por Richard Carrier
Qualquer tentativa racional de afirmar que o Cristianismo é necessário para a existência de fatos morais termina expondo as falhas fatais do Cristianismo como um sistema moral. Os cristãos são incapazes de estabelecer as premissas básicas necessárias para esse sistema moral: quais comportamentos ou atitudes morais resultam em quais destinos. Isto dissocia a moralidade cristã dos fatos, que é a razão pela qual os cristãos podem inventar praticamente qualquer moralidade que desejem, sendo esta, portanto a razão pela qual tem existido tantas divergências no Cristianismo sobre o que é e o que não é moral. Qualquer um pode alegar que a “moralidade x” tornará nossas vidas melhores a longo prazo. Mas essa alegação somente é racionalmente crível se pudermos comprovar sua veracidade com evidências reais.
Somente a ciência possui os métodos e as ferramentas para descobrir qual moralidade tornará todas as nossas vidas melhores a longo prazo, na medida em que é uma questão de fato relevante: quais comportamentos tem quais consequências reais, e para quem e quando. Como numa cirurgia ou numa manutenção automotiva ou na engenharia de pontes, somente a ciência pode responder confiavelmente tais questões de causa e efeito. O Cristianismo não é capaz de faze-lo, porque não possui não possui nenhuma evidência para sustentar suas alegações de quais causas tem quais efeitos, e por si não dispõe nenhuma metodologia confiável para coletar essas evidências. Portanto, o Cristianismo deve ou promover a moralidade errada, uma moralidade que na verdade é prejudicial a todos nós a longo prazo, ou nos impedir de descobrir a verdadeira razão pela qual deveríamos todos ser morais, impedindo-nos, portanto, de descobrir as únicas evidências que podem efetivamente inspirar o progresso moral. Ou ambos.
Como a medicina vudu, prescrever o Cristianismo para curar a imoralidade não passa de outra pseudociência não-verificada. Somente a ciência genuína pode descobrir o que realmente cura a imoralidade, assim como somente a ciência pode descobrir o que realmente constitui uma doença em primeiro lugar (por exemplo, descobrir que possessão demoníaca não existe ou que a homossexualidade não é uma doença mas uma condição humana natural e saudável), bem como somente a ciência pode descobrir o que realmente constitui a imoralidade. Portanto, o Cristianismo deveria ser abandonado como fundamento de qualquer sistema moral, e a ciência deveria ser empregada em seu lugar para averiguar qual sistema moral é verdadeiramente melhor para nós.
Consequentemente, demonstrei que se existem quaisquer fatos morais verdadeiros, então a ciência pode descobri-los descobrindo o que realmente conecta qualquer comportamento particular com qualquer resultado particular, e ao descobrirmos qual resultado todos nós realmente desejamos para nós próprios uma vez que sejamos suficientemente informados e raciocinemos coerentemente. Ambos são fatos empiricamente detectáveis cuja dificuldade de averiguação é exatamente a razão pela qual a ciência é mais bem equipada para descobri-los. E não somente demonstrei que os fatos morais são empiricamente detectáveis, como além disso demonstrei que tais fatos morais devem existir necessariamente.
Como o Cristianismo fracassa em conectar suas alegações morais a quaisquer fatos verificáveis, não produz nenhuma concordância sobre quais afirmações morais são verdadeiras, não exerce nenhum efeito significativo em aprimorar moralmente as pessoas, e inibe o progresso e o desenvolvimento moral ao nos afastar de nos empenharmos em descobrir a verdade – ao passo que a ciência por si pode descobrir qualquer verdade na qual não pode haver nenhuma discordância racional – deveríamos todos estar promovendo não o Cristianismo mas a descoberta científica de fatos morais genuínos. Tão logo qualquer um realmente perceba isto, eles abandonarão o Cristianismo como improbável e irrelevante para construir uma sociedade moral. E não mais tendo desempenhando esta função, o Cristianismo será extinto.
[A versão completa da série em formato pdf, incluindo o apêndice abaixo, pode ser baixada aqui.]
Apêndice:
Apresento a seguir todas as provas dedutivas formais das conclusões defendidas nesta série, de modo que você não pode discordar racionalmente a menos que possa rejeitar racionalmente uma de suas premissas; como em caso contrário minhas conclusões necessariamente resultam das premissas, e é irracional discordar de uma conclusão que segue necessariamente de premissas que você não é capaz de rejeitar racionalmente. Chamo a atenção para isso porque meus argumentos são rejeitados por alguns ateus que conheço, mas por nenhuma razão racional que eu possa determinar. Eles fracassam consistentemente em identificar qualquer premissa que podem rejeitar racionalmente nos argumentos formais a seguir. De modo que sua rejeição das conclusõs é simplesmente irracional.
ARGUMENTO 1: SE EXISTE UM SISTEMA MORAL VERDADEIRO, É AQUELE PARA O QUAL POSSUÍMOS UMA RAZÃO SUFICIENTEMENTE MOTIVADORA PARA OBEDECERMOS ACIMA DE TODOS OS OUTROS
Definições:
m = um sistema moral
s = um sistema de imperativos que suplanta todos os outros imperativos
v = aquilo que devemos obedecer acima de todos os outros sistemas imperativos (sejam eles rotulados de morais ou não)
B = aquele que possuímos uma razão suficientemente motivadora para obedecermos acima de todos os outros sistemas imperativos
T = o sistema moral verdadeiro
M = o sistema moral que efetivamente devemos obedecer
Argumento:
1.1 Se existe m, então m é s.
1.2 Se m é s, então m é v.
1.3 v é B.
1.4 Portanto, se existe m, então m é B.
1.5 m é T se e somente se m é M.
1.6 M é B.
1.7 Portanto, m é B, e m é B se e somente se m é M; e m é M se e somente se m é T. (isto é, se 1.4, 1.5 e 1.6, então 1.7)
1.8 Portanto, T é B. (isto é, se 1.6 e 1.7, então 1.8).
1.9 Portanto, se existe m, então existe T. (isto é, se 1.4 e 1.8, então 1.9)
1.10 Portanto, se existe m, então existe T e B é T.
Conclusão: Se existe qualquer sistema moral, então aquele para o qual temos uma razão suficientemente motivadora para obedecermos sobre todos os outros sistemas imperativos é o verdadeiro sistema moral.
ARGUMENTO 2: QUE NÓS (REALMENTE) OBEDECEREMOS IMPERATIVOS HIPOTÉTICOS VERDADEIROS ACIMA DE TODOS OS OUTROS IMPERATIVOS QUANDO RACIONAIS E SUFICIENTEMENTE INFORMADOS
2.1 Por definição, para qualquer indivíduo, desejar uma coisa mais do que outra é preferir essa coisa em detrimento de outra (não importa por qual razão ou de que modo).
2.2 Portanto, para qualquer indivíduo, desejar uma coisa mais do que qualquer outra coisa (isto é, desejar essa coisa acima de tudo) é preferir essa coisa em detrimento de todas as outras coisas.
2.3 Por definição, todo indivíduo racional e suficientemente informado sempre escolherá o que preferir (quando ele de fato puder escolher).
2.4 Portanto, qualquer indivíduo racional e suficientemente informado que prefere uma coisa à outra sempre escolhe essa coisa e não a outra (se ele realmente puder escolher e não lhe for possível escolher ambas).
2.5 Portanto, qualquer indivíduo racional e suficientemente informado que prefere uma coisa a todas as outras sempre escolherá essa coisa (se ele realmente puder escolher).
2.6 Se quando racional e suficientemente informado você deseja X mais do que ~X, e você acredita que X ocorrerá somente se x é feito, então você desejará fazer x mais do que ~x.
2.7 Portanto, se quando racional e suficientemente informado você deseja fazer x mais do que ~x, então, por definição você prefere fazer x a ~x (por 2.1).
2.8 Portanto, se quando racional e suficientemente informado você prefere fazer x a ~x, por definição você sempre escolhe x (quando realmente pode escolher). [por 2.3 e 2.5]
2.9 Portanto, se quando racional e suficientemente informado você quer x (isto é, as consequências de x) mais do que ~x (isto é, as consequências de ~x), então por definição você sempre escolherá x (quando de fato puder escolher).
2.10 Se é sempre o caso que “se quando racional e suficientemente informado você quer x (isto é, as consequências de x) mais do que ~x (isto é, as consequências de ~x), então por definição você escolherá x“, então é sempre o caso que você obedecerá ao imperativo hipotético “se quando racional e suficientemente informado você quer X (isto é, as consequências de x) mais do que ~x (isto é, as consequências de ~x), então você deve escolher x“.
2.11 Portanto, é sempre o caso que você obedecerá ao imperativo hipotético “se quando racional e suficientemente informado você quer x (isto é, as consequências de x) mais do que ~x (isto é, as consequências de ~x), então você deve escolher x“. [por 2.9 e 2.10]
2.12 Portanto, você sempre obedecerá um imperativo hipotético em detrimento de todos os outros imperativos.
ARGUMENTO 3: QUE EXISTE UM SISTEMA MORAL VERDADEIRO PARA QUALQUER INDIVÍDUO (COMPROMETIDO EM SER RACIONAL)
Definições:
L = um indivíduo determinado
D = a condição em que o que qualquer um quer deve ser racionalmente deduzido do máximo de fatos verdadeiros razoavelmente obtíveis sobre suas preferências e sobre o resultado total de cada possível comportamento sob as mesmas circunstâncias.
W = um comportamento cujo resultado L deseja mais do que qualquer outro resultado.
B = aquilo para o que possuímos uma razão suficientemente motivadora para obedecer em detrimento de todos os outros sistemas imperativos (isto é, aquele comportamento que para o qual temos uma razão suficientemente motivadora para adotar em detrimento de todos os outros comportamentos recomendados).
C = um resultado ou conjunto de resultados alcançável que L deseja mais do que qualquer outro resultado alcançável.
Argumento:
3.1. Para qualquer L, se existe W, então se D é alcançado, então W é B.
3.2. Se D é alcançado, então existe C.
3.3. Se existe C, então existe W.
3.4. Portanto, se D é alcançado, então existe W.
3.5. Portanto, se D é alcançado, então B existe (ou seja, se 3.1 e 3.4, então 3.5)
3.6. Se existe B, então existe T (isto é, se 1.8, então 3.6)
3.7. Portanto, para qualquer L, se D é alcançado, então existe T.
Portanto, para qualquer indivíduo, se o que ele deseja deve ser racionalmente deduzido do máximo de fatos verdadeiros razoavelmente obtíveis sobre todas as suas preferências e sobre o resultado total de cada comportamento que lhe seja possível sob as mesmas circunstâncias, então existe um sistema moral verdadeiro para esse indivíduo.
ARGUMENTO 4: EXISTE UM SISTEMA MORAL VERDADEIRO PARA PRATICAMENTE TODOS OS SERES HUMANOS
Definições:
CH = o resultado ou conjunto de resultados possíveis que praticamente todos os membros da espécie humana desejariam acima de qualquer outro resultado possível (nas mesmas circunstâncias).
TL = o sistema moral implicado pelo resultado ou conjunto de resultados possíveis que
L deseja acima de qualquer outro resultado possível.
TH = o sistema moral implicado pelo resultado ou conjunto de resultados possíveis que praticamente todos os membros da espécie humana desejam acima de que qualquer outro resultado possível.
U = um sistema moral aproximadamente universal.
BD = a biologia fundamental de L difere da do resto da espécie humana no que diz respeito à determinação do que é maximamente desejável quando racional e suficientemente informado.
~BD = somente alguma outra das circunstâncias de L que não a biologia fundamental difere da do resto da espécie humana no que diz respeito à determinação do que é maximamente desejável quando racional e suficientemente informado, ou então nenhuma diferença.
EXC = L é incrivelmente excepcional entre os humanos por possuir uma biologia que determina diferentemente o que é maximamente desejável quando racional e suficientemente informado.
VNB = praticamente todos os membros da espécie humana não tem uma biologia que determina diferentemente o que é maximamente desejável quando racional e suficientemente informado.
VNA = o resultado ou conjunto de resultados possível que praticamente qualquer membro da espécie humana deseja acima de que qualquer outro resultado possível.
MVNA = resultados que praticamente qualquer membro da espécie humana deseja acima de qualquer outro resultado possível.
MH = o sistema moral implicado pelo resultado ou conjunto de resultados que praticamente todos os membros da espécie humana desejam acima de qualquer outro resultado possível.
Argumento:
4.1 Se D vigora, então C é ou CH ou ~CH. (e a partir de 3.2, se existe D, então existe C)
4.2 Se C é CH, então TL é TH. (e a partir de 3.7, se L e D, então TL)
4.3 Se TL é TH, então existe U.
4.4 Portanto, se C é CH, então U existe.
4.5 Se C é ~CH, então ou BD ou ~BD.
4.6 Se ~BD, então se D vigora, então C é CH.
4.7 Portanto, se ~BD, então se D vigora, então U existe. (isto é, se 4.4 e 4.6, então 4.7)
4.8 Se BD, então EXC.
4.9 Se EXC, então VNB.
4.10 Se VNB, então se D vigora, então VNA é CH.
4.11 Se VNA é CH, então MVNA é MH.
4.12 Se MVNA é MH, então U existe.
4.13 Portanto, se D vigora, então se BD, então existe U. (isto é, se BD, então EXC; e se EXC, então VNB; e se VNB, então se D vigora, VNA é CH; e se VNA é CH, então MVNA é MH e se MVNA é MH, então existe U; portanto, se BD e D vigoram, então existe U)
4.14 Portanto, ou C é CH ou C é ~CH; se C é CH, então existe U, e se C é ~CH, então ou BD ou ~BD; e se ~BD e D vigoram, então U existe; e se BD e D vigoram, então U existe; portanto, se ~CH e D vigoram, então U existe; portanto, se D e C vigoram, então U existe.
4.15 Portanto, se D vigora, então U existe. (isto é, se 3.2 e 4.14, então 4.15)
Portanto, quando o que qualquer um deseja é racionalmente deduzido do máximo possível de fatos verdadeiros razoavelmente alcançáveis concernentes a todas as suas preferências e do resultado total de cada comportamento que lhe seja possível nas mesmas circunstâncias, existe um sistema moral aproximadamente universal.
ARGUMENTO 5: QUE A CIÊNCIA PODE DESCOBRIR EMPIRICAMENTE O VERDADEIRO SISTEMA MORAL
5.1 Existe T se existe B e D e W (isto é, se 1.8, 3.2, 3.3 e 3.7, então 5.1)
5.2 Portanto, T é plenamente implicado para qualquer L pelos “fatos verdadeiros” acerca de “todas as suas preferências” e do “resultado total” de “cada comportamento que lhe seja possível nas mesmas circunstâncias” e de qual “comportamento cujo resultado ele deseja acima de qualquer outro” até onde “ele possa razoavelmente” conhecer nestas circunstâncias.
5.3 Os “fatos verdadeiros” para qualquer L acerca de “todas as suas preferências” e o “resultado total” de “cada possível comportamento que lhe seja possível nas mesmas circunstâncias” e qual “comportamento cujo resultado ele deseja acima de qualquer outro resultado” (tanto quanto “ele possa razoavelmente” conhecer nestas circunstâncias) são todos fatos empíricos.
5.4 A ciência pode descobrir quaisquer fatos empíricos para os quais ela desenvolva métodos capazes de investiga-los.
5.5 Portanto, se a ciência pode desenvolver os métodos requeridos, então a ciência pode descobrir os “fatos verdadeiros” para qualquer L no que concerne a “todas as suas preferências” e ao “resultado total” de “cada comportamento que lhe seja possível nas mesmas circunstâncias” e qual o “Comportamento cujo resultado ele deseja mais do que qualquer outro resultado” tanto quanto “ele possa razoavelmente” saber nestas circunstâncias.
5.6 A ciência pode desenvolver os métodos requeridos (ao menos até certo ponto).
5.7 Portanto, a ciência pode descobrir T (o sistema moral verdadeiro) pelo menos até certo ponto.