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Posts Tagged ‘Big Bang’

por Quentin Smith

Pode ser objetado que uma premissa crucial do argumento ateológico, a premissa (1), que afirma que ‘a singularidade do Big Bang é o estado mais antigo do universo’, é falsa, pois incorre numa reificação da singularidade. A singularidade não é um estado físico real mas uma ficção matemática. O estado físico mais antigo universo é a explosão do Big Bang, que é governado por leis físicas. Esta explosão leva, através de uma evolução natural e regida por leis, a um estado do universo que contém criaturas vivas. Consequentemente, somos capazes de concluir que Deus criou como o estado mais antigo algum estado que por sua própria natureza nômica evoluiu até alcançar o estado de um universo animado.

Minha resposta a esta objeção é que ela é baseada num interpretação errônea da cosmologia do Big Bang, pois esta cosmologia representa a singularidade como uma entidade física real. Por exemplo, Penrose escreve que ‘concebemos a singularidade inicial como um único ponto que dá origem a uma infinidade de regiões causalmente desconexas no instante seguinte’,[18] o que implica que o ponto é mais antigo que a explosão e portanto real.

Mas esta resposta pode passar ao largo do questionamento mais importante da objeção, que não é que os cosmólogos do Big Bang representam a singularidade como irreal, mas que a singularidade é irreal, considerando-se os princípios razoáveis para a interpretação de teorias científicas. Esta é a posição de William Lane Craig e Richard Swinburne. Craig observa que a singularidade do Big Bang é representada como possuindo volume zero e duração zero e que isto é razão suficiente para considera-la irreal. Ele assevera que ‘um estado físico em que todas as dimensões espaciais e temporais são zero é uma idealização matemática cuja contraparte ontológica é nada.’[19] Mas Craig não oferece nenhuma justificação para esta alegação. Os cosmólogos não encontram nenhuma dificuldade no conceito de um espaço que possui zero dimensões (um ponto espacial) e que existe por um instante e uma mera alegação de que um espaço 0D não pode existir instantaneamente parece ser uma expressão de um ceticismo injustificado.

Richard Swinburne também acredita que o ponto singular é uma idealização matemática. Ele fornece um argumento para isto, qual seja, o de que é logicamente necessário que o espaço seja 3D. Swinburne apresenta um argumento contra a possibilidade lógica de objetos 2D e sugere que argumentos análogos podem ser construídos contra objetos 1D e 0D. Ele solicita que consideremos uma superfície bidimensional que contém objetos bidimensionais:

…claramente, é logicamente possível que ‘objetos materiais’ bidimensionais sejam elevados acima da superfície ou afundados abaixo dela… a possibilidade lógica existe mesmo se a possibilidade física não existe. Como é logicamente possível que os ‘objetos materiais’ sejam movidos para fora da superfície, devem haver locais, e portanto pontos, fora da superfície, já que uma localização está seja lá onde for que seja logicamente possível que um objeto material possa estar.[20]

Por conseguinte, Swinburne conclui, se existem objetos ou superfícies bidimensionais também deve existir uma terceira dimensão espacial. O argumento de Swinburne instancia a seguinte forma argumentativa inválida:

(1) Fx é logicamente possível (isto é, é logicamente possível que x possua a propriedade F).

(2) C é uma condição necessária de Fx.

(3) x existe.

(4) Portanto, C existe.

O fato de que o argumento de Swinburne possui esta forma torna-se patente se o enunciamos da seguinte maneira:

(1A) É logicamente possível que qualquer objeto numa superfície bidimensional possua a propriedade de mover-se acima ou abaixo da superfície.

(2A) Uma terceira dimensão espacial é uma condição necessária do movimento de qualquer objeto numa superfície bidimensional acima ou abaixo desta superfície.

(3A) Existe um objeto numa superfície bidimensional.

(4A) Portanto, existe uma terceira dimensão espacial.

Se (1A)-(4A) prova que objetos em superfícies bidimensionais exigem uma terceira dimensão espacial, então o argumento a seguir prova que existe um paraíso celestial:

(1B) É logicamente possível que qualquer corpo humano seja ressuscitado após a morte e ocupe um espaço celestial.

(2B) Um paraíso celestial é uma condição necessária para a ressurreição de qualquer corpo.

(3B) Corpos humanos existem.

(4B) Portanto, existe um paraíso celestial.

A falácia, caso o leitor ainda não a tenha percebido, é a pressuposição de que uma condição necessária para que um objeto possua uma certa propriedade deve ser real se o objeto é real. Obviamente isto não é o caso; a condição necessária precisa ser real somente se a posse da propriedade pelo objeto for real. Concluo que Swinburne não nos deu nenhuma razão para acreditarmos que é impossível que exista uma singularidade do Big Bang que ocupe menos de três dimensões espaciais. Dado que o argumento de Swinburne fracassa, e que nenhum outro argumento contra a coerência da singularidade do Big Bang tenha sido apresentado (pelo menos até onde sei), as considerações acima garantem a conclusão de que não há nenhuma razão para negar a realidade da singularidade do Big Bang. Portanto, o problema da imprevisibilidade permanece.

Notas.

18. R. Penrose, ‘Singularities in Cosmology,’ in Confrontation of Cosmological Theories with Observational Data, ed. M. S. Longair (IAU, 1974), p. 264.

19. W. L. Craig, ‘The Caused Beginning of the Universe: A Response to Quentin Smith,’ op. cit., p. 8.

20. R. Swinburne, Space and Time, op. cit., p. 125.

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Autor: Quentin Smith

Fonte: http://www.infidels.org/library/modern/quentin_smith/bigbang.html [Publicado originalmente em FAITH AND PHILOSOPHY em abril de 1992 (Volume 9, No. 2, págs. 217-237)]

Tradução: Gilmar Pereira dos Santos

Resumo: A teoria cosmológica do Big Bang é relevante para o teísmo cristão e para outras perspectivas teístas já que representa o universo começando a existir ex nihilo cerca de 15 bilhões de anos atrás. Esta série trata da questão da racionalidade de se acreditar que Deus criou o Big Bang. Alguns teístas respondem afirmativamente, mas este artigo argumenta que esta crença não é racional. Ao longo da série discute-se a necessidade metafísica das leis naturais, se a lei da causalidade é verdadeira a priori, além de outras questões pertinentes.

  1. Introdução
  2. A Teoria Cosmológica Do Big Bang
  3. Exposição Formal do Argumento
  4. A Questão Da Intervenção Divina
  5. A Questão da Realidade Da Singularidade
  6. A Questão da Simplicidade Relativa das Hipóteses Teísta e Ateísta
  7. A Questão Da Necessidade Metafísica De Um Universo A Partir do Big Bang
  8. A Questão Do Princípio Causal

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Introdução:

O advento da cosmologia do Big Bang no século XX foi um divisor de águas para os teístas. Desde os tempos de Copérnico e Darwin, vários teístas consideraram a ciência hostil à sua visão de mundo, exigindo defesa e retração contínuas da parte do teísmo. Mas a cosmologia do Big Bang reverteu efetivamente esta situação. A ideia central desta cosmologia, que o universo explodiu na existência num ‘big bang’ há aproximadamente  15 bilhões de anos atrás, pareceu feita sob encomenda para uma perspectiva teísta. A cosmologia do Big Bang aparentou oferecer evidências empíricas para a doutrina religiosa da criação ex nihilo. As implicações teístas pareceram tão óbvias e excitantes que até mesmo o Papa Pio XII foi levado a comentar que ‘A verdadeira ciência num grau cada vez maior descobre Deus como se Deus estivesse à espera atrás de cada porta aberta pela ciência.[1] Mas a interpretação teísta do Big Bang recebeu não somente sanção oficial e ampla divulgação na cultura popular como também uma sofisticada articulação filosófica. Richard Swinburne, John Leslie e sobretudo William Lane Craig [2] formularam poderosos argumentos para o teísmo baseados num conhecimento bem embasado dos dados e das ideias cosmológicas.

A reação de ateus e agnósticos a esta formulação foi comparativamente fraca, com efeito, quase imperceptível. Um desconfortável silêncio parece ser a regra quando a questão é levantada entre descrentes ou então o assunto é rapida e epigramaticamente descartado com um comentário no sentido de que ‘a ciência é irrelevante para a religião’. ´Não é difícil descobrir a razão do aparente constragimento dos não-teístas. Anthony Kenny sugere nesta declaração sumária:

Segundo a Teoria do Big Bang, toda a matéria do universo começou a existir num instante particular no passado remoto. Um proponente de uma teoria assim, pelo menos se ele for um teísta, deve acreditar que a matéria do universo veio do nada e por nada. [3]

Esta ideia perturba a muitos pela mesma razão que perturba C. D. Broad:

Devo confessar que tenho uma dificuldade muito grande em imaginar que houve uma primeira fase na história do mundo, isto é, a fase imediatamente anterior na qual não existiu nem matéria, nem mentes, nem qualquer outra coisa… Eu suspeito que minha dificuldade em relação ao primeiro evento ou fase na história do mundo decorre do fato de que, não importa o que eu possa dizer quando tento dificultar as coisas para Hume, não sou capaz de realmente acreditar em qualquer coisa começando a existir sem ser causada (no sentido obsoleto de produzido ou gerado) por alguma outra coisa que existia antes e no momento em que a entidade em questão começou a existir… Eu… acho impossível abrir mão deste princípio; e, com esta confissão de impotência intelectual decorrente de uma idade avançada, abandono este tópico.[4]

Motivados por preocupações como as de Broad, alguns dos poucos não-teístas que se pronunciaram sobre esse tema chegaram ao ponto de negar, sem uma justificação apropriada, pilares centrais da cosmologia do Big Bang. Entre os físicos, o exemplo mais célebre é Fred Hoyle, que rejeitou veementemente a sugestão de um Big Bang que aparentasse implicar um criador e tentou sem sucesso interpretar as evidências para um Big Bang como evidências para uma ‘bolha’ em expansão dentro de um universo imutável e infinitamente velho (refiro-me a sua teoria pós-estado-de-equilíbrio da década de 1970)[5]. Um exemplo deste tratamento em sentido contrário entre filósofos é patenteada por W. H. Newton-Smith. Newton-Smith sentiu-se compelido a sustentar, em franca contradição com os teoremas da singularidade da cosmologia do Big Bang (que implicam que não pode existir nenhum estado mais antigo do universo do que a singularidade do Big Bang) que as evidências de que eventos macroscópicos tem origens causais nos dão ‘motivos para pensar que algum estado anterior do universo levou à produção desta singularidade específica‘.[6]

Parece-me, contudo, que a cosmologia do Big Bang não coloca os não-teístas em tal beco sem saída. As alternativas dos não-teístas não se limitam ao silêncio constrangedor, à confissões de impotência, recusas epigramáticas ou a ‘negação’ pura e simples quando confrontados com as implicações aparentemente radicais da cosmologia do Big Bang. É meu objetivo nesta série mostrar isto estabelecendo uma interpretação ateísta coerente e plausível do Big Bang, uma interpretação que não somente é capaz de equiparar-se à interpretação teísta mas que na verdade é melhor justificada do que a interpretação teísta. Mas meu argumento pretende estabelecer ainda mais do que isso. Em outra ocasião elaborei o caso de que a cosmologia do Big Bang não fornece quaisquer subsídios ao teísmo, mas aqui eu desejo construir o caso mais robusto de que a cosmologia do Big Bang é efetivamente inconsistente com o teísmo. Defenderei que se a cosmologia do Big Bang é verdadeira, então Deus não existe.

A teoria cosmológica que discutirei neste artigo é a assim chamada ‘teoria padrão do Big Bang quente’, baseada nas soluções de Friedmann para as equações da Teoria da Relatividade Geral de Einstein e nos teoremas da singularidade de Hawking-Penrose. Explicarei estas ideias de uma maneira introdutória e não-técnica no próximo capítulo, de modo que os filósofos que não tenham familiaridade com esta teoria possam acompanhar meu argumento. Um ponto que desejo enfatizar logo de início refere-se ao estatuto provisório da teoria do Big Bang. Os cosmólogos acreditam que esta teoria um dia será substituída por uma cosmologia baseada numa teoria quântica da gravidade e, consequentemente, às conclusões teístas ou ateístas derivadas da ‘teoria padrão do Big Bang quente’ deve ser atribuído um estatuto igualmente provisório.

Após minha explicação introdutória da cosmologia do Big Bang no capítulo a seguir, delinearei meu ‘argumento cosmológico a partir do Big Bang para a inexistência de Deus’ no capítulo subsequente. A maior parte da série, compreendendo os 5 capítulos finais, é reservada para responder às objeções contra o argumento delineado no segundo capítulo.

Notas.

1. Veja o Bulletin of the Atomic Scientists 8 (1952), 143-146.

2. Veja Richard Swinburne, The Existence of God (Oxford: Clarendon Press, 1979) e Space and Time, 2nd. ed. (New York: St. Martin’s Press, 1982). Swinburne duvida que a previsão de um primeiro evento pela cosmologia do Big Bang seja provavelmente verdadeira, mas não obstante mostra como esta previsão pode ser teologicamente interpretada.

Veja também John Leslie, ‘Anthropic Principle, World Ensemble, Design’, American Philosophical Quarterly 19 (1982), 141-151, ‘Modern Cosmology and the Creation of Life,’ em E. McMullin (ed.), Evolution and Creation (South Bend: University of Notre Dame Press, 1985), e vários outros artigos. Leslie, é claro, trabalha com uma concepção neoplatônica de Deus, mas seus argumentos são obviamente relevantes para o teísmo clássico.

A mais bem elaborada interpretação teísta da cosmologia do Big Bang é a de William Lane Craig. Veja seu The Kalam Cosmological Argument (New York: Harper and Row, 1979), ‘God, Creation and Mr. Davies,’ British Journal for the Philosophy of Science 37 (1986), 163-175, ‘Barrow and Tipler on the Anthropic Principle vs. Divine Design,’ British Journal for the Philosophy of Science 39 (1988): 389-95; ‘What Place, Then, for a Creator?,’ British Journal for the Philosophy of Science, 41 (1990): 473-91; “The Caused Beginning of the Universe: A Response to Quentin Smith,” (1989).

3. Anthony Kenny, The Five Ways (New York: Schocken Books, 1969), p. 66.

4. C. D. Broad, ‘Kant’s Mathematical Antinomies,’ Proceedings of the Aristotelian Society 40 (1955), 1-22. Esta passagem e a passagem de Kenny foram extraídas das páginas 142 e 141-142, respectivamente, de The Kalam Cosmological Argument, de Craig.

5. Veja Fred Hoyle, Astrophysical Journal 196 (1975), 661.

6. W. H. Newton-Smith, The Structure of Time (London: Routledge and Kegan Paul, 1980), p. 111.

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7. É NECESSÁRIO QUE A CAUSA PRIMEIRA SEJA UMA PESSOA?

por Wes Morriston

Nosso último tópico é o argumento em que Craig afirma que a Causa Primeira do universo deve ser uma pessoa. É um argumento difícil, e Craig o expõe de maneira bem resumida. Em linhas gerais, ele se desenvolve aproximadamente assim:

Nós sabemos que a causa do início do universo (ou seja lá o que o primeiro evento tenha sido) deve ser eterna. Do contrário, seria uma das coisas que começaram a existir, e necessitaria tanto de uma causa como o próprio universo.

Agora, as causas naturais – causas “mecânicas”, como Craig às vezes as denomina[22] – são suficientes para seus efeitos. Elas produzem seus efeitos tão logo certas condições relevantes sejam atendidas. Por isso, se esse tipo de causa não tivesse um começo, seu efeito também não teria um começo. Por exemplo, se a temperatura estiver fria o suficiente e pelo tempo suficiente, qualquer porção de água em volta irá necessariamente congelar. Portanto, se sempre houve água a uma temperatura menor do que 0°, ela sempre teria estado congelada.

A questão é que se uma causa for suficiente para seu efeito, e a causa for eterna, o efeito precisa ser eterno também. E se tivermos esse tipo de causa para o universo, ele também  precisaria ser eterno.

Craig pensa que mostrou que o universo não é eterno. Como então, ele pergunta, o universo poderia ter uma causa eterna? Acabamos de ver que ele não poderia ter uma causa eterna “mecânica”. Mas que outro tipo de causa eterna poderia ser?

Craig pensa que existe um outro tipo familiar de causa que oferece uma resposta para essa questão. Além das causas mecânicas que automaticamente produzem seus efeitos, eles diz que existem as causas pessoais. Os indivíduos  são agentes livres que têm o poder de causar toda sorte de coisas. Mas eles não precisam causa-las necessariamente, sendo plenamente capazes de existir sem produzir os vários efeitos que são capazes de causar.

Suponha, por exemplo, um homem que está sentado. Ele pode, a qualquer momento, decidir levantar-se, mas também pode escolher permanecer sentado. Ele tem o poder para decidir a maneira de agir – cabendo inteiramente a ele determinar quando ou mesmo se vai ou não levantar-se. Se ele decide levantar-se, então ele, sozinho, é a causa de sua decisão. Diferente de uma causa meramente mecânica, este homem pode existir plenamente sem exercer seu poder de produzir os vários efeitos dos quais ele é a causa.

Essa é uma afirmação completamente controversa. Muitos filósofos acreditam que a verdadeira causa da decisão de uma pessoa não é simplesmente a própria pessoa, mas vários outros fatores psicológicos operando dentro da pessoa – como crenças, valores e preferências, sendo estes por sua vez produtos de outras causas. Ao contrário destes filósofos, Craig afirma que uma pessoa – e não alguma outra coisa ocorrendo dentro dela – é a única e exclusiva causa de suas próprias decisões. Numa situação exatamente equivalente, com exatamente os mesmos desejos e crenças presentes, nosso homem sentado poderia decidir tanto manter-se sentado como levantar-se.

Vamos supor, apenas a título de argumentação, que Craig esteja certo sobre isso. Isso implica que existem pelo menos dois tipos radicalmente diferentes de causação no mundo. Por um lado, há as causas mecânicas que não podem deixar de acarretar seus efeitos; por outro lado, temos as causas pessoais que têm o poder de produzir seus efeitos, sendo livres para determinar como, quando ou mesmo se irão exercer esse poder.

Diante deste embasamento teórico, podemos ver por que Craig pensa que a Causa Primeira precisa ser uma pessoa. Como, ele pergunta, a causa do universo pode ser eterna, embora o próprio universo não o seja? Já vimos que uma causa eterna mecânica poderia ter apenas um efeito eterno. Mas o que dizer sobre uma causa eterna pessoal? Craig pensa que uma pessoa eterna pode causar um efeito temporal. Aqui está sua explicação.

… um homem sentado desde sempre pode desejar levantar-se; portanto, um efeito temporal poderia surgir de um agente que sempre existiu. De fato, um agente pode desejar desde sempre criar um efeito temporal, de forma que nenhuma mudança no agente precise ser concebida.[23]

Suponha, então, que a causa do universo seja uma pessoa eterna. Isso não implica que o universo é eterno – já que a causa pessoal do universo pode ter “desejado desde sempre” produzir um universo com um começo no tempo. Craig pensa que essa é a única maneira de explicar por que o universo não é eterno:

A única maneira de termos uma causa eterna e um efeito temporal parece ser com uma causa que é um agente pessoal que livremente escolhe criar um efeito no tempo.[24]

Existem várias questões difíceis aqui. A causação pessoal opera da forma que Craig pensa? Ou ela é sempre analizável em termos de outras coisas ocorrendo dentro da pessoa? A causação pessoal é a única alternativa para a causação mecânica? Ou poderia haver algum outro tipo de “causa eterna” que não necessariamente produziria um efeito eterno? Não aprofundar-me-ei nessas questões aqui, mas existe outra objeção ao argumento de Craig que eu gostaria de desenvolver. E para ver como esta linha de argumentação funciona, precisamos voltar um pouco e olhar mais de perto a maneira pela qual as pessoas estão relacionadas com as ações que elas causam.

Quando uma pessoa se levanta, ela faz seu corpo se mover. Mas ela faz isso produzindo uma outra mudança em si mesma – uma mudança mental. Ela decide que agora é hora de levantar-se – criando a intenção de levantar-se imediatamente – e esta mudança mental causa a mudança na posição do corpo. Embora uma pessoa possa ficar sentada em um banco por um bom tempo sem decidir levantar-se, tão logo é tomada sua decisão de “levantar-se agora”, tal decisão produz seu efeito imediatamente – mais rápido até do que o congelamento da água por uma temperatura abaixo de zero.

Então, como ficaria essa questão envolvendo Deus e a Criação? Aparentemente, Deus deve escolher criar, ou nada irá ocorrer. Essa escolha de Deus é a causa imediata do início do universo. Deus escolhe criar o universo, e o universo passa a existir. Você poderia pensar que a escolha de Deus seja uma mudança mental em Deus. Deus pensa sobre isso, e então decide criar. Mas Craig nega que seja dessa forma.

Com “escolha” não quero dizer que Deus modifique Sua mente. Eu quero dizer que Deus tencionou eternamente criar um mundo no tempo.[25]

Não é difícil de ver por que Craig não quer dizer que “escolher criar” é uma mudança em Deus. O Deus proposto por Craig é onisciente. Ele não pode tomar decisões da forma que você e eu tomamos, porque ele sempre sabe de antemão o que ainda vai fazer. (Você não chega a uma decisão a respeito do que fazer se você já souber o que irá fazer.) Então, naturalmente, Craig conclui que a decisão de Deus é eterna – e que Ele “tencionou desde a eternidade criar um mundo.”

Mas isso cria um problema diferente para a explicação de Craig sobre a criação. Vimos que a decisão de Deus de criar é a causa imediata do universo. Mas agora aprendemos que a decisão de Deus de criar é eterna. Então como, pelos princípios de Craig, poderemos evitar a conclusão de que o universo é tão eterno quanto a decisão de Deus de criá-lo?

Na verdade, Craig também diz, “Deus escolhe eternamente criar um mundo com um início.”[26] Mas é difícil ver como isso é possível. Você irá recordar que o argumento de Craig para mostrar que a Causa Primeira deve ser uma pessoa assume que:

a. Uma causa eterna suficiente precisa ter um efeito eterno.

Mas, presumivelmente, Craig não pensa que Deus precise de qualquer ajuda para iniciar a criação. Então, é natural supor que :

b. A escolha de Deus de criar “um mundo com um início” é suficiente para produzi-lo.

Mas já aprendemos que :

c. A escolha de Deus de criar “um mundo com um início” é eterna.

Dessas três premissas temos que:

d. “Um mundo com um início” é eterno.

Essa conclusão é obviamente absurda. Um “mundo com um início” não pode ser eterno. Então, uma vez que d resulta das premissas a, b e c, uma delas deve ser falsa. Mas qual? A resposta de Craig dá a impressão de que b é falsa.

Estou inclinado a simplesmente negar que a eterna vontade de Deus de criar o universo, adequadamente compreendida, seja suficiente para a existência do universo…[27]

Como isso é possível? Certamente, Craig não acha que Deus falha em realizar o que ele “eternamente escolhe.” Aqui vai sua explicação:

… [N]ão é suficiente explicar a origem do universo citando apenas Deus, sua intenção atemporal de criar o mundo com um início, e seu poder de produzir tal resultado. Deve haver um exercício de Seu poder causal a fim de que o universo seja criado. … [Devemos] diferenciar entre a intenção atemporal de Deus de criar um mundo temporal e o ato divino de criar um mundo temporal.[28]

Craig agora distingue a eterna vontade de Deus de criar um mundo de seu exercício real do poder de fazer o que almeja – Sua eterna intenção de criar de Seu “ato” de cumprir sua intenção. O “ato” de criar o universo é presumivelmente suficiente para a existência do universo, e o universo passa a existir “tão logo” Deus o “empreende”. Mas isso não torna o universo eterno porque o “ato” (ao contrário da intenção original) não é eterno. Já que Deus Se coloca no tempo ao “empreender” a criação do universo, Seu “empreendimento” criativo ocorre no primeiro momento do tempo. Este é, por assim dizer, o primeiro dos eventos que Deus causa.

Mas isto não faz nada além de empurrar o problema para a relação entre a eterna vontade de Deus e o “ato” de executar Sua intenção anterior. Se a vontade de Deus de criar é suficiente para Sua empresa criativa, então, pelos princípios do próprio Craig, o ato deve ser eterno, caso em que, mais uma vez, o universo deve ser eterno. Portanto, Craig tem que negar, não apenas que a eterna vontade de Deus seja suficiente para a existência do universo, como também que ela seja suficiente para Seu empreendimento de criar o universo. Mas isso possui qualquer plausibilidade?

Penso que não. É bastante fácil ver que a vontade de uma pessoa meramente humana é com frequência insuficiente para levá-lo a fazer o que almeja. Existem pelo menos duas razões para isso. Você e eu podemos tencionar fazer alguma coisa mais tarde, mas até a hora escolhida chegar, não faremos qualquer coisa acerca de nossa intenção inicial. Esta tarde, por exemplo, pretendo ir até uma certa loja comprar vitaminas. Eu ainda não fui, pois o momento que escolhi para esta atividade ainda não chegou. Mas até que o momento apropriado chegue, poderei mudar de ideia e não ir. Essa é a segunda razão para afirmar que a vontade de uma pessoa humana é insuficiente para a efetiva realização do que foi tencionado. Seres humanos possuem desejos que são mutáveis e inconstantes. As vezes eles até mesmo padecem de fraqueza da vontade, e fracassam em fazer o que eles ( sinceramente, talvez) almejavam fazer, mesmo nos casos em que o tempo de agir já passou.

É óbvio que nenhuma dessas explicações sobre as lacunas entre a volição e a execução do que foi tencionado aplicam-se ao tipo de Deus em que Craig acredita – um Deus que é onipotente, onisciente e atemporal. Um Ser onipotente não pode padecer de fraqueza da vontade. Um Ser onisciente não pode mudar de idéia. E de um Ser atemporal não faz sentido dizer que ele “procrastine” a efetiva execução de suas intenções. De forma que é difícílimo entender realmente como a eterna vontade de Deus pode não ser suficiente para causar o ato desejado, caso em que também seria suficiente para o início do universo. Dos princípios do próprio Craig, portanto, resulta que o universo é eterno.

8. CONCLUSÃO

Eu tentei mostrar que o argumento kalam não é bem sucedido na tentativa provar a existência de Deus ou a criação ex nihilo. Isso não significa, é claro, que tenho uma teoria melhor sobre a origem do universo a oferecer. A meu ver, simplesmente não sabemos o suficiente para tirar conclusões firmes sobre tais questões. É divertido especular, mas não podemos esperar que qualquer pessoa honesta, racional e bem informada seja obrigada a aceitar nossas respostas. A maioria de nós possui intuições diferentes, ou mesmo conflitantes, a respeito do tempo e da eternidade, causação e agência, sobre a natureza da pessoalidade, e sobre muitas outras questões. É uma ilusão supor que existe uma única e óbvia maneira correta de pensar coerentemente sobre todas essas coisas. E é por isso que a história da filosofia é, e continuará sendo, uma história de disputas, controvérsias…e diversão.[29]

Questões sobre o artigo

1. Craig afirma que Deus “tenciona desde a eternidade” criar o universo no tempo. Ele também alega que uma causa eterna que é suficiente para seu efeito deve produzir um efeito eterno. Por que Morriston acha esta combinação de alegações problemática?

2. A distinção de Craig entre causação “mecânica” e “pessoal” se sustenta? Ou seria a causação pessoal no fundo apenas outro tipo de causação mecânica?

3. Diversos físicos acreditam que existe aleatoriedade genuína no nível das partículas subatômicas. Por exemplo, se você perguntar por que um átomo de urânio desintegrou-se num determinado momento, a resposta é que em qualquer momento específico a probabilidade é de uma em 10^32 de que uma “partícula alfa” irá “escapar” do núcleo desse átomo. E que isso é tudoo que há para dizer. Pode isto oferecer um modelo para a origem do universo diferente do que Craig considera em sua leitura?

Notas.

[22] “The Existence of God and the Beginning of the Universe.”

[23] “The Existence of God and the Beginning of the Universe.”

[24] Ibid.

[25] “Philosophical and Scientific Pointers to Creation ex Nihilo”, 197.

[26] Ibid., 197.

[27] “Must the Beginning of the Universe Have a Personal Cause?: A Rejoinder.

[28] Ibid.

[29] Gostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer a Barbara Morriston, que leu uma versão preliminar deste artigo e contribuiu com sugestões bastante úteis.

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4. CONFIRMAÇÃO CIENTÍFICA.

Nas seções 1 e 2 tentei mostrar que os dois argumentos filosóficos de Craig contra a possibilidade do passado infinito fracassam. Mas você poderia pensar que isso não importa muito, já que os cientistas mostraram que o universo, muito provavelmente, teve um início – e que quase certamente começou com um grande “Bang” por volta de 15 bilhões de anos atrás. Sendo assim, o argumento de Craig não estaria adequadamente respaldado, mesmo se os argumentos filosóficos falharem?

Infelizmente (para os teístas), as coisas não são tão simples. As considerações científicas mostram apenas que nosso universo físico muito provavelmente teve um início. O que aconteceu (ou se nada aconteceu) antes do começo do nosso universo – e mesmo se houve ou não algum “antes” – não está estabelecido pelas evidências científicas. As descobertas nas ciências empíricas não eliminaram a possibilidade de nosso universo ser o resultado de eventos ocorridos num tempo anterior ao início de nosso espaço-tempo.

Pode parecer para você sem sentido falar em um tempo anterior ao início do espaço-tempo, já que este foi criado  junto com nosso universo. Mas isso de nada servirá para Craig, já que, como vimos no final da seção anterior, ele pensa que pode haver um outro tipo mais fundamental de tempo – o tempo metafísico – que não depende da existência de nosso universo. Então, na própria visão de Craig, no mínimo poderia existir uma série de eventos ocorrendo em um tempo metafísico anterior ao início do nosso universo.

Isso é importante, porque significa que podemos contar com a possibilidade de uma série temporal de causas e efeitos anterior ao início do nosso universo. Talvez o universo tenha sido produzido por alguma coisa, que por sua vez foi produzida por uma outra coisa, e assim por diante ad infinitum. As considerações científicas não descartam esta hipótese. Para evitar a possibilidade de tal regresso, Craig precisa confiar em seus argumentos filosóficos contra o passado infinito. E se esses argumentos falham, o início de nosso universo poderia (depois de tudo que Craig mostrou) ser meramente o mais recente de uma série sem começo de causas e efeitos.

A versão  mais discutida dessa possibilidade é a chamada hipótese do “Universo Oscilante”. Nela, o universo se expande e se contrai. Cada cíclo começa com um “Big Bang” e termina com um “Big Crunch”. E dessa forma temos um passado infinito perfeitamente possível.

Craig pensa que existem evidências científicas de sobra para refutar a hipótese do universo oscilante. Por exemplo, ele ressalta que não existe matéria negra suficiente para reverter a expansão do universo e causar um “Big Crunch.”[13] Mas mesmo se isso estiver correto, saberemos apenas que o padrão da oscilação não continuará. E não saberemos nada sobre o que precedeu (ou se nada precedeu) o Big Bang. Por que pensar que no ciclo anterior – se é que houve um – não havia mais matéria negra do que no ciclo atual? Ou mesmo, que razões há para pensar que no ciclo anterior teriamos as mesmas leis físicas que governam o ciclo atual?

Nesse ponto, sem dúvidas, Craig diria que não existe respaldo empírico para dizer que os ciclos anteriores continham mais matéria negra do que o atual. E ele também poderia assinalar que não existe respaldo empírico para qualquer tipo de série infinita de causas e efeitos. Isso é verdade, sem dúvidas. Por outro lado, ao menos que os argumentos dele contra o passado infinito sejam bem melhores do que penso que são, uma série infinita de causas e efeitos no tempo metafísico mantém-se uma possibilidade lógica. E mesmo na ausência de respaldo empírico, não fica óbvio que a hipótese da série infinita de causas e efeitos é inferior à hipótese de Craig –  em que uma pessoa atemporal administra a criação do tempo e coloca-se dentro dele. Não devemos descartar a possibilidade de nenhuma de nossas hipóteses sobre a origem do universo ser verdadeira. Talvez, apenas não disponhamos de dados suficientes para escolhermos entre as possibilidades lógicas, e o mais correto a ser dito é que simplesmente não sabemos como ou por que o universo veio a existir.

Notas.

[13] De fato, as especulações mais recentes sugerem que existe “matéria escura” suficiente, mas que é compensada pela presença do que chamam de “energia escura.” Existe, então, “energia escura” suficiente para refrear a atração gravitacional e manter o universo se expandindo indefinidamente. Se isso for verdade, nosso universo não irá colapsar num “Big Crunch.”

Questões sobre o artigo

3. Como Craig distingue entre o tempo físico e o tempo metafísico? Como Morriston utiliza esta distinção para mostrar que os dois argumentos filosóficos contra o passado infinito são indispensáveis para o argumento kalam?

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Autor: Quentin Smith

Western Michigan University

Tradução: Gilmar Pereira dos Santos

1. Introdução

2. Definições Causais e a Noção de uma Causa Originária Divina

    A definição de Hume de causa

       (a) Prioridade temporal

       (b) Contiguidade espaço-temporal

       (c) Vínculo nomológico

   A definição singularista de causa de Ducasse

   A definição transferencial de causa

   Definições contrafactuais de causação

3. Causas e Condições Logicamente Suficientes

    A teoria da causação de Sosa

4. Descrições Analógicas e Literais

     Uma Formulação Literal da Relação Divina com o Big Bang

5. Objeções ao argumento de que Deus não pode ser uma Causa

6. Conclusão: Argumentos Cosmológicos e Teleológicos para a inexistência de Deus

1. Introdução

Uma luz interessante é lançada sobre a natureza da causação, a origem do universo e os argumentos para o ateísmo se abordarmos a questão: é logicamente possível que o universo possua uma causa originária divina?

Penso que praticamente todos os teístas, agnósticos e ateístas contemporâneos acreditam que isto é logicamente possível. De fato, a tradição filosófica predominante desde Platão até o presente presumiu que a sentença “Deus é a causa originária do Universo” não expressa uma contradição lógica, ainda que vários filósofos tenham defendido que esta sentença ou é sintética desprovida de sentido (por exemplo, os positivistas lógicos) ou declara uma falsidade sintética e a priori (por exemplo, Kant e Moore), ou declara uma falsidade sintética e a posteriori (por exemplo, defensores contemporâneos do argumento probabilístico do mal).

Acredito que a prevalência desta pressuposição deve-se ao fato de que os filósofos não empreenderam o tipo necessário de investigação metafísica sobre a natureza da causação. Esta investigação é o objetivo deste artigo; mais especificamente, defenderei que a tese segundo a qual o universo possui uma causa originária divina é logicamente inconsistente com todas as definições existentes de causalidade e com uma exigência lógica destas e de todas as possíveis definições ou teorias da causalidade válidas. Concluirei que os argumentos cosmológicos e teleológicos para uma causa do universo podem possuir alguma força mas que estes argumentos, tradicionalmente conhecidos como argumentos para a existência de Deus, são na verdade argumentos para a inexistência de Deus.*

2. Definições Causais e a Noção de uma Causa Originária Divina

Algo é uma causa contínua e permanente do universo se e somente se este algo causa cada estado do universo. Algo é uma causa originária do universo se e somente se este algo causa o primeiro estado do universo. Se o tempo é contínuo, “o primeiro estado do universo” pode se referir a um estado instantâneo ou (se a história do universo é semi-aberta na direção inicial) a um estado cronologicamente extenso de duração específica.

Se a cosmologia do Big Bang é verdadeira, o universo começou a existir há cerca de 15 bilhões de anos atrás com o Big Bang. O Big Bang é o primeiro estado do universo; “o Big Bang” pode ser considerado como referindo-se a uma singularidade que constitui o primeiro estado instantâneo do universo ou ( se alguém “eliminar” a singularidade) a uma explosão que consitui o primeiro estado semi-aberto de breve duração, por exemplo, a duração de Planck, 10^-43 segundo. Em minha discussão, tratarei o Big Bang como um exemplo logicamente possível de um primeiro estado do universo.

Considerações sobre causalidade agencial não são relevantes para nossa discussão; nosso tópico é a causa do começo da existência do universo, não a causa do ato de Deus de querer que o universo começasse a existir. Não estamos examinando a relação entre Deus (o agente) e seu ato voluntário (o efeito), mas a relação entre seu ato voluntário (um evento) e o começo do universo (outro evento). Portanto, definições de causalidade agencial são irrelevantes para nossos argumentos; estamos interessados somente em definições de causalidade eventual (relativa a eventos), nas quais causa e efeito são ambos eventos.

A definição de Hume de causa

A mais famosa e influente definição de causa é a definição de Hume; de fato, a maioria das definições contemporâneas incluem condições que são similares em algum aspecto a pelo menos uma das três condições presentes na definição de Hume:

“Contiguidade no tempo e no espaço é portanto uma circunstância exigida para a operação de todas as causas… A prioridade no tempo é… outra circunstância exigida em todos os casos… [Uma] terceira circunstância [é] a conjunção constante entre a causa e o efeito. Todos os objetos como a causa produzem sempre algum objeto como o efeito. Além destas três circunstâncias da contiguidade, prioridade e a conjunção constante não posso descobrir nada nesta causa.”[1]

A definição de Hume inclui três condições para algo ser considerado uma causa: prioridade temporal, contiguidade espaço-temporal e uma relação nomológica (“Todos os objetos como a causa produzem sempre algum objeto como o efeito.”)

(a) Prioridade temporal

Se o tempo começou a existir com o universo, a condição da “prioridade temporal” da definição de Hume implica que o universo não pode ser causado a começar a existir uma vez que não existe tempo anterior no qual a causa possa ocorrer.

Mesmo que o tempo exista antes do universo, a condição da “prioridade temporal” exclui uma causa originária divina se todos os atos divinos forem atemporais.

Entretanto, a condição da prioridade temporal mostra somente que o universo não pode ter uma causa originiária divina se o tempo começa a existir com o universo ou se todos os atos divinos forem atemporais. É logicamente possível que o tempo preceda o começo do universo, mesmo que não existam leis físicas conhecidas pelas quais a variável física t possa assumir valores anteriores ao momento em que o espaço e a massa-energia começaram a existir. Além disso, é logicamente possível que Deus exista no tempo e que o tempo anterior ao universo seja preenchido pela vida mental de Deus, que inclui suas volições. Assim, é logicamente possível para uma volição divina adequar-se à condição da “prioridade temporal” da definição de Hume. Os problemas insuperáveis começam com as duas outras condições.

(b) Contiguidade espaço-temporal

A de Hume e várias outras definições de causalidade requerem que o evento causal esteja espacialmente em contato com, ou espacialmente próximo, ao efeito. Diz-se que Deus é onipresente, mas isto significa que ele está consciente de e mantendo uma relação volitiva com cada particular físico. Isto não quer dizer que as volições divinas, que são não-físicas, tangenciam ou estão nas proximidades espaciais dos particulares físicos que são objetos destas volições.

O ato de Deus de querer que o Big Bang ocorra não é contíguo espaço-temporalmente ao Big Bang uma vez que este ato da vontade não possui coordenadas espaciais. c e e são contíguos espaço-temporalmente somente se as coordenadas espaciais x, y e z que situam c em relação a múltiplos eventos são ou idênticas às coordenadas x’, y’ e z’ de e, ou situam c na vizinhança de e.

(c) Vínculo nomológico

A terceira característica da definição de Hume, a condição nomológica (“todo objeto como a causa sempre produz algum objeto como o efeito”), também é comum a várias definições de causalidade. A definição de Hume pertence à linhagem de definições redutivas que define causas em termos de leis da natureza de um conjunto de relações não-causais (como a prioridade temporal e a contiguidade espaço-temporal) entre dois particulares c e e.[2] De acordo com estas definições, c é uma causa de e se e somente se existe uma lei da natureza L que possibilita que a declaração de que e ocorre seja deduzida da premissa de que c ocorre e que é obtida a partir da lei L. Por exemplo, Carl Hempel escreve[3]: “uma ‘causa’ deve ser autorizada a ser um conjunto de circunstâncias ou eventos mais ou menos complexos, que podem ser descritos por um conjunto de enunciados C1, C2,…,Ck… Portanto a explicação causal afirma implicitamente que existem leis gerais — digamos, L1, L2, … Lk — em virtude das quais a ocorrência dos antecedentes causais mencionados em C1, C2,…,Ck é uma condição suficiente para a ocorrência do evento a ser explicado.” Uma lei probabilística L também pode ser permitida, caso em que “ser deduzida da” seria substituído por “ser indutivamente respaldado por”.

Entretanto, a condição nomológica para algo ser considerado uma causa é logicamente inconsistente com uma causa divina do Big Bang, uma vez que Deus por definição é um ser sobrenatural e seus atos não são regidos por leis da natureza. Além disso, o fato de que a vontade de Deus é onipotente torna “o Big Bang ocorre” dedutível de “Deus quer que o Big Bang ocorra” apenas, sem a necessidade de qualquer premissa nomológica suplementar, dessa forma invalidando a condição de que uma premissa nomológica é uma condição logicamente necessária para a derivação da conclusão de que o efeito existe a partir das premissas uma das quais é que o evento causal ocorre.

A esta altura, já descartamos praticamente todas as definições de causalidade existentes, uma vez que quase todas as definições incluem ou a condição da contiguidade espaço-temporal ou a condição nomológica. Ficamos com as definições de causalidade singularistas e não-contiguistas.

Uma definição não-contiguista não menciona a contiguidade espaço-temporal e não exige que a causa seja contígua tanto espacialmente quanto temporalmente ao efeito; variantes das definições não-contiguistas podem permitir atos divinos atemporais e/ou atos divinos temporais que não estejam espacialmente próximos ou em contato com o efeito. Uma definição singularista permite que um evento cause um efeito em um caso particular, sem que a causa e o efeito necessariamente instanciem alguma lei. Contudo, as formulações existentes que são definições singularistas e/ou não-contiguistas são poucas e pouco afins entre si e mostram-se problemáticas para um defensor da possibilidade lógica de uma causa originária divina.

A definição singularista de causa de Ducasse

A mais famosa definição singularista de causa é a de J.C. Ducasse. O conceito de Ducasse “define a causa de um evento particular em termos de uma única ocorrência dele, e assim de maneira alguma envolve a suposição de que ele, ou algum semelhante a ele, nunca tenha ocorrido antes ou jamais voltará a ocorrer. A suposição da recorrência é assim totalmente irrelevante para o significado de causa; essa suposição é relevante apenas para o significado de lei.”[4] Como a condição nomológica é explicitamente rejeitada, parece que esta definição é aplicável à vontade de Deus de que o Big Bang ocorra.

Entretanto, uma inspeção adicional da definição de Ducasse mostra que ela não é aplicável, já que esta definição requer a contiguidade espaço-temporal. Ducasse afirma que a causa c é uma condição suficiente do efeito e e que c é suficiente para e se (i) c é uma mudança que ocorre durante um período e através de um espaço terminando num instante i numa superfície s de um objeto; (ii) a mudança e ocorre durante um período e através de um espaço começando no instante i na superfície s; (iii) nenhuma outra mudança além de c ocorre durante o período e através do espaço de c, e (iv) nenhuma outra mudança além de e ocorre ao longo do período e do espaço de e.[5] Assim, a explicação de Ducasse satisfaz o critério singularista, mas não o critério não-contiguista.  (Apesar de chamar sua explicação de “definição” de uma causa, é somente uma definição parcial, já que ele começa sua definição com “se” e não com “se e somente se”.)

A definição transferencial de causa

Outra candidata possível a definição singularista e não-contiguista é baseada na definição transferencial de causalidade, oferecida por Hector-Neri Castaneda, Galen Strawson, David Fair, Jerrold Aronson e outros[6]. Castaneda declara que “o coração da produção, ou causação, parece ser, portanto, transferir ou transmitir.”[7] No mundo real, o que é transferido é energia (segundo Castaneda), mas ele utiliza a palavra “causidade” como um termo genérico para qualquer coisa que possa ser transferida. Pode a volição de Deus transferir causidade ao Big Bang?

A teoria completa de Castaneda implica uma definição que inclui a condição nomológica: c é uma causa de e se e somente se (i) há uma transferência de causidade de um objeto O1 para um objeto O2 numa circunstância x, com o evento c sendo a transmissão de causidade de O1 e o evento e sendo a aquisição da causidade por O2; (ii) todo evento da mesma categoria que c que está numa circunstância da mesma categoria que x está associado a um evento da mesma categoria que e.

A condição (ii) é formulada como uma condição nomológica e assim exclui causas sobrenaturais. Mas podemos isolar (i), “o coração da causação”, e demonstrar com sucesso que uma condição transferencial, não-contiguista e singularista é satisfeita por uma volição divina? Parece que não, uma vez que existe um problema com a causidade. A causidade não pode ser idêntica a energia (a afirmação de Castaneda sobre a identidade real da causidade), uma vez que não há energia em Deus (Deus sendo não-físico). Na verdade, a causidade não pode ser nada físico, já que Deus é não-físico. Tampouco pode a causidade ser algo não-físico, já que o Big Bang é completamente físico. Assim, parece não existir candidato viável para a causidade transferida.

Definições contrafactuais de causação

A definição de David Lewis envolve condições contrafactuais e parece funcionar como uma concepção singularista e não-contiguista. Segundo Lewis, c causa e se e somente se (i) c e e são eventos e ambos ocorrem e é o caso de que ou (ii) se c não tivesse ocorrido, e não teria ocorrido, ou (iii) há uma cadeia causal ligando c e e e cada elo d na cadeia é tal que se d não tivesse ocorrido então e não teria ocorrido. Como não há cadeia causal entre uma volição divina e o Big Bang, a condição (iii) é inaplicável e podemos nos concentrar em (i) e (ii).

Seriam a volição divina e o Big Bang eventos? Segundo J. Kim[8], uma evento é uma substância exemplificando uma propriedade n-ádica num dado momento. Mesmo que a existência do tempo não seja anterior a do universo, isto não necessariamente exclui a aplicabilidade da definição de Kim para a volição divina, já que podemos interpretar a volição de Deus como simultânea ao Big Bang. Também podemos acompanhar Brian Leftow[9] e permitir que a posição lógica ocupada por ” no tempo t” possa ser ocupada por “na eternidade” ou “atemporalmente”. Alternativamente, poderíamos seguir Davidson[10] e considerar um evento como um particular que não é mais definível e permitir que a volição divina seja um evento mesmo que atemporal. Esta rota, ou, seguindo Wolterstorff e outros[11], considerando um evento como a exemplificação de uma propriedade n-ádica de algo (sem especificação temporal), permitiria-nos considerar a volição divina como um evento que é ou atemporal, simultâneo ao, ou anterior ao Big Bang. (Nestas diversas definições, “evento” e “estado” podem ser considerados sinônimos).

Entretanto, a definição contrafactual de Lewis não é instanciada  pela vontade divina de que o Big Bang ocorra. Seja c o desejo divino de que o Big Bang ocorra e seja e o Big Bang. Se e não ocorreu, então c não teria ocorrido. Mas isto implica a falsa proposição de que e é a causa de c, uma vez que c é contractualmente dependente de e. Neste caso (usando as palavras de Lewis sobre um problema que ele observa por alto), “temos uma dependencia causal reversa espúria de c em relação e, contradizendo nosa suposição de que e não causa c[12].

Lewis resolve este problema negando o contrafactual “se e não tivesse ocorrido, c não teria ocorrido”. Em vez disso, Lewis sustenta que “c teria ocorrido exatamente como foi mas teria falhado em causar e[13]. Mas isto implica que a definição de Lewis não pode ser instanciada pela vontade de Deus de que o Big Bang ocorra, uma vez que se c tivesse ocorrido (se Deus tivesse desejado o Big Bang) então isto necessariamente teria causado e (o Big Bang); Deus é onipotente e sua vontade é necessariamente efetiva.

Resumindo, as considerações acima sugerem que não há definições existentes de causalidade que sejam satisfeitas pela vontade de Deus de que o Big Bang ocorra; acredito que uma investigação das definições adicionais existentes mostraria que a maior parte delas inclui pelo menos uma das condições mencionadas acima (contiguidade, uma condição nomológica, etc.) que são violadas pela volição divina. As que não incluem uma das condições supracitadas incluem alguma outra condição que é violada pela volição divina; por exemplo, a definição de J. Mackie de uma condição INUS implica que uma causa c não é nem necessária nem suficiente para seu efeito e mas é, em vez disso, uma parte insuficiente e não-redundante de uma desnecessária mas suficiente condição para e[14]. Deus desejando o Big Bang, entretanto, é suficiente para a ocorrência do Big Bang e desta forma viola a condição “não é nem necessária nem suficiente para seu efeito”.

3. Causas e Condições Logicamente Suficientes

Pode ser respondido nesta conjuntura que o fracasso da criação do Big Bang por Deus em satisfazer qualquer das definições existentes de causalidade não implica que o ato volitivo de Deus não é uma causa do Big Bang. Pode ser que a definição correta de causalidade ainda não tenha sido descoberta, e que a vontade de Deus de que o Big Bang ocorra satisfaz esta definição correta inédita. Meu argumento de que Deus não pode ser uma causa do universo é na melhor das hipóteses um “argumento indutivo fraco” baseado nas definições formuladas até o presente momento.

Além disso, as considerações precedentes sugerem uma definição específica de causalidade que é satisfeita pela volição originatória divina, independentemente de se ou não esta definição tenha sido defendida por qualquer um. Esta definição declara: c é uma causa de e se e somente se c é uma condição suficiente de e e c é anterior a e. Esta definição inclui a condição da prioridade temporal de Hume, mas é tanto singularista quanto nãocontiguista. (Uma definição é contíguista somente se inclui tanto a contiguidade espacial quanto a temporal). Esta definição não pode ser satisfeita por uma volição originatória divina se todas as volições divinas forem atemporais ou se o tempo não existir antes do começo do universo. Mas é logicamente possível que o tempo exista antes do Big Bang e que uma divindade temporal realize uma volição que tanto ocorra antes do Big Bang quanto seja uma condição suficiente para a ocorrência do Big Bang.

Também pode-se dizer que não precisamos nos valer do pressuposto de que a volição divina deve satisfazer uma definição de causa a fim de ser uma causa. É discutível que a causação seja uma relação simples, um conceito primitivo, e portanto que não exista definição que poderia apreender sua natureza[15].

Estas três respostas à minha discussão na seção 2 talvez não sejam desarrazoadas; na verdade, pelo menos a primeira resposta (sobre a seção 2 apresentar um “argumento indutivo” baseado apenas nas definições existentes) contém alguma verdade.

Entretanto, todas as três respostas são ineficazes em face do seguinte fato decisivo: existe uma relação de implicação entre “c é uma causa de e” e “c não é uma condição suficiente para e“. É o caso de que:

(1) Para dois eventos ou estados particulares x e y quaisquer , se x é uma condição logicamente suficiente de y, então x não é uma causa de y.

Por exemplo, um corpo estar em movimento é uma condição logicamente suficiente para que o corpo ocupe espaço, mas o corpo estar em movimento não é a causa da ocupação do espaço pelo corpo. Contudo, a vontade de Deus de que o Big Bang ocorra é uma condição logicamente suficiente do Big Bang, pois as proposições expressas por “Deus quer que o Big Bang ocorra” e “o Big Bang não ocorre” são logicamente incompatíveis. A razão para isto é que Deus é onipotente e portanto sua vontdade é sempre bem-sucedida (por necessidade lógica); se um ser onipotente deseja x e x não ocorre, então x não é onipotente, o que é uma contradição. (Deus pode fazer tudo que é logicamente possível; Deus não pode criar uma pedra tão pesada que não possa ergue-la, mas criar tal pedra não é uma possibilidade lógica. Deus nunca desejaria que algo ocorresse se a ocorrência desse algo fosse logicamente impossível — Deus é onisciente e onibenevolente e não empreenderia intencionalmente qualquer esforço fútil.)

As variáveis na proposição (1) abraangem eventos particulares ou estados; elas não abraangem eventos particulares tomados em conjunto com leis da natureza ou generalizações universais sob as quais os particulares são subsumidos. Como vimos, as definições nomológicas de causação determinística implicam que um evento particular c, conjugado com uma lei da natureza, torna logicamente necessário o evento e que é o efeito. A luz do sol incidir diretamente sobre uma pedra, conjugado com a lei de que qualquer coisa que é diretamente iluminada pelo sol é aquecida, torna logicamente necessário que a pedra seja aquecida. A proposição (1), contudo, implica apenas que a incidência da luz do sol sobre a pedra não torna logicamente necessário que a pedra seja aquecida. A incidência da luz do sol sobre a pedra é uma condição suficiente não-lógica para a pedra ser aquecida (é nomologicamente suficiente, na medida em que é logicamente suficiente para a pedra ser aquecida somente se for conjugada com alguma lei da natureza).

Duas objeções podem ser levantadas contra meu argumento de que as volições divinas são condições logicamente suficientes e portanto não são causas.

(Obj. 1) Pode-se objetar que toda causa pode ser descrita de maneira a implicar logicamente a ocorrência de seu efeito, e portanto que as volições divinas não são diferentes de causas. Por exemplo, a causa, a explosão que incendiou a casa, torna logicamente necessário seu efeito, o incêndio da casa, uma vez que é uma contradição lógica afirmar que “existe uma explosão que incendiou a casa e todavia não existe o evento da casa incendiada.”

Mas esta objeção é falaciosa pois “a explosão que incendiou a casa” não se refere apenas a causa mas também ao efeito. Uma descrição precisa que se refere apenas ao evento causal pode ser satisfeita consistentemente com a não-ocorrência do efeito; por exemplo, a descrição precisa, “a explosão que ocorreu na casa”, pode ser consistentemente satisfeita com a não-satisfação de “o incêndio da casa”.

A falaciosidade desta objeção pode ser explicada mais acuradamente em termos de contextos referencialmente transparentes e referencialmente opacos. A descrição precisa, “a explosão que resultou no incêndio da casa”, é um contexto referencialmente transparente; isto implica que “o incêndio da casa” ocupa uma posição que está aberta à substituição e quantificação em “a explosão que resultou no incêndio da casa”. Uma descrição no formato “a explosão que resultou em F” permite expressões co-referentes substituíveis por “F” e se uma descrição neste formato é satisfeita, segue-se que existe um F. Como a descrição do efeito, “F”, ocorre num contexto referencialmente transparente, “a explosão que resultou em F” refere-se tanto à causa quanto ao efeito.

Por outro lado, a descrição precisa, “a vontade divina de que o Big Bang ocorra”, é um contexto referencialmente opaco e refere-se apenas à volição divina. Esta descrição é referencialmente opaca uma vez que é uma construção de atitude proposicional, e posições internas a construções de atitudes não são abertas à substituição e quantificação[16]. Mais especificamente, uma descrição precisa no formato “a vontade de x de que F ocorra” não permite substituições de “F” por expressões co-referentes, e “F” não é aberta a quantificação. Isto implica que se uma descrição no formato “a vontade de x de que F ocorra” for satisfeita, não se segue que exista um F. Como a descrição do efeito, “F”, ocorre num contexto opaco, “a vontade de x de que F ocorra” refere-se apenas à causa.

Dada esta distinção, podemos dizer que uma definição precisa D de uma causa também se refere ao efeito se e somente se D inclui um termo para o efeito que é aberto à substituição e à quantificação. Uma descrição precisa D’ de uma causa não se refere ao efeito se e somente se D’ não contém um termo para o efeito ou contém um termo para o efeito num contexto opaco.

Isto nos capacita a declarar nosso princípio (1) sobre causas e condições logicamente suficientes em termos semânticos: a satisfação de uma descrição precisa D de uma causa implica logicamente a existência do efeito se e somente se D inclui um termo para o efeito num contexto referencialmente transparente. Como a satisfação da descrição precisa “a vontade divina de que o Big Bang ocorra” implica logicamente que o Big Bang ocorra apesar do fato de  “o Big Bang” não ocorrer num contexto referencialmente transparente, segue-se que esta descrição não se refere a uma causa.

A razão pela qual a satisfação da descrição “a vontade divina de que o Big Bang ocorra” implica que exista uma Big Bang não decorre do formato lógico da descrição (a forma é opaca), mas do conteúdo da descrição. Este conteúdo é característico na medida em que torna as condicionais relevantes acerca da volição divina e do Big Bang verdades lógicas. A expressão “um ser onipotente” significa em parte um ser cujos atos da vontade necessariamente efetivarão o que é desejado. Assim, a sentença “se um ser onipotente deseja que o Big Bang seja efetivado, então o Big Bang é efetivado” expressa a mesma proposição que a sentença “se um ser onipotente, cujos atos da vontade necessariamente efetivam o que é desejado, deseja que o Big Bang seja efetivado, então o Big Bang é efetivado”, que é uma verdade lógica.

O princípio (1) sobre causas e condições logicamente suficientes implica que nenhuma condição causal é um teorema lógico, onde uma condição causal possui a forma “se c ocorre, então e ocorre” e substituições de “c” são expressões que se referem à causa e não incluem um termo para o efeito num contexto referencialmente transparente.

Estas reformulaçoes do princípio (1) em termos lógicos e semânticos bastam para refutar a primeira objeção a meu argumento de que a volição divina não é uma causa, a objeção de que “para cada causa c e efeito e, existe alguma descrição de c que logicamente implica a existência de e“.

(Obj. 2) A primeira objeção a meu argumento sobre causas e condições logicamente suficientes era que as volições divinas não são únicas uma vez que toda causa pode ser descrita de maneira a implicar logicamente o efeito. Uma segunda objeção é que existe alguma descrição de Deus desejando o Big Bang que não implica logicamente que o Big Bang ocorra, e  portanto (por esta razão diferente) as volições divinas não são diferentes de causas. A descrição “a vontade que tem por objetivo a efetivação do Big Bang” pode ser usada como uma definição precisa da volição divina relevante e “ocorre a vontade que tem por objetivo a efetivação do Big Bang, mas o Big Bang não é efetivado” não é uma contradição lógica. Segue-se (a objeção continua) que a vontade de Deus não precisa ser considerada uma condição logicamente suficiente do Big Bang. O objetor pode argumentar que a existência de tais descrições implica que se a volição divina torna ou não logicamente necessária a existência de seu objeto volicional não é um fato propriamente sobre a volição divina, mas é relativo a como a volição é descrita.

Mas esta objeção é inválida, uma vez que a existência de uma descrição da volição divina que não implica logicamente que o Big Bang ocorra é consistente com a volição divina possuindo necessariamente a propriedade relacional de ser associada à ocorrência do Big Bang. Esta consistência é uma exemplo do princípio mais amplo de que “algo que necessariamente possui uma propriedade específica F pode ser descrito por uma descrição precisa D que não inclui F entre suas condições descritivas, e D não implicará que o que quer que satisfaça D necessariamente possui F”. Por exemplo, o número nove necessariamente possui a imparidade e é descrito por “o número de planetas”, mas como “o número de planetas” não inclui a imparidade entre suas condições descritivas, isso não implica que o que quer que satisfaça esta descrição necessariamente possua a imparidade.

Estas respostas às duas objeções (Obj. 1) e (Obj. 2) ajuda a justificar minha afirmação de que a proposição

(1) Para quaisquer dois eventos particulares ou estados x e y, se x é uma condição logicamente suficiente para y, então x não é uma causa de y.

é verdadeira e impede que as volições divinas sejam causas.

A teoria da causação de Sosa

Todo filósofo aceita que um evento particular c que causa um evento particular e não pode tornar e logicamente necessário? Ernest Sosa sugeriu uma teoria da causalidade que pode aparentar ser inconsistente com esta tese. Sosa distingue vários tipos de causação, causação nomológica, causação material, causação consequencialista, e causação inclusiva. De interesse para nós é a definição de Sosa da causação consequencialista, uma vez que esta definição é instanciada pela vontade de Deus de que o Big Bang ocorra. Nos casos de causação consequencialista, “a causa implica o resultado ou consequencia”[17].

Sosa enumera vários exemplos de causação consequencialista: (i) uma maçã sendo vermelha causa a maçã ser colorida; (ii) Tom estar no quarto causa o fato geral de que há alguém no quarto; (iii)Peter, Paul e Mary são altos e as únicas pessoas na sala, e isto causa o fato geral de todos na sala serem altos; (iv) uma maçã ser doce, suculenta, etc. causa a maçã possuir um valor positivo.

Sosa reconhece não possuir nenhuma analise ou definição da causação consequencialista, mas diz que ela envolve uma consequencia derivando necessariamente de uma causa “que é de alguma maneira mais básica”[18].

A réplica imediata à teoria de Sosa é que seus casos de causação consequencialista não são casos de causação mas casos de derivação lógica, ou, mais exatamente, casos nos quais a instanciação de uma propriedade F torna logicamente necessária a instanciação de uma segunda propriedade G, ou se a obtenção de de um fato p torna logicamente necessária a obtenção de um segundo fato q. Quando Sosa diz que isto “parece ser uma forma genuína de causação”[19], ele parece estar equivocado. Na verdade, o homem ou a mulher na rua, os filósofos contemporâneos e os cientistas iriam todos enfatica e corretamente declarar que estes não são casos genuínos de causação. Mas em justiça a Sosa, ele reconhece este ponto, e faz algumas observaçõs plausíveis neste contexto:

Pode-se objetar que muito do que foi mencionado acima não passa de um artifício terminológico, que simplesmente toma o que os filósofos tem há muito denominado causação, renomeia como ‘causação nomológica’, e prossegue classificando-a ao lado de relações completamente diversas que os filósofos até então não haviam chamado de relações causais. E talvez possa ser que a palavra ‘causa’ e seus cognatos tenham sido tão íntima e persistentemente associados com a causação nomológica pelos filósofos que eles devam capitular. Mas mesmo assim a questão básica permaneceria, pois a causação nomológica é uma relação entre uma origem e uma consequencia ou resultado, e assim é a causação material (por exemplo, geração), assim é a causação consequencialista (por exemplo, a maçã ser cromaticamente colorida como resultado de ser vermelha) e assim é a causação inclusiva… Todas estas são relações origem-consequencia ou relações resultado-produto.[20]

Portanto, podemos concordar com Sosa na medida em que a causação pode ser classificada com outras relações resultado-produto, tal como a necessidade lógica de uma propriedade F em virtude de outra propriedade G, como um tipo de relação resultado-produto, mas ao mesmo tempo distinguir a causação destas outras relações resultado-produto não-causais.

4. Descrições Analógicas e Literais

Eu sugiro que a considerações a seguir fornecem-nos uma boa razão para crer que não há nenhuma teoria ou definição correta da causalidade, real ou possível, que seja instanciada pela vontade de Deus de que o Big Bang ocorra.

Como poderia o defensor da causalidade divina responder a estes argumentos? Uma resposta possível seria reconhecer que a vontade de Deus não é uma “causa” do início do universo, mas em vez disso é a “criadora” ou “produtora” do início do universo. Mas esta alteração terminológica não resolve o problema; “c cria e” e “c produz e” implicam “c causa e“, de forma que o problema não é evitado. Se desejarmos estipular que “c cria e” não implica “c causa e“, então privamos a palavra “criar” de qualquer inteligibilidade aparente. Se “criar” não mais significa o que normalmente significa, então estamos em dificuldades para dizer o que significa.

Um problema semelhante afeta uma solução alternativa, a saber, que dizemos que Deus “decide” que o universo comece a existir, mas não “causa” que ele comece a existir. Eu usei provisoriamente a terminologia “vontade de Deus” e “volição divina” nas seções precedentes, mas este emprego exige uma reavaliação. “x deseja e e e ocorre devido à vontade de x” implica logicamente “a vontade de x causa e“. Se o ato divino de querer não é um ato de causação, é difícil dizer o que a palavra “vontade” significa quando aplicada a Deus. Não significa o mesmo que em sentenças como “John moveu seu braço quebrado por um simples ato da vontade”.

Talvez possamos dizer que as palavras “vontade” e “causa” sejam usadas num sentido analógico ou metafórico quando aplicadas a Deus. Isto significa que Deus possui alguns atributos que são análogos aos atributos que normalmente significamos por “vontade” e “causa”, e também alguns atributos que são diferentes. A analogia para “vontade” seria esta: Se um humano deseja alguma coisa, esta vontade é um evento mental que tem por objetivo trazer outro evento à existência. De maneira similar, podemos dizer de Deus que ele ou ela experimenta um evento mental e que este evento mental tem por objetivo trazer outro evento a existência. Esta é a analogia. Também há uma diferença, na qual a vontade de Deus é uma condição logicamente suficiente para a existência de um evento que é desejado, ao passo que uma vontade humana não é logicamente suficiente para o evento que é desejado.

Entretanto, este recurso do uso “analógico” das palavras ameaça solapar a inteligibilidade de nosso discurso sobre a vontade de Deus. A explicação do significado analógico destas palavras está em termos de outras palavras que também possuem um significado analógico. Dizemos que a vontade de Deus é um evento mental que “tem por objetivo trazer outro evento à existência”. Contudo, o significado literal da frase sobre tencionar um objetivo implica que “é logicamente possível que este objetivo não seja alcançado”. Quando dizemos que Alice tem a intenção de escrever um livro, queremos dizer, em parte, que é logicamente possível que ela não tenha sucesso em realizar sua intenção. Considerando-se o significado literal de “intenção”, uma declaração no formato “x tenciona realizar F e F é realizada” não é nem uma verdade lógica nem uma verdade analítica. Consequentemente, a explicação do significado analógico de “vontade divina” em termos de “tencionar fazer algo” não pode envolver um uso literal de “tencionar fazer algo”. Mas se “tencionar” é utilizada analogicamente, então nosso problema de explicar o que queremos dizer com nossas palavras ressurge. Este problema parece não ter solução; embarcamos numa regressão de explicações analógicas das palavras utilizadas em termos de outras palavras analogicamente utilizadas, sem nenhuma maneira de terminar esta regressão por uma explicação que envolva palavras em seu sentido usual e literal. Esta regressão é viciosa; a fim de compreender a frase 1, precisamos compreender a frase 2, mas a fim de entender a frase 2 precisamos entender a frase 3, e assim por diante. Isto sugere que não podemos atribuir qualquer significado preciso à asserção de que Deus causa, deseja ou tenciona trazer o universo à existência.

Uma Formulação Literal da Relação Divina com o Big Bang

Mas isto não é o mesmo que dizer que não podemos falar de forma inteligível sobre Deus e sua relação com o Big Bang. Parece que podemos dizer ao menos que existe alguma propriedade F n-ádica exemplificada por Deus, tal que em virtude de exemplificar esta propriedade, Deus está numa relação com o Big Bang de ser uma condição logicamente suficiente do Big Bang. Talvez possamos até mesmo ser mais precisos e dizer que F é alguma propriedade mental, onde “mental” é compreendido em termos de intencionalidade (na tradição de Brentano, Husserl, Chisholm e Searle). Além disso, podemos dizer que este ato intencional experimentado por Deus possui uma propriedade específica como seu objeto intencional, a propriedade, ser o Big Bang. A propriedade de ser o Big Bang possuirá assim uma propriedade de segunda ordem, a saber, ser o objeto intencional do ato intencional divino A, tal que ser um objeto intencional de A é uma condição logicamente suficiente de ser exemplificado. Falar de “ato intencional” aqui pode ser literal, uma vez que estes são termos técnicos na literatura filosófica e aqui “ato” possui um significado diferente de “ato” em “Jane agiu rapidamente para remediar a situação” ou “o último ato da peça foi decepcionante”.

Se for objetado que “ato intencional” não possui um significado unívoco entre “humanos (corpóreos, não-oniscientes e não-onipotentes) realizam atos intencionais” e “Deus (incorpóreo, onisciente e onipotente) realiza atos intencionais”, então podemos lançar mão de um nível mais geral de discussão. Podemos dizer que existe uma relação específica R a qual Deus mantém com a propriedade “ser o Big Bang”, tal que em virtude de Deus estar em R com ser o Big Bang, é logicamente necessário que ser o Big Bang seja exemplificada.

Resumindo, estamos seguros em dizer que Deus não causa o Big Bang, mas R-iza o Big Bang, onde “Deus R-iza o Big Bang” significa que Deus está numa relação específica R com ser o Big Bang, tal que em virtude de manter esta relação com esta propriedade, é logicamente necessário que esta propriedade seja exemplificada. (Para facilitar, eu as vezes falarei grosseiramente nas seções seguintes de Deus mantendo R com o Big Bang, mas tal discussão deve ser estritamente analisada da maneira que analisei “Deus R-iza o Big Bang”.)

5. Objeções ao argumento de que Deus não pode ser uma Causa

Primeira Objeção

Pode-se objetar que a relação divina R não pode ser apenas a de ser uma condição logicamente suficiente do Big Bang. Deus manter esta relação lógica com o Big Bang não é similar ao sol ser amarelo estar em relação com o sol ser colorido como uma condição logicamente suficiente. A exemplificação pelo sol de ser amarelo em nenhum sentido acarreta ou produz a exemplificação pelo sol de ser colorido. Mas a exemplificação por Deus de R acarreta o Big Bang.

Mas esta objeção é evidentemente uma petição de princípio. Eu já demonstrei que Deus manter uma relação com o Big Bang não satisfaz qualquer definição existente de causação (seção 2) e não satisfaz uma condição logicamente necessária de ser uma causa (seção 3). Assim, introduzir sinônimos de “causa”, como “acarreta” ou “produz”, etc. é simplesmente petição do princípio em discussão.

Pode ser contraargumentado pelo objetor que existe uma importante diferença entre o caso do evento divino relevante e o caso de outras condições logicamente suficientes, a saber, que Deus estar numa relação com o Big Bang é um evento, um particular concreto, e o Big Bang é outro particular concreto, ao passo que as outras relações lógicas estão entre os objetos abstratos.

Este contraargumento é incorreto. Segundo uma concepção de eventos ou estados, um evento ou estado é a exemplificação de uma propriedade por algo. A exemplificação por Deus da propriedade poliádica R é um estado, e também o é a exemplificação por Jane de correr e sua exemplificação de estar viva. O estado concreto da exemplificação por Jane de correr é uma condição logicamente suficiente do estado concreto da exemplificação por Jane de estar viva. Assim, há dois estados concretos coexistindo na relação de um ser a condição logicamente suficiente do outro. Neste aspecto, a situação é similar a Deus estar com o Big Bang na relação relevante.

Ainda assim, pode persistir a intuição de que existe um ingrediente importante na relação de Deus com o Big Bang que o torna logicamente necessário que está ausente na relação em que a cor laranja do sol torna logicamente necessário que o sol seja colorido, ou na relação em que a corrida de Jane torna logicamente necessário que ela esteja viva, um componente que é metaforicamente capturado pela linguagem causal (“produz”, “acarreta”, etc.) O objetor pode simplesmente declarar que é intuitivamente óbvio que existe esta diferença entre os dois casos, mesmo que esta diferença não possa ser adequadamente expressa em palavras.

Mas isto equivale a recuar para uma teoria da inefabilidade. Agora temos a teoria. “Deus não causa literalmente o Big Bang, mas em algum sentido metafórico causa o Big Bang, apesar de ser impossível especificar literalmente a analogia entre a causação e a relação entre Deus e o Big Bang que justifique a metáfora.” A teoria da inefabilidade é que Deus R-ando o Big Bang é uma relação com duas propriedades; uma das propriedades de Deus R-ando o Big Bang é que R-ar o Big Bang é uma condição logicamente suficiente para o Big Bang, e a segunda propriedade é uma propriedade indescritível, a qual podemos chamar uma propriedade X, tal que a propriedade X é uma propriedade de Deus R-ar que tornar R-ar análoga à relação causal num aspecto relevante.

Entretanto, a teoria da inefabilidade falha por três razões.

(i) Se a propriedade X torna a R-ação análoga  a uma relação causal, então a propriedade X é alguma propriedade compartilhada pela relação causal e a relação R. Como a propriedade X pertence à relação causal, e podemos descrever literalmente a relação causal, deveríamos ser capazes de especificar literalmente a propriedade X da relação causal e dizer que é esta propriedade que a relação R possui em comum com a relação causal. Mas a teoria da inefabilidade fracassa em fazer isto.

(ii) A teoria da inefabilidade não possui nenhuma justificativa para asseverar que esta propriedade X existe. A teoria da inefabilidade não menciona nenhum dado que a postulação da propriedade X é utilizada para explicar, e não introduz nenhuma premissa a partir da qual a presença da propriedade X é deduzida. A única justificação aparente pode ser que alguém tenha tido uma experiência mística e “contemplado” diretamente Deus R-ando o Big Bang e “contemplado” a propriedade X desta R-ação, mas que ao relatar esta intuição, apercebera-se de que não existem palavras adequadas e utilizadas literalmente que poderiam descrever a propriedade X. Contudo, se a teoria de que Deus metaforicamente causa o universo não equivale a nada além de declarações obscuras sobre o que foi contemplado numa experiência mística inefável, então esta não é uma teoria baseada na razão natural mas é um voo no misticismo e nas redenções da “razão sobrenatural”. Seria desprovida de qualquer interesse para um filósofo engajado na construção de uma visão de mundo baseada na razão natural.

(iii) A melhor explicação das origens da “intuição” de que Deus metaforicamente causa o Big Bang, e não é uma mera condição logicamente suficiente do Big Bang, não implica que esta intuição seja verdadeira. A origem desta intuição é a duradoura e universal tradição (na filosofia, na religião e na “linguagem cotidiana”) de usar palavras causais, “causa”, “cria”, “decide”, etc. para descrever a relação de Deus com o início do universo. As associações psicológicas produzidas pela adoção desta tradição linguística origina a intuição de que deve existir uma propriedade X na relação entre Deus e o Big Bang que fundamenta a utilização metafórica de “causa”.

Existem diferenças entre (por exemplo) a relação amarelo/cor e a relação R entre Deus e o Big Bang, mas nenhuma é do tipo causal. Amarelo é um tipo de cor, mas a relação entre Deus e o Big Bang não é um tipo de Big Bang. Além disso, a “amarelidade” é uma propriedade monádica da mesma coisa da qual ser colorido também é uma propriedade, mas a propriedade X é uma propriedade poliádica e interconecta objetos diferentes. Em terceiro lugar, ser amarelo e ser colorido são ambas propriedades físicas, ao passo que a relação divina é uma propriedade mental eser o Big Bang é uma propriedade física.

Podemos também especificar características formais da relação R: ela é assimétrica, transitiva e irreflexiva, mas várias relações não-causais também possuem estas características formais.

Segunda objeção

O teísta, agnóstico ou ateu que acredita que é logicamente inteligível dizer que Deus é uma causa originária do universo pode pegar o touro pelos chifres e afirmar arrogantemente que Deus ser uma condição logicamente suficiente do Big Bang é um contraexemplo para as definições existentes de causação discutidas na seção 2, e mostrar que estas definições são errôneas, e que é também um contraexemplo válido para meu princípio (1) que declara que causas não são condições logicamente suficientes. O objetor proclama: “Todas as definições de causação, nomológicas ou contiguistas, reais ou possíveis, são falsas. A definição correta é uma definição não-contiguista e singularista que permite que algumas relações causais sejam relações lógicas.”

O problema com esta objeção arrogante é que não há justificativa aparente para a crença de que existe uma definição correta de causação que seja não-contiguista, singularista e permita relações lógicas afora os alegados atos de causação de Deus. Mas estes são exatamente os eventos cuja natureza causal está em disputa. Presumir, diante dos argumentos que apresentei, que estes atos sejam relações causais é petição de princípio. A fim de demonstrar que a relação divina relevante é uma relação causal, devemos dispor de uma razão logicamente independente para acreditar que existe alguma definição correta de causação que a relação divina R satisfaça. Mas tal razão não existe. Considere o argumento:

(2) Existe uma razão suficiente J para acreditar que existe uma definição correta de causação que seja singularista, não-contiguista e que permita relações lógicas.

Portanto,

(3) A relação divina R é uma relação causal.

Se a razão oferecida J é (3), então o argumento de que a relação divina R é uma relação causal é circular.

Pode ser objetado que o defensor da tese “não pode existir uma causa divina” se encontra numa situação de circularidade similar e portanto há um ‘impasse”. Pode ser dito que o defensor incorre em petição de princípio por presumir que (3) é falsa ou não pode desempenhar o papel da razão J.

Esta objeção fracassa uma vez que o defensor da tese “não pode existir uma causa divina” possui um argumento não-circular para a falsidade de (3). O argumento é que todos os casos de causação que não estão em discussão são inconsistentes com a hipótese de que existe uma definição correta do tipo mencionado em (2). Ambas as partes em discussão concordam que eventos físicos causam outros eventos físicos, e que eventos mentais de organismos inteligentes causam outros eventos (presumindo-se uma filosofia da mente adequada), e esta concordância é o ponto de partida compartilhado pelo oponente e pelo defensor da tese “não pode existir uma causa divina”. Mas estes pontos de partida compartilhados são inconsistentes com a tese positiva, isto é, que “pode existir uma causa divina”, no mínimo pela razão de que existe uma propriedade logicamente nececessária dos casos de causação sobre os quais há consenso de que o evento causal não é uma condição logicamente suficiente do efeito. Como estes eventos causais necessariamente não são condições logicamente suficientes, uma definição de causa que englobe tanto os eventos causais quanto a relação entre Deus e o Big Bang incluiria a contradição “não é uma condição logicamente suficiente e é uma condição logicamente suficiente”. Os casos sobre os quais há concordancia podem também incluir condições nomológicas e contiguistas, e consequentemente podem haver contradições adicionais, por exemplo, “instancia alguma lei da natureza e não instancia qualquer lei da natureza” e “é espacialmente contígua ao efeito e não é espacialmente contígua ao efeito”.

Terceira objeção

Pode-se argumentar que uma definição disjuntiva pode resolver o problema. Suponha que temos esta definição disjuntiva de causação: c é uma causa de e se e somente se c é ou uma condição logicamente suficiente de e, ou c não é uma condição logicamente suficiente de e mas satisfaz (digamos) as condições humeanas.

Um problema com esta definição disjuntiva é que ela classifica o sol ser amarelo como uma causa do sol ser colorido. De maneira que não funciona por esta razão, assim como pelas outras razões mencionadas em minha discussão da explicação de causação oferecida por Sosa.

Mesmo que acresçamos a condição da prioridade temporal, esta definição disjuntiva não irá funcionar. Podemos dizer: c é uma causa de e se e somente se OU c é tanto uma condição logicamente suficiente de e quanto temporalmente anterior a e OU c não é uma condição logicamente suficiente de e e satisfaz (digamos) as condições humeanas. John ser um organismo vivo (ou John ser encarnado num corpo mortal no instante t) é tanto temporalmente anterior a quanto é uma condição logicamente suficiente para João estar morto, mas João ser um organismo vivo (ou João estar encarnado num corpo mortal no instante t) não é a causa de sua morte. Sua morte é causada, digamos, por um atropelamento ao atravessar a rua. O conceito expresso por “é um organismo vivo” analiticamente inclui o conceito expresso por “é mortal” e as verdades lógicas relevantes (por exemplo, “se x é um organismo que morre, então x morre”) podem ser obtidas por substituição de sinônimos.

Suponha que nos tornemos ainda mais específicos  e em vez disso digamos: c é uma causa de e se e somente se OU c é Deus na relação R com e OU c não é uma condição logicamente suficiente de e e satisfaz (digamos) as condições humeanas. Mas esta tentativa de produzir uma definição satisfatória fracassa por duas razões interrelacionadas:

(i) Uma condição logicamente necessária para uma definição correta de um universal puramente qualitativo, seja uma propriedade monádica ou uma relação (como a causação ou a intencionalidade) é que a definição não inclua um disjunto que menciona um caso particular que não satisfaz as condições gerais descritas no outro disjunto. Um universal puramente qualitativo não inclui quaisquer particulares como constituintes. Um exemplo de universal qualitativo impuro é ser mais alto que o Monte Everest. Definições de universais puramente qualitativos mencionam condições gerais e não incluem referencias a qualquer caso particular, como o caso particular de Deus numa relação R com algo.

(ii) Se se permitisse que esta condição lógica para as definições corretas de universais puramente qualitativos (isto é, a condição de não mencionar qualquer caso particular num disjunto) fosse violada, então o procedimento de testar definições pelo método dos contraexemplos (o método padrão para se testar a correção de definições) não mais seria utilizável. Qualquer contraexemplo para uma definição poderia ser tornado consistente com a definição adicionando-se à definição o disjunto que menciona o contraexemplo. Para salvar a definição “x é um planeta se e somente se x é um corpo grande que orbita uma estrela e não contém vida”, podemos expandi-la para “x é um planeta se e somente se x é um corpo grande que orbita uma estrela e não contém vida OU x é a Terra.” A distinção entre definições corretas e definições ad hoc desmoronaria.

Quarta Objeção

Um argumento final é que filósofos de Platão a Plantinga tem descrito o estado mental relevante de Deus como uma causa do universo, e portanto esta é uma noção aceitável. Há tanto um costume filosófico estabelecido de chamar a relação de Deus como universo uma “relação causal” quanto uma longa e venerável tradição que sustenta ser coerente descrever um estado mental divino como uma causa.

Este argumento, que na verdade é um “apelo à autoridade”, é malsucedido, uma vez que se este argumento fosse admissível, ele poderia ser usado para rejeitar qualquer nova teoria que seja inconsistente com as teorias tradicionalmente sustentadas. Este “apelo à autoridade” na melhor das hipóteses nos motiva a examinar seriamente a noção de que os estados mentais de Deus são causas, em respeito ao fato de que praticamente todos os filósofos e leigos aceitaram esta noção como logicamente incontroversa.

Para responder plenamente a esta objeção talvez precisemos também de uma explicação da razão pela qual esta tradição equivocada prevaleceu por tanto tempo e entre tantos filósofos. Acredito que a principal razão seja que uma investigação da conexão lógica entre o que é expresso por “o começo da existência do universo é o resultado de um ato divino” e o que é expresso por “o evento natural e é o resultado causal do evento natural c” não ter sido empreendida de maneira sistemática. (A principal exceção é a diferente mas esclarecedora discussão desta conexão nos escritos recentes de Adolf Grünbaum[21]. A maioria dos filósofos tem pressuposto de maneira implícita que “a causação divina é logicamente possível” é incontroversa, mas uma vez que esta tese seja examinada, a pressuposição revela-se falsa.

6. Conclusão: Argumentos Cosmológicos e Teleológicos para a inexistência de Deus

À primeira vista, pode parecer que o argumento deste artigo nos diz mais sobre a natureza da causação e a natureza de Deus do que sobre a disputa ateísmo versus teísmo. “Um estado divino não pode causar o começo da existência do universo” não implica que Deus não existe ou que o Big Bang não seja o resultado lógico de um estado divino. Ele implica meramente que não podemos descrever um estado divino como a causa originária do universo.

Não obstante, há implicações importante e talvez decisivas para o debate entre o ateísmo e o teísmo, a saber, que argumentos a partir de verdades necessárias, verdades apriorísticas ou verdades empíricas de algum principio  causal não podem ser uma premissa relevante da qual deduzir ou induzir que o Big Bang é a consequencia lógica de Deus manter uma relação R com a propriedade de ser o Big Bang. Considere o seguinte argumento:

(4) Tudo o que começa a existir tem uma causa.

(5) O universo começou a existir.

Portanto,

(6) O universo possui uma causa.

Este argumento fracassa em respaldar a tese de que Deus existe ou que existe uma causa divina para o universo. Na verdade, este argumento implica que a existência do universo é o resultado de algo distinto de um estado divino, ou seja, uma causa. Tampouco pode qualquer argumento indutivo baseado no fato de que todos os eventos observados tem uma causa ser utilizado para amparar a tese de que o Big Bang é o resultado de um estado divino, uma vez que este argumento indutivo em vez disso respalda a tese de que o Big Bang é o efeito de alguma causa.

De fato, todos os variados argumentos cosmológicos e teleológicos a favor da existência de Deus são na verdade argumentos favoráveis à sua inexistência. Estes argumentos são argumentos para a tese de que o universo possui uma causa e se o universo possui uma causa, Deus não existe. Isto pode ser demonstrado da seguinte maneira:

A definição tradicional de Deus é: x é Deus se e somente se x é onisciente, onipotente, onibenevolente e é a causa de qualquer universo que exista. Vimos que o que é tradicionalmente expresso por “Deus é a causa do universo”, se for logicamente coerente, deveria em vez disso ser expresso por “Deus R-iza o universo”. Assim a definição correta de Deus declara: x é Deus se e somente se x é onisciente, onipotente, onibenevolente e R-iza qualquer universo que exista. Desta definição resulta que é uma propriedade essencial de Deus que ele R-iza qualquer universo que exista. Como esta propriedade é essencial a Deus, não existe mundo possível no qual é verdadeiro tanto que Deus exista quanto que exista um universo com o qual Deus não mantém uma relação R.

Nossa discussão da teoria da causação de Sosa sugeriu que a relação causal e a relação divina R são dois tipos diferentes de relações resultado-produto, tomando emprestado a expressão de Sosa. Se o universo é o resultado de uma relação causal resultado-produto, não é o resultado de uma relação resultado-produto do tipo R, e se o universo é o resultado de um ato divino de R-ar, não é o resultado de uma causa. Se existe um mundo possível no qual algum universo é o resultado de uma causa, segue-se que Deus não existe nesse mundo possível.

Isto mostra como um argumento cosmológico para a inexistência de Deus pode ser explicitamente construído. As premissas e inferências são mencionadas no seguinte argumento:

(4) Tudo o que começa a existir possui uma causa.

(5) O universo começou a existir.

Portanto,

(6) O universo possui uma causa.

(7) Se o universo é o resultado de uma causa, não é o resultado de Deus estar numa relação R com o universo.

(8) É uma propriedade essencial de Deus que ele R-iza qualquer universo que exista.

Portanto [a partir de #7 e #8],

(9) Não existe mundo possível no qual seja simultaneamente verdadeiro que Deus existe e que existe um universo que é o resultado de uma causa.

Portanto [a partir de #6 e #9]

(10) Deus não existe.

Se a cosmologia do Big Bang é verdadeira (e portanto #5 é verdadeira), parece que a premissa com o status epistêmico mais baixo ou fraco é a primeira premissa, “Tudo o que começa a existir tem uma causa”. Mas William Lane Craig diz sobre esta premissa: “a primeira premissa é tão intuitivamente óbvia, especialmente quando aplicada ao universo, que provavelmente ninguém em seu juízo perfeito realmente acredita que seja falsa.”[22] Se Craig estiver certo e meu argumento for sólido, segue-se que provavelmente ninguém em seu juízo perfeito que acredita que a existência do universo possui um princípio realmente acredita que Deus existe.

As mesmas considerações se aplicam ao argumento teleológico, do qual uma versão declara:

(11) Artefatos são causados a existir por algum(ns) ser(es) inteligente(s) com algum objetivo em mente.

(12) O universo assemelha-se a um artefato.

Portanto, é provável que:

(13) O universo foi causado a existir por algum(ns) ser(es) inteligente(s) com algum propósito em mente.

Se este é um argumento analógico apropriado, então é provavelmente verdadeiro que a relação resultado-produto envolvida na explicação da razão do universo existir é uma relação causal que algum ser inteligente mantém com o universo. Segue-se (considerando-se as proposições #7 e #9) que Deus provavelmente não existe.

Uma vez que os argumentos cosmológico e teleológico tem sido tradicionalmente considerados os argumentos mais poderosos para a existência de Deus, e uma vez que eles respaldam o ateísmo em vez do teísmo, agora parece que o caso para o teísmo é realmente muito fraco. É difícil imaginar como se poderia estabelecer indutiva ou dedutivamente, ou se achar auto-evidente, que o Big Bang é a consequencia lógica de algo mantendo uma relação R com o Big Bang. Talvez existam alguns argumentos honestamente plausíveis sustentando que o Big Bang tem uma causa, mas não há argumentos existentes ou plausíveis de que o Big Bang possui uma condição logicamente suficiente num estado mental acausal. Isto sugere que a crença na existência de Deus é consideravelmente menos razoável do que os mais cautelosos teólogos naturais tem tradicionalmente suposto.

Notas

*Versões anteriores deste artigo foram lidas na West Virginia University (Fevereiro de 1995) e na Southern Methodist University (Março de 1996). Os filósofos de ambas as universidades teceram comentários úteis sobre estas primeiras versões. Mark Aronszajn e William Lane Craig redigiram respostas críticas às primeiras versões que se mostraram úteis durante a redação da versão final. Também sou grato a Christopher Hill pelas inúmeras sugestões que permitiram-me melhorar uma versão anterior.

A pesquisa para este artigo foi patrocinada pelo American Council of Learned Societies Fellowship de 1996, e pela National Endowment for the Humanities Summer Stipend de 1995.

1. David Hume, “An Abstract of A Treatise of Human Nature’, in An Inquiry Concerning Human Understanding (New York: Bobbs-Merril, 1955), pp. 186-7.

2. Vale a pena notar que a teoria de Michael Tooley implica que uma causa exige uma lei da natureza subjacente, mas que a causa não é especificada unicamente pela lei da natureza e pelos fatos não-causais. Apesar de a definição de Tooley diferir das definições redutivas tradicionais, sua inclusão de uma condição nomológica impede que ela seja satisfeita por uma volição divina. Veja Causation: A Realist Approach (Oxford: Clarendon Press, 1987).

3. Carl Hempel, Aspects of Scientific Explanation (New York: The Free Press, 1965), pp. 348-49.

4. C. J. Ducasse, “On the Nature and the Observability of the Causal Relation”, in Causation, eds. E. Sosa and M. Tooley (Oxford: Oxford University Press, 1993), p. 129

5. Ducasse, p. 127.

6. Hector-Neri Castaneda, “Causes, Causity, and Energy,”, in Midwest Studies in Philosophy IX, eds. P. French et al (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1984); Galen Strawson, “Realism and Causation”, The Philosophical Quarterly 37 (1987), pp. 253-77; David Fair, “Causation and the Flow of Energy”, Erkenntnis 14 (1979), pp. 219-50; Jerrold Aronson,”The Legacy of Hume’s Analysis of Causation” Studies in the History and Philosophy of Science 7 (1971), pp. 135-36.

7. Castaneda, p. 22.

8. Jaegwon Kim, “Events as Property Exemplifications”, in Action Theory, eds. M. Brand and D. Walton (Dordrecht: Reidel, 1976).

9. Brian Leftow, Time and Eternity (Ithaca: Cornell University Press, 1993).

10. Donald Davidson, “Causal Relations”, in Causation, eds. Sosa and Tooley.

11. Nicholas Wolterstorff, “God Everlasting” in God and the Good, ed. C. Orlebeke and I. Smedes (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1975) 1979; Quentin Smith, Language and Time (New York: Oxford University Press, 1993).

12. David Lewis, Philosophical Papers, Volume II (New York: Oxford University Press, 1983), p. 170.

13. Lewis, p. 170.

14. John Mackie, The Cement of the Universe (Oxford: Clarendon Press, 1974).

15. Eu defendo esta teoria em “The Concept of a Cause of the Universe”, Canadian Journal of Philosophy 23 (1993), pp. 1-24. Neste artigo anteiror, afirmei que casos de volições divinas são contraexemplo válidos para as definições existentes de causalidade. Entretanto, desenvolvi um contraargumento para esta alegação, o que me levou a abandonar a afirmação de que as volições divinas são causas.

16. Mais exatamente, uma ocorrência notacional de um termo numa posição interior a construções de atitudes não está aberta à substituição e quantificação; uma ocorrência relacional de um termo nesta posição é aberta à substituição e quantificação. “F” ocorre relacionalmente em “y deseja que exista um F” se isto for lido como “(Ex) Fx. y deseja que: (Ex) Fx. ” Ao contrário, “F” ocorre notacionalmente se “y deseja que exista um F” for lida como “y deseja que: (Ex) Fx. Veja David Kaplan, “Opacity”, em The Philosophy of W.V. Quine, ed. L. Hannard e P. Schlipp (La Salle: Open Court). Quando falo sobre “posições com construções de aitude”, tenho em mente apenas posições internas à construções de atitudes nas quais os termos ocorrem notacionalmente.

17. Ernest Sosa, “Varieties of Causation”, in Causation, eds. Sosa and Tooley, p. 240.

18. Sosa, p. 240.

19. Sosa, p. 240.

20. Sosa, p. 242.

21. Adolf Grunbaum, The Pseudo-Problem of Creation in Physical Cosmology“, in John Leslie (ed.), Philosophy and Physical Cosmology: New York: Macmillan, 1990, pp. 92-112; “Creation as a Pseudo-Explanation in Current Physical Cosmology”, Erkentniss 35 (1991): 233-54.

22. William Lane Craig and Quentin Smith, Theism, Atheism and Big Bang Cosmology (Oxford: Clarendon Press, 1993), p. 57.

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