candidato a evento sobrenatural. Se o naturalismo é verdadeiro, não iremos necessariamente fracassar em encontrar evidências incontroversas para um provável candidato a evento sobrenatural. Entretanto, provavelmente não encontraremos tais evidências. Em outras palavras, se de fato encontramos evidências incontroversas para um provável candidato a evento sobrenatural, é mais provável do que não que a causação sobrenatual realmente aconteça e portanto que o naturalismo seja falso.

Agora que assentei os alicerces para uma defesa do naturalismo baseada na ausência de evidências incontroversas para eventos que, se ocorressem, provavelmente teriam causas sobrenaturais, é hora de desenvolver e defender as premissas do argumento. Primeiro, uma vez que já utilizei a expressão crucial sem defini-la, desejo esclarecer o que entendo por ‘evidência incontroversa’. Evidência incontroversa não é necessariamente evidência experimental reprodutível, conquanto estas certamente se qualifiquem como evidências incontroversas. Por evidências incontroversas para uma proposição eu quero dizer simplesmente evidências que levariam qualquer pessoal razoável a concluir que a proposição é verdadeira. Por exemplo, dispomos de evidências incontroversas de que a escravidão vigorou na América do século XIX, que os continentes vem se afastando ao longo de centenas de milhões de anos, de que a evolução das espécies ocorreu, e de que a luz é uma forma de radiação eletromagnética. O que estas proposições tem em comum é que elas são aceitas consensualmente por especialistas realizando pesquisas dentro do domínio empírico relevante. Evidências incontroversas são evidências que produzem consenso entre os especialistas na área relevante.

(…continua…)

Read Full Post »

por Keith Augustine

Introdução

Ao longo do século XX o termo naturalismo foi utilizado para rotular uma série de distintos posicionamentos filosóficos que possuem muito pouco ou nada em comum. Na ética, o naturalismo é uma forma de realismo moral que afirma que propriedades éticas são objetivas em virtude de serem redutíveis a ou idênticas a propriedades naturais, na qual as propriedades naturais são simplesmente as propriedades investigadas pelas diversas ciências. Na metafísica, o naturalismo geralmente assume a forma do materialismo ou do fisicalismo: tudo o que existe é físico ou superveniente ao físico. Na epistemologia, o naturalismo defende que o papel da epistemologia é descrever como o conhecimento é obtido em vez de estabelecer um critério a priori para a justificação de crenças; desse modo uma epistemologia naturalizada propõe teorias do conhecimento e da justificação que eliminam padrões normativos pela utilização exclusiva de conceitos cientìficos.

Neste ensaio ocupar-me-ei com o naturalismo na filosofia da religião, onde outras questões metafísicas e epistemológicas básicas aparecerão. Neste domínio, o naturalismo é a antítese do sobrenaturalismo — é frequentemente interpretado como a concepção de que tudo o que existe é natural e portanto por implicação que o sobrenatural não existe. Entretanto, a esta formulação aparentemente simples do naturalismo, subjaz implícita uma opulenta complexidade. Parte desta complexidade consiste da análise do significado dos termo “natureza” e “natural”, de como a natureza deve ser caracterizada, e de como a distinção entre o natural e o sobrenatural deve ser formulada, tanto na teoria como na prática. Estas questões serão abordadas na primeira parte deste artigo. Na segunda parte eu defenderei o naturalismo como uma opção de crença mais razoável do que o sobrenaturalismo ou o agnosticismo. Esta defesa do naturalismo será alicerçada sobre um argumento sustentando que a ausência de evidências incontroversas para potenciais exemplos de causação sobrenatural proporciona poderosos fundamentos indutivos para considerarmos o naturalismo verdadeiro.

Capítulo 1: O Naturalismo e a Distinção Entre O Natural E O Sobrenatural

O que é o Naturalismo?

Uma das versões mais comuns do naturalismo é a postura de que tudo o que existe é natural. Robert Audi define o naturalismo, interpretado num sentido lato, como “a concepção de que a natureza é tudo o que existe e todas as verdades básicas são verdades da natureza” (Audi 1996, p.372) Rem B. Edwards oferece uma definição similar: “o naturalista é alguém que afirma que somente a natureza existe e, por implicação, que o sobrenatural não existe… O mundo [natural] é toda a realidade; é tudo o que há; não existe ‘outro mundo'” (Edwards 1972, p. 135) Não obstante estas definições apreenderem algumas das características mais fundamentais do naturalismo, penso que o naturalismo pode — e portanto deveria ser — definido de modo menos categórico. Alan Lacey apreende o coração do naturalismo quando escreve: “No que o Naturalismo insiste é que o mundo natural formaria uma esfera única sem intervenções externas de almas ou espíritos, divinos ou humanos” (Lacey 1995, p. 604).

Penso que a maioria dos naturalistas concordaria que o naturalismo pelo menos implica que a natureza seja um sistema fechado contendo apenas causas naturais e seus efeitos. Basicamente, o naturalismo é uma postura metafísica sobre que tipos de relações causais existem – é a posição de que todo evento causado dentro do mundo natural possui uma causa natural. Esta definição do naturalismo é mais fraca do que “tudo o que existe é natural” porque deixa em aberto a possibilidade de que o mundo natural não esgote toda a realidade: podem existir alguns aspectos da realidade situados fora da natureza. Quais aspectos da realidade são não-naturais neste sentido variarão conforme as diferentes definições de natureza ou natural em uso. Pode até mesmo ser impossível em princípio saber que tais domínios não-naturais existem. Mas esta definição mais fraca preserva o núcleo essencial do naturalismo ao negar que a causação sobrenatural exista. De modo que seria melhor dizer que o naturalismo é a posição de que tudo o que existe dentro da natureza é em si mesmo natural e é influenciada exclusivamente por causas naturais.

O naturalismo, como o concebo, permite, portanto, a existência tanto da natureza como de domínios que podem existir fora da natureza; ele simplesmente estipula que quaisquer domínios não-naturais possivelmente existentes não influenciam causalmente o mundo natural. Mesmo a possibilidade de causação não-natural não é excluída na medida em que a causa e seu efeito fiquem ambos confinados a algum domínio não-natural. De modo que o naturalismo permite a existência tanto do natural como do não-natural — incluindo instâncias de causação natural e não-natural — na medida em que estes domínios estejam causalmente separados. Uma causa sobrenatural, nesta concepção, seria uma causa não-natural de um evento dentro da natureza. A expressão “evento sobrenatural” é melhor empregada para nos referirmos a um evento dentro da natureza que possui uma causa sobrenatural. A expressão “evento natural” pode se referir a um evento com uma causa natural ou a um evento no mundo natural. Devemos distinguir entre estes dois, portanto não utilizarei a expressão ” evento natural”. Em vez disso, utilizarei as expressões ‘eventos naturalmente causados’ e ‘eventos dentro da natureza’ (ou do mundo natural), respectivamente, para assinalar esta distinção. Deste modo, o naturalismo é melhor interpretado como a negação da existência de quaisquer instâncias genuínas de causação sobrenatural, ao passo que o sobrenaturalismo é a afirmação da existência de tais instâncias.

Arthur C. Dantos chega muito perto de definir explicitamente o naturalismo desta maneira quando caracteriza o naturalismo como implicando que “Todo o universo cognoscível é constituído de objetos naturais — isto é, objetos que entram e saem da existência em consequência da operação de ‘causas naturais'” (Danto 1972, p. 448). Mas o que é uma causa natural? De acordo com Danto,

Uma causa natural é um objeto natural ou um episódio na história de um objeto natural que acarreta uma mudança em algum outro objeto natural… é exclusivamente em referência a causas naturais que explicamos mudanças no comportamento dos objetos naturais. Isto pode exigir a referência a objetos que podemos não experienciar diretamente, mas estes no entanto, ainda serão objetos naturais, e nunca precisamos sair do sistema de objetos naturais para explanações do que ocorre em seu interior. Referência a objetos não-naturais nunca são explanatórias (Danto 1972, p448).

Na medida em que o significado do termo ‘natural’ não é explicitado, a definição acima deixa em aberto a possibilidade de que ‘causa natural’ possa ser definida de maneira ampla como qualquer causa de uma mudança no comportamento de um objeto natural. Tal definição ampla de ‘causa natural’ é uma manifesta petição de princípio: que todas as causas de eventos dentro da natureza sejam causas naturais é exatamente a questão em disputa. Certamente não queremos que essa tese seja verdadeira por definição — isto é, verdadeira num sentido trivial. Antes, queremos que o naturalismo seja uma posição que — se verdadeira — seja informativa. O aspecto decisivo e instigante da definição de Danto que parece mais essencial ao naturalismo é a tese de que nunca precisamos procurar por algo fora do mundo natural para explicar qualquer coisa dentro do mundo natural.

Na definição de Danto, podemos nem sempre ser capazes de experienciar diretamente uma causa natural, mas presumivelmente deveríamos ser capazes de experiencia-la indiretamente, como quando concebemos os átomos como objetos naturais. Embora Danto nunca declare como distingue entre experienciar diretamente um objeto e experiencia-lo indiretamente, presumirei que ele quer dizer algo nas seguintes linhas: um objeto é diretamente experienciado se  está imediatamente presente a nossos sentidos; é indiretamente experienciado se podemos inferir sua presença para explicar o comportamento de outros objetos que estão imediatamente presentes a nossos sentidos[1]. A discussão de Danto dos objetos não-naturais sugere que ele não pretende referir-se com ‘causa natural’ simplesmente a qualquer causa de mudança num objeto natural:

Ademais, o universo pode conter um ou outro tipo de objeto não-natural, mas não temos nenhuma razão para permitir a existência de objetos não-naturais a menos que eles tenham impacto sobre o comportamento observável de objetos naturais, pois objetos naturais são os únicos objetos que conhecemos diretamente, e somente em referência a suas perturbações poderíamos garantir o conhecimento indireto dos objetos não-naturais, existindo algum (Danto 1972, p. 448).

Suponha que concedamos a Danto sua suposição de que somente objetos naturais podem ser conhecidos diretamente[2]. Uma questão decisiva ainda surge: dentre os objetos conhecidos indiretamente, como distinguimos entre os que são naturais e os que são não-naturais?

(…continua…)

Notas:

1. Esta distinção ainda é bastante ambígua — não deixa claro, por exemplo, que não inferimos a existência de todos os objetos naturais para explicar os objetos que experienciamos. E mesmo se não fazemos isto, não fica claro se o que nós experienciamos diretamente ao perceber um objeto natural é o próprio objeto — pode ser que tudo o que experimentamos diretamente ao avistarmos um objeto, por exemplo, sejam fótons refletidos. Coloquemos de lado estas questões e assumamos que esta distinção seja sólida.

2. Vários filósofos teístas negariam isto, afirmando que podemos experienciar Deus ou outros seres espirituais diretamente através de uma experiência mística. Mesmo filósofos naturalistas podem conceder que podemos ter conhecimento direto de objetos abstratos não-naturais.

Read Full Post »