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Posts Tagged ‘neurociência’

por Sam Harris

Estamos conscientes apenas de uma fração irrisória da informação que nossos cérebros processam a cada momento[1]. Embora observemos continuamente mudanças em nossa experiência – de pensamento, humor, percepção, comportamento, etc. – somos completamente inconscientes dos eventos neurofisiológicos que as produzem. Na verdade, podemos ser péssimas testemunhas de nossa própria experiência. Ao meramente vislumbrar de relance sua expressão ou ouvir seu tom de voz, muitas vezes outras pessoas estão mais a par de seu estado mental e de suas motivações do que você próprio.

Geralmente, começo meu dia com uma xícara de café ou de chá – às vezes duas. Esta manhã, tomei café (duas xícaras). Por que não chá? Não estou em posição de saber. Eu quis café mais do que chá hoje, e eu era livre para ter o que quis. Eu escolhi conscientemente café em vez de chá? Não. A escolha foi feita para mim por eventos em meu cérebro que eu, como testemunha consciente de meus pensamentos e ações, não fui capaz de inspecionar ou influenciar. Poderia eu ter “mudado de idéia” e optado pelo chá antes que o bebedor de café em mim pudesse assumir as rédeas? Sim, mas este impulso também seria o produto de causas inconscientes. Por que ele não irrompeu esta manhã? Por que ele poderia surgir no futuro? Não posso saber. A intenção de fazer uma coisa e não outra não se origina na consciência – antes, ela aparece na consciência, assim como qualquer pensamento ou impulso que a ela possa se opor.

O fisiologista Benjamin Libet notoriamente utilizou eletroencefalogramas para mostrar que a atividade no córtex motor do cérebro pode ser detectada 300 milisegundos antes que uma pessoa sinta que decidiu se mover.[2] Outro laboratório ampliou este trabalho utilizando imagens de ressonância magnética funcional (fMRI): indivíduos foram solicitados a pressionar um de dois botões enquanto assistiam um “relógio” composto por uma sequência aleatória de letras aparecendo numa tela. Eles relataram qual letra estava visível no momento em que decidiram apertar um dos botões. Os pesquisadores encontraram duas regiões cerebrais que continham informações sobre qual dos botões os indivíduos apertariam entre 7 e 10 segundos antes que a decisão fosse conscientemente tomada.[3] Mais recentemente, registros diretos do córtex mostraram que a atividade de meros 256 neurônios foi suficiente para prever com 80% de precisão a decisão de se mover tomada por uma pessoa 700 milisegundos antes que ela se tornasse consciente de tal decisão.[4]

Estas descobertas são difíceis de conciliar com a sensação de que somos os autores conscientes de nossas ações. Atualmente, um fato parece incontestável: alguns momentos antes de você se tornar consciente do que fará em seguida – um momento em que, subjetivamente, você parece ter a mais completa liberdade para se comportar de qualquer maneira que lhe agrade – seu cérebro já determinou o que você fará. Você então se torna consciente desta “decisão” e acredita que está no processo de toma-la.

A distinção entre sistemas “superiores” e “inferiores” no cérebro não ajuda em nada: eu, como a testemunha consciente de minha experiência, não inicio eventos em meu córtex pre-frontal mais do que causo as batidas de meu coração. Sempre haverá alguma defasagem entre os primeiros eventos neurofisiológicos que disparam meu próximo pensamento consciente e o próprio pensamento. E mesmo se não houvesse – mesmo se todos os eventos mentais verdadeiramente coincidissem com seus estados cerebrais subjacentes – eu não posso decidir o que pensarei ou tencionarei a seguir até que um pensamento ou intenção surja. Qual será meu próximo estado mental? Eu não sei – ele apenas acontece. Onde está a liberdade nisso?

Imagine um dispositivo de neuroimageamento ideal que nos permitisse detectar e interpretar as mudanças mais sutis na função cerebral. Você pode gastar uma hora pensando e agindo livremente no laboratório, apenas para descobrir que os cientistas escaneando seu cérebro foram capazes de produzir um registro perfeito do que você pensaria com uma pequena antecedência. Por exemplo, exatamente aos 10 minutos e 10 segundos do experimento, você decidiu pegar uma revista numa mesa próxima e começou a le-la, mas o registro do equipamento mostra este estado mental surgindo aos 10 minutos e 6 segundos – e os responsáveis pelo experimento sabiam té mesmo qual revista você escolheria. Você lê por alguns minutos e então fica entediado e para; os experimentadores sabiam que você pararia um segundo antes de você o fazer e poderiam dizer qual foi a última sentença que você leu.

E assim seria com tudo o mais: você tentou se lembrar do nome do chefe dos experimentadores, mas se esqueceu; um minuto depois o nome “Brent” lhe ocorre quando na verdade era “Brett”. Em seguida, você decidou comprar um novo sapato após deixar o laboratório – mas também lhe ocorreu que seu filho sairia da escola mais cedo nesse dia, de modo que você definitivamente não teria tempo para também comprar os sapatos novos. Imagine como seria ver o registro cronológico destes eventos mentais, ao lado do vídeo de seu comportamento correspondente, demonstrando que os experimentadores sabiam o que você pensaria e faria momentos antes de você agir. Naturalmente, você continuaria a se sentir livre a cada momento presente, mas o fato de que outra pessoa poderia relatar o que você estava prestes a pensar e fazer desvelaria o que este sentimento realmente é: uma ilusão. Se as leis da natureza não perturba a maioria de nós como incompatíveis com o livre-arbítrio, isso ocorre porque não imaginamos como o comportamento humano apareceria se todas as relações de causa-e-efeito fossem compreendidas.

É importante reconhecer que o caso que estou construindo contra o livre-arbítrio não depende do materialismo filosófico (a hipótese de que a realidade é, no fundo, puramente física). Não há dúvidas de que (a maioria, se não todos) os eventos mentais são produzidos por eventos físicos. O cérebro é um sistema físico, completamente submetido às leis da natureza – e existe toda razão para acreditar que mudanças em seu estado funcional e em sua estrutura material determinam completamente nossos pensamentos e ações. Mas mesmo se a mente humana fosse constituída de alguma substância espiritual, isso não alteraria em nada meu argumento. As operações inconscientes de uma alma não permitiriam mais liberdade do que a fisiologia inconsciente de seu cérebro.

Se você não sabe o que sua alma fará a seguir, você não está no controle. Isto é obviamente verdadeiro em todos os casos em que uma pessoa deseja ser capaz de se sentir ou se comportar de maneira diferente de como se sente ou se comporta: pense nos milhões de cristãos sinceros cujas almas são homossexuais, propensas à obesidade ou entediadas com orações. Entretanto, o livre-arbítrio não é mais evidente quando uma pessoa faz exatamente o que, em retrospecto, ela desejou ter feito. A alma que permite a você manter-se em sua dieta é tão misteriosa como a que te tenta a comer torta de cereja no café-da-manhã.

Há uma distinção entre ações voluntárias e involuntárias, é claro, mas ela não favorece em nada a concepção ordinária do livre-arbítrio (tampouco depende dela). Uma ação voluntária é acompanhada pela intenção consciente de executa-la, enquando uma ação involuntária não o é. É desnecessário dizer que esta diferença reflete-se em nível cerebral. E o que uma pessoa conscientemente tenciona fazer diz muito sobre ela. Faz sentido dispensar a um homem que sente prazer em matar crianças um tratamento diferente do que dispensamos a um que acidentalmente atropelou e matou uma criança – porque a intenção consciente do primeiro nós dá muitas informaões sobre como ele provavelmente se comportará no futuro. Mas de onde as próprias intenções se originam, e o que determina seu caráter em todas as instâncias, permanece perfeitamente misterioso em termos subjetivos. Nossa sensação de livre-arbítrio resulta de um fracasso em tomarmos consciência disso: nós não sabemos o que tencionamos fazer até que a própria intenção surja. Compreender isto é perceber que não somos os autores de nossos pensamentos e ações do modo que as pessoas geralmente imaginam.

Naturalmente, este insight não diminui nem um pouco a importância da liberdade social e política. A liberdade para fazer o que se tenciona, e não fazer se não se o deseja, não é menos valiosa do que sempre foi. Estar sob a mira de um revólver ainda é um problema que merece ser corrigido, seja lá de onde as intenções surjam. Mas a idéia de que nós, como seres conscientes, somos profundamente responsáveis pelo caráter de nossas vidas mentais e pelo comportamento subsequente é simplesmente impossível de corresponder à realidade.

Considere o que seria necessário para realmente termos livre-arbítrio. Você precisaria estar consciente de todos os fatores que determinam seus pensamentos e suas ações, e você precisaria ter controle completo sobre estes fatores. Mas há um paradoxo aqui que vicia a própria noção de liberdade – pois o que influenciaria as influências? Mais influências? Nenhum destes estados mentais adventícios é o verdadeiro você. Você não está controlando  a tempestade, e você não está perdido em meio a ela. Você É a tempestade.

Notas.

1. Avanços recentes na psicologia experimental e no neuroimageamento nos permitiram estudar as fronteiras entre processos mentais conscientes e inconscientes com crescente precisão. Agora sabemos que pelo menos dois sistemas no cérebro – muitas vezes chamados de “processos duais” – governam a cognição, a emoção e o comportamento humano. Um é evolutivamente mais antigo, inconsciente, lento para aprender e lento para responder. O fenômeno do estímulo precedente, no qual estímulos subliminares influenciam os pensamentos e as emoções de uma pessoa, expõem o primeiro destes sistemas e revelam a realidade dos processos mentais complexos operando abaixo do nível da consciência. As pessoas podem ser estimuladas de uma ampla variedade de modos, e estas influências inconscientes seguramente alteram seus objetivos e comportamentos subsequentes. (H. Aarts, R. Custers, & H. Marien, 2008. Preparing and motivating behavior outside of awareness. Science 319[5780]: 1639; R. Custers & H. Aarts, 2010. The unconscious will: How the pursuit of goals operates outside of conscious awareness.Science 329 [5987]: 47–50).

A técnica experimental de “mascaramento retroativo (backward masking)” está no centro de muito deste trabalho. Se indivíduos são expostos a estímulos visuais de curta duração (por volta de 30 milissegundos), eles podem percebê-los conscientemente, mas não mais são capazes disso se este mesmo estímulo é imediatamente acompanhado por um padrão diferente (a “máscara”). Esta técnica permite que palavras e imagens sejam entregues à mente subliminarmente. Curiosamente, o limiar para o reconhecimento consciente de palavras emocionais é mais baixo do que para palavras neutras, o que sugere que o processamento semântico antecede a consciência (R. Gaillard, A. Del Cul, L. Naccache, F. Vinckier, L. Cohen, & S. Dehaene, 2006. Nonconscious semantic processing of emotional words modulates conscious access. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 103[19]: 7524–7529).

Experimentos recentes com neuroimagens  oferecem evidências adicionais: palavras mascaradas ativam áreas associadas com o processamento semântico (M. T. Diaz & G. McCarthy, 2007. Unconscious word processing engages a distributed network of brain regions. J. Cogn. Neurosci. 19[11]: 1768–1775; S. Dehaene, L. Naccache, L. Cohen, D. Le Bihan, J. F. Mangin, J. B. Poline, et al., 2001. Cerebral mechanisms of word masking and unconscious repetition priming. Nat. Neurosci. 4[7]: 752–758; S. Dehaene, L. Naccache, H. G. Le Clec, E. Koechlin, M. Mueller, G. Dehaene-Lambertz, et al., 1998. Imaging unconscious semantic priming. Nature 395[6702]: 597–600); recompensas subliminarmente prometidas alteram a atividade nas regiões cerebrais que lidam com recompensas e influenciam o comportamento subsequente (M. Pessiglione, L. Schmidt, B. Draganski, R. Kalisch, H. Lau, R. J. Dolan, et al., 2007. How the brain translates money into force: A neuroimaging study of subliminal motivation. Science 316[5826]: 904–906); e rostos amedrontados mascarados e palavras emocionais ativam a amígdala, o núcleo do processamento emocional no sistema límbico (P. J. Whalen, S. L. Rauch, N. L. Etcoff, S. C. McInerney, M. B. Lee, & M. A. Jenike, 1998. Masked presentations of emotional facial expressions modulate amygdala activity without explicit knowledge. J. Neurosci. 18[1]: 411–418; L. Naccache, R. Gaillard, C. Adam, D. Hasboun, S. Clemenceau, M. Baulac, et al., 2005. A direct intracranial record of emotions evoked by subliminal words. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 102[21]: 7713–7717).

Entretanto, a exposição a estímulos subliminares levanta alguns problemas conceituais. Como Daniel Dennett assinala, pode ser difícil (ou impossível) distinguir o que foi experienciado e então esquecido do que nunca foi experienciado – veja sua inspirada discussão dos processos cognitivos Orwellianos e Stalinistas (D. C. Dennett, 1991. Consciousness explained. Boston: Little, Brown and Co., pp. 116–125). Esta ambiguidade é largamente atribuível ao fato de que os conteúdos da consciência devem ser integrados ao longo do tempo – cerca de 100 a 200 milissegundos (F. Crick & C. Koch, 2003. A framework for consciousness. Nat. Neurosci. 6[2]: 119–126). Este período de integração permite que a sensação de tocar um objeto e a percepção visual associada de fazê-lo, que chegam ao córtex em momentos diferentes, sejam experienciadas como se fossem simultâneas. A consciência, por conseguinte, depende do que é vulgarmente conhecido como “memória de trabalho”. Diversos neurocientistas levantaram este mesmo ponto (J. M. Fuster, 2003. Cortex and mind: Unifying cognition. Oxford: Oxford University Press; P. Thagard & B. Aubie, 2008. Emotional consciousness: A neural model of how cognitive appraisal and somatic perception interact to produce qualitative experience. Conscious. Cogn. 17(3): 811–834; B. J. Baars & S. Franklin, 2003. How conscious experience and working memory interact. Trends Cogn. Sci. 7(4): 166–172). O princípio é capturado de forma ligeiramente mais vaga pela noção de consciência de Gerald Edelman como “o presente rememorado” (G. M. Edelman, 1989. The remembered present: A biological theory of consciousness. New York: Basic Books).

2. B. Libet, C. A. Gleason, E. W. Wright, & D. K. Pearl, 1983. Time of conscious intention to act in relation to onset of cerebral activity (readiness-potential): The unconscious initiation of a freely voluntary act, Brain 106 (Pt 3): 623–642; B. Libet, 1985. Unconscious cerebral initiative and the role of conscious will in voluntary action. Behav. Brain Sci. 8: 529–566. Desde então, outro laboratório descobriu que o julgamento de uma pessoa de quando tencionava se mover pode ser alterado em tempo dando-lhe um retorno sensorial atrasado de seus movimentos reais. Isto sugere que tais julgamentos são estimativas retrospectivas baseadas no momento aparente do movimento e não numa consciência real da atividade neuronal que causa o movimento (W. P. Banks & E. A. Isham, 2009). Nós inferimos, em vez de percebermos, o momento em que decidimos agir. (Psychological Science, 20: 17–21).

Contudo, Libet e outros especulam que o conceito de livre-arbítrio ainda pode ser salvo: talvez a mente consciente seja livre para “vetar”, em vez de iniciar, ações complexas. Esta sugestão sempre pareceu absurda desde o começo – pois certamente os eventos neuronais que inibem uma ação planejada surgem de modo igualmente inconsciente.

3. J. D. Haynes, 2011. Decoding and predicting intentions. Ann. NY Acad. Sci. 1224(1): 9–21.

4. I. Fried, R. Mukamel, & G. Kreiman, 2011. Internally generated preactivation of single neurons in human medial frontal cortex predicts volition. Neuron, 69: 548– 562; P. Haggard, 2011. Decision time for free will. Neuron, 69: 404–406.

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Tradução para o português exclusiva e em primeira mão do mais recente livro de Sam Harris, Free Will:

A crença no livre-arbítrio permeia praticamente tudo o que os seres humanos valorizam. É difícil refletir sobre direito, política, religião, políticas públicas, relações íntimas, moralidade – bem como sobre os sentimentos de remorso ou realização pessoal – sem primeiro imaginar que cada pessoa é a verdadeira fonte de seus pensamentos e suas ações. Todavia, os fatos nos dizem que o livre-arbítrio é uma ilusão.

Neste livro esclarecedor, Sam Harris defende que esta verdade acerca da mente humana não implode a moralidade ou diminui a importância da liberdade política e social, mas ela pode e deveria mudar a maneira como pensamos sobre algumas das questões mais importantes da vida.

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Sam Harris é o autor dos campeões de venda A Morte da Fé, Carta a Uma Nação Cristã, The Moral Landscape, e Lying. A Morte da Fé venceu o 2005 PEN Award na categoria de não-ficção. Sua obra foi publicada em mais de 15 línguas. Sam Harris e sua obra têm sido objeto de discussão em publicações como The New York Times, Scientifican American, Nature, Rolling Stone, Newsweek, Time e várias outra. Seus artigos são publicados no The New York Times, Los Angeles Times, The Times (Londres), The Boston Globe, The Atlantic, Newsweek, Annals of Neurology, entre outros periódicos. Dr. Harris é co-fundador e CEO do Project Reason, uma fundação sem fins lucrativos devotada a disseminar o conhecimento científico e os valores seculares na sociedade. Ele recebeu seu diploma em filosofia pela Stanford University e um PhD em neurociência pela UCLA. Visitem seu website: www.samharris.org

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Índice:

  1. Introdução
  2. As Origens Inconscientes da Vontade
  3. Mudando de Assunto
  4. Causa e Efeito
  5. Escolhas, Esforços, Intenções
  6. Pode A Verdade Ser Ruim Para Nós?
  7. Responsabilidade Moral
  8. Política
  9. Conclusão

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Algumas opiniões de eminentes cientistas sobre o livro :

O livre-arbítrio é uma ilusão tão convincente que as pessoas se recusam terminantemente a acreditar que não o possuímos. Em Livre-Arbítrio, Sam Harris combina psicologia e neurociência para enterrar de uma vez por todas esta ilusão. Como todos os livros de Harris, este não somente o deixará abalado como também o fará pensar profundamente. Leia-o: você não tem escolha.

Jerry A. Coyne, Professor de Ecologia e Evolução na University of Chicado, e autor de Why Evolution Is True

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Neste livro elegante e provocativo, Sam Harris demonstra – com grande irreverência e ferocidade intelectual – que o livre-arbítrio é um conceito intrinsecamente falho e incoerente, mesmo em termos subjetivos. Se estiver correto, o livro provocará uma mudança radical no modo como concebemos a nós próprios como seres humanos.

V.S. Ramachandran, Diretor do Center of Brain and Cognition, UCSD, e autor de The Tell-Tale Brain

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Brilhante e espirituoso – e nunca menos que incisivo – Livre Arbítrio mostra que Sam Harris é capaz de dizer mais em 13 000 palavras do que a maioria das pessoas é capaz de dizer com 100 000.

Oliver Sacks

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Muitos dizem que acreditar que o livre-arbítrio não existe é impossível – ou, se possível, causa de niilismo e desespero. Neste ensaio ousado e pessoal, Harris oferece a si próprio como um exemplo de um coração menos auto-absorvido, e mais moralmente sensível e criativo, porque esta bruxa má específica está morta.

Owen Flanagan, Professor de Filosofia, Duke University, e autor de The Really Hard Problem

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Se você acredita no livre-arbítrio, ou conhece alguém que acredita, aqui está o antídoto perfeito. Neste pequeno livro sagaz, envolvente e extremamente legível, Sam Harris defende que o livre-arbítrio não existe, que estaríamos em melhor situação se sabendo que ele não existe, e que – uma vez que pensemos corretamente sobre o assunto – podemos julgar a partir de nossa própria experiência que ele não existe. Esta é uma discussão deliciosa oferecida por um dos mais perspicazes intelectuais em atividade.

Paul Bloom, Professor de Psicologia, Yale University e autor de How Pleasure Works

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Autor: Michael D. Reynolds

“Sou um médico aposentado. Desde que me aposentei e fiquei com tempo livre o suficiente para estudar e escrever sobre outras coisas além da medicina, penso (parafraseando C. S. Lewis) que o melhor serviço que eu poderia prestar a meus semelhantes crédulos e espiritualistas é explicar e defender o naturalismo.”

Tradução: Gilmar Pereira dos Santos

Fonte: http://www.infidels.org/kiosk/article832.html

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A edição de 25 de Outubro de 2010 da revista Newsweek International publicou um artigo de Lisa Miller intitulado “Sam Harris acredita em Deus“. O artigo contém citações de John Green, um consultor de pesquisas da organização Pew Forum on Religion and Public Life: “As pessoas possuem uma noção vaga e confusa de transcendência, e substituem Deus por ela.” “Aquilo em que Sam Harris acredita”, Miller escreve, “racionalidade, moralidade, transcendência, humildade, respeito, comunhão, abnegação e amor – corresponde a uma definição bastante comum de Deus.” (Nota: o vocábulo “Deus” no título do artigo não comporta esta “definição” não-teológica, e é enganador, se não exagerado). Na conclusão de seu discurso Miller mais uma vez descreve Harris como um “crente na transcendência”.

Categorizemos as coisas “em que Sam Harris acredita”. Racionalidade denota a posse da razão como uma faculdade da mente (Miller observa que “Harris coloca a razão no topo das habilidades e realizações humanas”). Moralidade pode ser considerada um sistema de avaliação do comportamento humano, que no contexto de uma determinada sociedade prescreve alguns comportamentos e proíbe outros. Humildade e reverência são emoções. Sua inclusão na lista presumivelmente resulta do fato de que elas são sentidas quando as pessoas são fortemente impressionadas por coisas que são majestosas, complexas, ou escassamente compreendidas. (O artigo cita “aquele sentimento que se apodera de mim quando caminho numa floresta” e “os aspectos desconcertantes da existência que jamais compreenderei” como coisas que pessoas “espirituais mas não religiosas” identificam com Deus.) O amor também é uma emoção. Comunhão presumivelmente refere-se a pertencer a um grupo cujos membros são mutuamente amigáveis e solícitos. Abnegação refere-se a diversos comportamentos socialmente aprovados e pessoalmente gratificantes como o altruísmo, a generosidade e a solicitude, exibidos de uma maneira tal que dá a impressão de que o agente valoriza outras pessoas mais do que a si próprio. Todas estas coisas são explicáveis em termos naturalistas.

Da lista, ainda falta abordarmos a “transcendência”. Miller não se aventura a descrever o que ela entende por esta palavra. Em relação às concepções de Harris sobre a transcendência, ela relata que em sua juventude ele experimentou uma droga psicoativa (metilenodioximetanfetamina, ou MDMA) e mais tarde praticou meditação sob a orientação de “mestres hindus e budistas”. Ele descobriu a “sabedoria” tanto no misticismo asiático como no ocidental. Miller descreve os comentários no livro de Harris “A Morte da Fé” como “uma celebração da experiência contemplativa”.

O significado original de transcender é exceder ou superar. Parece provável que no artigo de Miller a palavra carrega seu significado filosófico de “ir além dos limites da experiência”, e que por transcendência ela queira di*zer “o estado de transcender o mundo dos sentidos, como numa experiência mística” (Webster’s New International Dictionary of The English Language, ed. 2). Se esse for o caso, pode-se questionar se a meditação (ou o uso de drogas psicoativas) vai “além dos limites da experiência”.

Os estados mentais induzidos pela meditação e por drogas euforigênicas compartilham as seguintes propriedades: 1. São atípicos, diferindo qualitativa e/ou quantitativamente dos estados experienciados na vida ordinária; 2. não ocorrem espontaneamente e requerem a realização de um algum ato mental específico ou a ingestão de drogas; e 3. são prazerosos. Eles são as vezes chamados de estados “alterados”, em referência à sua natureza incomum. Mas o medo, os fortes sentimentos de amor e outras condições emocionais também poderiam ser chamados de estados alterados. Para os propósitos deste artigo, a expressão estados induzidos será utilizada para denotar as condições mentais induzidas pela meditação ou pelo uso de drogas.*

Entretanto, o fato de que estes estados mentais são incomuns e requerem procedimentos específicos para serem alcançados realmente significaria que eles ultrapassam a experiência sensorial ou introduzem quem os experimenta num domínio além da experiência? Suponha que sonhar não seja um evento cotidiano mas fosse alcançável apenas pela prática. Não fariam as pessoas que experimentaram o sonho sob estas condições as mesmas declarações feitas pelos que meditam sobre suas qualidades “transcendentes”? Não poderiam eles conjeturar que enquanto sonham eles estão num reino superlativo em que podem ter experiências e realizar ações que são impossíveis na “vida real”?

Uma suposta evidência para a “transcendência” seria que a meditação permite a aquisição de conhecimentos que não podem ser obtidos pelos sentidos. Os que meditam podem ganhar algum conhecimento pela instropecção, como o fato de que eles são capazes de certos tipos e intensidades de sentimentos (este pode ser o fundamento da afirmação de que a meditação permite que “se entre em contato com os próprios sentimentos”). Praticantes de meditação às vezes relatam que ela amplia sua “compreensão” do mundo, mas tais observações parecem se referir a um perspectiva mental alterada de cunho predominantemente emocional (sentir-se mais tranquilo, mais complacente) do que à obtenção de conhecimento. Em casos extremos, alguns praticantes de meditação acreditam que ela os capacita a apreender seres sobrenaturais, de modo que eles tem conhecimento da existência de tais seres. Em geral, contudo, não é por proporcionar conhecimentos sobre o mundo natural a razão pela qual a meditação é apreciada. E por que vários usuários de anfetaminas psicoativas afirmam que a droga lhes proporciona novas informações sobre o mundo externo?

Outra afirmação às vezes feita pelos que experimentam estados mentais induzidos é que nestes estados eles se sentem “conectados”. Um sentimento de vínculo ou unidade com algo exterior a si próprio parece ser um elemento do alegado caráter “transcendente” destes estados. Em alguns casos a percepção da conexão não aparenta ser complexa ou profunda, como os sentimentos transitórios de afeição ou simpatia produzidos pelo MDMA. Possíveis objetos com os quais alguém pode se sentir unificado durante a meditação incluem outras pessoas, o universo (o mundo material), e um ser noumênico. Os dois primeiros são percebidos pelos sentidos, e parece difícil asseverar que um sentimento de unidade com eles “transcende o mundo dos sentidos”. Pessoas que experienciam o que elas acreditam ser a unidade com um ser sobrenatural podem identifcar-se com uma divindade ou com a divindade de sua religião (uma interpretação que Harris presumivelmente rejeitaria). Mas eles podem apenas estar cientes de um ser que não se identifica ou oferece quaisquer detalhes sobre si próprio. Em ambos os casos a percepção está sujeita tanto a interpretações naturalistas como sobrenaturalistas.

Praticantes de meditação podem desenvolver um sentimento de contínua “harmonia” que perdura mesmo quando não estão meditando. Isto é difícil de analizar (e demanda estudos adicionais). A tranquilidade e a percepção sensorial ampliada do mundo exterior relatada por alguns praticantes de meditação pode contribuir para o sentimento de harmonia, mas ele parece não ser redutível apenas a esses fatores. Não é óbvio, contudo, que o sentimento persistente de harmonia seja transcendente no sentido de ultrapassar a experiência sensorial; quem o experimenta pode considera-lo como uma nova interpretação de suas sensações do mundo exterior.

A prática prolongada de meditação pode alterar o funcionamento do cérebro. Conquanto correlações detalhadas entre estas mudanças e os estados induzidos ainda não tenham sido estabelecidas, o ônus da prova de que um evento sobrenatural tenha ocorrido durante a meditação, em vez de uma mudança na fisiologia do cérebro, repousa nos que alegam o evento sobrenatural.

A respeito do que chama de “coisas que promovem o florescimento humano”, Miller cita Harris: “Êxtase, arrebatamento, beatitude, concentração, um senso do sagrado… penso que tudo isso é indispensável.” Esta lista também merece um escrutínio. Êxtase, arrebatamento e beatitude todos descrevem um estado de extrema felicidade ou bem-estar. Algumas pessoas experimentam tais sentimentos durante a meditação. Elas são a principal razão para o uso de drogas psicotrópicas; “ecstasy” é o nome vulgar para o derivado de anfetaminas que o artigo de Miller sugere ter sido o primeiro passo na busca de Harris para “alcançar um estado de terno altruísmo”. A situação em que as pessoas mais frequentemente tem sensações que podem descrever como extáticas, entretanto, é o intercurso sexual culminando num orgasmo. O prazer intenso é transcendente no sentido de “superior, incomparável ou extraordinário.” Mas este é um fenômeno fisiológico que pode ser anatomicamente localizado no cérebro; é uma instância de sensação, não um estado que a transcende.

A concentração mental pode ser usada como uma técnica de meditação (assim como seu oposto, tentar “deixar a mente em branco” ou “esvazia-la”). A concentração em si, contudo, não é um fenômeno místico; ela ocorre em incontáveis eventos ordinários como a resolução de um problema matemático ou uma partida de futebol.

Com a expressão “um senso de sagrado” Harris parece suspender temporariamente sua reiterada rejeição da religião. Os significados comuns de sagrado são “de natureza religiosa” ou “santo”. Talvez sagrado em sua lista de coisas “indispensáveis” seja “uma vaga e confusa noção de transcendência”.

Considerar os estados mentais produzidos pela meditação como um fênomeno natural não deveria diminuir seu valor para os que os experienciam. Embora seja verdade que mesmo algumas que não acreditam numa fonte sobrenatural de experiências estéticas e emocionais receiem que explicações naturalistas depreciem essas experiências, tais temores são infundados. As futuras pesquisas produzirão explicações para os fenômenos mentais muito mais detalhadas do que as atuais correlações com regiões anatômicas e a demonstração de associações com eventos eletrofisiológicos e a atuação dos neurotransmissores. Mas mesmo essa análise não descreverá – ou alterará – o significado dos sentimentos, que são percebidos num contexto de vida mental muito mais amplo do que a experiência em si. A análise nem mesmo terá por escopo o ato criativo de integrar uma experiência num conjunto de pensamentos, percepções e hábitos que constituem a personalidade. Fazendo uma analogia grosseira, uma explicação minuciosamente detalhada das pinceladas e da escolha de cores pode habilitar alguém a imitar uma pintura (semelhante a provocar sentimentos por estimulação química ou elétrica do cérebro), mas isso não seria descrever a experiência de contemplar a pintura.

O manifesto desejo de Harris de encontrar uma maneira de tornar a mente humana “mais afetuosa, generosa, menos egocêntrica do que é em seu estado natural” é louvável, e não é diminuído se empreendido utilizando os princípios do naturalismo em vez da postulação de eventos sobrenaturais. Descrever estados induzidos como transcendência é problemático; esta é a linguagem da metafísica e da teologia, não da neurociência da qual Harris é um expoente.

*Algumas pessoas experimentam, como resultado da leitura ou da audição de certos textos, da escuta de certas passagens musicais ou ao se dedicarem à atividades específicas de criação artística, estados mentais semelhantes aos estados induzidos discutidos aqui. É tarefa do psicólogo analizar as similaridades e diferenças mentais destas variadas condições, e do neurologista analisar suas semelhanças e diferenças fisiológicas.

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Autor: Steven J. Conifer(*)

2001

Tradução: Gilmar Pereira dos Santos

[Uma versão ligeiramente mais curta e significativamente diferente deste artigo, intitulada “Epifenomenalismo como um duplo pilar para o ateísmo”, foi entregue antes do encontro da West Virginia Philosophical Society no outono de 2000, ocorrido nos dias 20 e 21 de outubro na Wheeling Jesuit University in Wheeling, WV.]

Sumário

1. Introdução

2. Respaldando a TDC e o ME

3. O Argumento da Mente Incorpóra (AMI) formulado

4. O Argumento do Pós-Vida Incorpóreo (API) formulado

5. Considerações Preliminares sobre o AMI e o API

6. A primeira premissa do API

7.1 A premissa (2) do AMI e a premissa (2) do API

7.2 A Objeção EQM (OQM) Formulada e Refutada

7.3 A Objeção das EFC (OFC) Formulada e Refutada

7.4 A Objeção das Aparições (OA) Formulada e Refutada

7.5 A Objeção das Vidas Passadas (OV) formulada e refutada

7.61. O ACH formulado

7.62 A objeção do ACH (OACH) formulada

7.63 A resposta do ônus da prova

7.64 A resposta da invalidez

7.65 As respostas da obscuridade e da inadequação

7.66 A resposta da explicação ateísta (ou naturalista)

7.7 A Objeção das Outras Mentes (OOM) Formulada e Refutada

8. Recapitulação

1. Introdução

Meu objetivo neste artigo é apresentar dois argumentos ateológicos do tipo probabilístico que utilizam como fundamento a plausibilidade de uma teoria dualista ampla que denominarei “Teoria da Dependência Cerebral” (abreviada como TDC). Segundo a TDC, a existência de mentes é dependente da de cérebros, isto é, sem cérebros, mentes não podem existir. A TDC é compatível com qualquer teoria dualista (por exemplo, epifenomenalismo, interacionismo, etc.) que considera a ocorrência de eventos cerebrais uma condição necessária para a ocorrência de eventos mentais. Deve-se observar desde o princípio que o que chamarei de “Materialismo Estrito” (abreviado como ME), a teoria de que tudo o que existe (isto é, todos os existentes, incluindo pensamentos, emoções, sensações, memórias, proposições, leis/princípios da lógica, teoremas matemáticos, etc) é redutível à matéria/energia (mais especificamente, a certos estados ou eventos cerebrais) também bastaria como um fenômeno sobre o qual fundamentar o par de argumentos em questão. Isto é, se for o caso de o ME (em vez da TDC) ser o ponto de vista correto, aqueles argumentos demandariam apenas algumas pequenas modificações para preservar sua solidez.

2. Respaldando a TDC e o ME

Vários filósofos dos séculos passados e praticamente todos os filósofos e neurofisiologistas contemporâneos aceitam ou a TDC ou o ME. Entre os que endossam alguma versão da primeira incluem-se René Descartes, T.H. Huxley, Wilhelm Wundt, Laird Addis, Wilfrid Sellars, Frank Jackson, Jacques P. Thiroux, John Searle, David Chalmers, Thomas Nagel, Michael Tooley e Theodore M. Drange. Dentre os que esposaram o último estão Thomas Hobbes, Gilbert Ryle, J.J.C. Smart, U.T. Place, Herbet Feigl, Karl Vogt, Donald Davidson, Paul and Patricia Churchland, e Daniel C. Dennett.

T.H. Huxley, o biólogo inglês do século 19 e epifenomenalista prematuro que cunhou o termo agnóstico, escreveu em 1874:

É experimentalmente demonstrável… que uma forma de impulso do sistema nervoso é o antecedente imediato de um estado de consciência. Todos exceto os partidários do “Ocasionalismo”, ou da “Harmonia Pré-estabelecida” (se for o caso de qualquer destes ainda existir), devem admitir que temos tanta razão no que se refere à forma do impulso do sistema nervoso como a causa do estado de consciência, quanto temos em relação a qualquer outro evento como causa de outro. Temos tanto direito a acreditar que a sensação é um efeito de uma mudança molecular quanto temos a acreditar que o impulso é um efeito do impacto; e há tanta propriedade em dizer que o cérebro emite a sensação quanto há em dizer que um bastão de ferro, quando martelado, emite calor.[1]

Numa tentativa de demonstrar a impossibilidade empírica de um pós-vida, o filósofo Theodore Drange construiu o seguinte silogismo ( que ele apelidou de “Argumento das Correlações Cerebrais”):

(1) Estudos tem estabelecido uma correlação entre eventos cerebrais e eventos mentais de tal força que seria legítimo declarar os últimos empiricamente impossíveis na ausência dos primeiros.

(2) Mas, num pós-vida, necessariamente ocorrem eventos mentais na ausência de eventos cerebrais.

(3) Consequentemente, um pós-vida é empiricamente impossível.[2]

Como Drange enfatiza, “os cientistas demonstraram que certos tipos de lesão cerebral invariavelmente resultam numa perda de funções mentais, o que implica que a total destruição do cérebro resulta na aniquilação total da mente. E outras correlações entre o cérebro e a mente tem sido descobertas, além da correlação ‘lesão cerebral'”.[3]

Outro filósofo que subscreve este ponto de vista é Jacques P. Thiroux, que escreve:

Quando pensamentos, imaginações ou experiências sensoriais ocorrem, processos (físicos) neurais estão acontecendo no cérebro – ninguém pode negar isto. De fato, parece ser verdadeiro que pensamentos nunca ocorrem na ausência de processos neurais e, mais ainda, que processos ou estados cerebrais neurais são absolutamente necessários para a ocorrência de pensamentos e outros eventos mentais.[4]

O filósofo australiano e materialista J.J.C. Smart cita tanto a evolução biológica quanto o princípio da parcimônia como duas razões convincentes para adotar o ME:

Como poderia uma propriedade ou entidade não-física  subitamente surgir no curso da evolução animal? Que tipo de processos químicos poderiam trazer à existência algo não-físico? Nenhuma enzima pode catalisar a produção de um espectro! Talvez seja dito que o não-físico venha a existir como um subproduto colateral: que sempre que exista uma estrutura física complexa específica, então, por uma lei extrafísica irredutível, também existe uma entidade não-física. Tais leis estariam muito além dos limites das concepções científicas ortodoxas e seriam bastante inexplicáveis: elas seriam, nas palavras de Herbert Feigl, “parasitas nomológicos”. Para dizer o mínimo, podemos simplificar vastamente nosso panorama cosmológico se pudermos defender uma filosofia materialista da mente.[5]

No que talvez seja seu livro mais famoso, Consciousness Explained (1991), Daniel C. Dennett, diretor do Centro de Estudos Cognitivos da Tufts University, faz uma defesa vigorosa do ME. Ele é um crítico severo do dualismo, acerca do qual escreveu em 1994:

Continua a me estarrecer o quão atraente este ponto de vista permanece para várias pessoas. Eu teria pensado que bastaria uma perspectiva histórica para torna-lo ridículo: ao longo dos séculos, todos os outros fenômenos de estranheza a princípio “sobrenatural” sucumbiram a uma explicação incontroversa dentro dos amplos limites das ciências físicas… Os “milagres” da própria vida, e da reprodução, são agora analisados sob o prisma da bem conhecida complexidade da biologia molecular. Por que deveria a consciência ser uma exceção? Por que deveria o cérebro ser o único objeto físico complexo no universo a possuir uma interface com algum outro domínio ontológico? Ademais, os problemas notórios com as supostas interações nessa interface dualista são tão bons quando uma reductio ad absurdum deste ponto de vista. O fenômeno da consciência é reconhecidamente deslumbrante, mas suspeito que o dualismo jamais seria seriamente considerado se não houvesse uma forte corrente de desejo de proteger a mente da ciência, supondo que ela seja constituída de uma substância em princípio inescrutável pelos métodos das ciências físicas.[6]

Um filósofo que tem conduzido pesquisas amplas na área da dependência mente-cérebro é Michael Tooley. Ele tem apresentado cinco linhas de evidência para a dependência das mentes em relação aos cérebros, que podem ser resumidas da seguinte maneira:

(1) Quando o cérebro de um indivíduo é diretamente estimulado e colocado num determinado estado físico, isto causa no indivíduo uma experiência correspondente.

(2) Certas lesões no cérebro tornam impossíveis que uma pessoa tenha absolutamente quaisquer estados mentais.

(3) Outras lesões no cérebro destroem várias habilidades mentais. As habilidades destruídas estão diretamente vinculadas à região específica do cérebro lesionada.

(4) Quando examinamos as habilidades mentais de animais, elas se tornam mais complexas à medida em que seus cérebros se tornam mais complexos.

(5) Dentro dos limites de qualquer espécie considerada, o desenvolvimento de habilidades mentais é correlacionado com desenvolvimento de neurônios no cérebro.[7]</a>

Keith Augustine coloca de maneira sucinta: “A ciência moderna demonstrou a dependência da consciência em relação ao cérebro, verificando que a mente deve morrer sem o corpo.”[8]

Considerando-se tudo isto, e na medida em que nossa experiência está em causa, a conclusão de que nada mental acontece sem a ocorrência de  eventos físicos correspondentes parece inevitável. Deve-se enfatizar que a dependência mente-cérebro observada é misteriosa e inexplicável numa mundivisão teísta (que tradicionalmente inclui como um de seus constituintes um apelo a algum tipo de “alma”, e sob a qual, à luz de sua ênfase considerável sobre a importância do reino espiritual, a existência de organismos físicos que residem nos limites de um universo ele próprio físico parece bastante peculiar, se não completamente sem sentido), enquanto o naturalismo tanto a prevê quanto a explica (através da bioquímica, da evolução biológica e da neurofisiologia).

Voltemo-nos agora para o exame de nossos dois argumentos para a inexistência de Deus.[9]

3. O Argumento da Mente Incorpóra (AMI) formulado

(1) Se Deus existe, então ele é uma mente incorpórea.[10]

(2) Se a TDC é verdadeira, então uma mente incorpórea não pode existir.

(3) A TDC é verdadeira.

(4) Consequentemente, uma mente incorpórea não pode existir.

(5) Portanto, Deus não pode existir.

4. O Argumento do Pós-Vida Incorpóreo (API) formulado

(1) Se Deus existe, então existe um pós-vida incorpóreo.[11]

(2) Se a TDC é verdadeira, então não pode existir um pós-vida incorpóreo.

(3) A TDC é verdadeira.

(4) Consequentemente, um pós-vida incorpóreo não pode existir.

(5) Portanto, Deus não pode existir.

5. Considerações Preliminares sobre o AMI e o API

A validade dos dois argumentos pode ser questionada. A forma lógica relevante é a seguinte:

(1) G–> D

(2) B–> ~D

(3) B

(4) Consequentemente, ~D [a partir de (2) e (3) por modus ponens ]

(5) Portanto, ~G [a partir de  (1) e (4) por  modus tollens]

Indiscutivelmente esta é uma forma válida. Assim, a questão óbvia é se os argumentos são sólidos. Dedicar-me-ei a esta questão nas seções 6-7.7 a seguir.

Primeiro, contudo, o significado de certos termos precisa ser esclarecido. Por “incorpóreo” eu quero dizer completamente separado, ou isolado, do corpo físico (incluindo o cérebro). Portanto, por “pós-vida incorpóreo”  refiro-me ao modo (ou estado) de existência subsequente à morte física ao qual a maioria dos teístas (por exemplo, cristãos, judeus e muçulmanos) geralmente subscreve. Seria um tipo de existência no qual ocorreriam eventos mentais na ausência de eventos cerebrais. Podemos chama-lo de um tipo pessoal de pós-vida, no qual a identidade, a consciência, as memórias, etc. de uma pessoa são preservadas continuamente, de uma ou de outra maneira, ao longo tanto de sua existência terrena quanto de sua existência no além.

6. A primeira premissa do API

Consideremos brevemente a premissa (1) do API. Por que acreditar que ela seja verdadeira? Reconhecemos desde já que não existe nenhuma correlação logicamente necessária  entre a existência de Deus e a existência de um pós-vida. Assim, certamente está aberta para o teísta a possibilidade de simplesmente negar a premissa (1) do API e assim se esquivar do argumento. Mas parece bastante improvável que mais do que alguns representantes atípicos (quando muito) realmente faria tal movimento. Como numerosas pesquisas de opinião pública tem mostrado, a vasta maioria dos que acreditam em Deus (especialmente aqueles dentro da tradição judaico-cristã) acreditam que as duas coisas estão de alguma maneira indissociavelmente vinculadas, isto é, se uma delas não existir, então nenhuma delas existe. [12] Não há dúvidas de que se alguém for capaz de demonstrar a inexistência de um pós-vida que satisfaça tais teístas, então provavelmente a maioria deles reconheceria a insustentabilidade de seu (idiossincrático) teísmo, propriamente. E uma vez que o argumento é inegavelmente válido (como mostrado na seção 5 acima), enquanto o teísta aceitar a premissa (1) do API, a única rota remanescente pela qual ele pode razoavelmente tentar escapar da conclusão do argumento é rejeitar uma das ou ambas as premissas (2) e (3). Contudo, tal empreitada seria malsucedida, pois, como foi mostrado na seção 2 acima, a última premissa é poderosamente sustentada tanto pela ciência quanto pela filosofia; e, como será corroborado nas seções 7.1-7.7 a seguir, tentativas de contestar a segunda premissa de ambos os argumentos parecem imensamente desalentadoras.

Deve ser observado que a existência de um pós-vida é fundamental para uma (clássica) mundivisão teísta. Consequentemente, se a idéia de uma existência posterior à morte física é removida desta visão de mundo, então a própria visão de mundo inevitavelmente desmorona. É bastante similar à situação de Adão e Jesus. como A. J. Mattill Jr. escreve em seu livro The Seven Mighty Blows to Traditional Beliefs (Os sete golpes mais poderosos contra as crenças tradicionais, numa tradução livre):

Como Agostinho disse muito bem, a religião cristã inteira pode ser resumida na intervenção de dois homens, um para nos arruinar, o outro para nos salvar… Mas agora sabemos que o golpe da biologia dissolve o Adão histórico e o golpe apocalíptico desacredita o Jesus histórico… Consequentemente o sistema cristão inteiro entra em colapso, pois não há mais ninguém para nos arruinar, ninguém para nos salvar.[13]

Analogamente, a TDC (“o golpe neurofisiológico”, poderíamos dizer) nocauteia o teísmo clássico com duas pancadas certeiras: o AMI desconstrói a noção de uma mente incorpórea (isto é, Deus) e o  API a noção de um pós-vida incorpóreo (isto é, o Paraíso). Como Paul Kurtz escreveu recentemente sobre o tema, “Pois as grandes religiões sobrenaturais do mundo – o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo – acreditam num pós-vida e a promessa de um Paraíso é fundamental.”[14] É aos adeptos destas religiões ( e às crenças dos mesmos) que meu API é dirigido. Para tais teístas (ou seja, a maioria esmagadora das pessoas que acreditam que acreditam numa divindade pessoal de algum tipo), eu asseguro que o API apresenta um vigoroso e potencialmente insuperável desafio.

7.1 A premissa (2) do AMI e a premissa (2) do API

Como espero já ter estabelecido além de qualquer dúvida razoável a veracidade terceira premissa de ambos os argumentos da mente incorpórea e do pós-vida incorpóreo (na seção 2 acima), dedicarei o restante de meu ensaio à defesa da segunda premissa dos argumentos. Seria  conveniente considera-los concomitantemente, já que eles são similares e assim podem ser defendidos de maneiras análogas.

Como tanto a TDC quando o ME necessitam que um cérebro exista a fim de que uma mente também exista, essas premissas parecem-me indubitavelmente verdadeiras. Inevitavelmente, contudo, o teísta deve abordar a questão das “almas”, então permitam-me rapidamente descarta-la. Eu próprio não faço a menor idéia do que supõe-se que uma “alma” seja. A noção parece irremediavelmente obscura e nebulosa e assim carente de qualquer conteúdo ou significado real. Naturalmente, então, ela desafia qualquer tipo de escrutínio analítico ou avaliação substantiva. Como Theodore Drange escreve:

Como último recurso, alguém pode introduzir o termo “alma”. Pode ser dito que cada um de nós possui uma alma e que não é o corpo mas a alma que nos individualiza e nos faz únicos. O principal problema com isto é que não está exatamente claro o que uma alma supostamente é. Quais são suas propriedades ou constituintes, se há algum? Como pode-se recorrer a ela para identificar  uma pessoa? O que se deve procurar? Que teste pode ser realizado para determinar que a pessoa A, que existiu num determinado período, e a pessoa B, que existe num período posterior, possuem a mesma alma? Tais questões conceituais fundamentais nunca receberam um tratamento adequado, e até que recebam, a “Teoria da Alma” será inútil…[15]

Michael Martin obviamente concorda, escrevendo:

É muito difícil imaginar mesmo de maneira vaga e grosseira a que uma existência incorpórea se assemelharia no espaço e no tempo. Como uma alma se moveria de um lugar para outro? Como ela reconheceria outras almas? O que almas incorpóreas fariam ao longo do dia já que presumivelmente não haveria necessidade de dormir? O problema se torna insuperável quando combinado com a idéia de que o Paraíso está fora do espaço e do tempo. Todos os nossos conceitos mentais – por exemplo, pensar, querer, desejar – são noções temporais que levam tempo para serem realizadas e acontecem num momento particular. O desejo e o pensamento não-temporais são inconcebíveis.[16]

Outro filósofo que partilha este ponto de vista é C.D. Broad, que diz o seguinte:

Se não posso conceber claramente como seria ser uma pessoa incorpórea, eu acho quase incrível que as experiências de tal pessoa… poderiam ser suficientemente contínuas àquelas ocorridas durante sua vida por qualquer ser humano falecido de forma a constituirem em conjunto as experiências de uma e a mesma pessoa.[17]

Mas o que dizer sobre a possibilidade de um pós-vida corpóreo? Pode ser demonstrado que como toda a doutrina cristã da ressurreição envolve não um pós-vida incorpóreo, mas corpóreo , essa doutrina poderia acomodar facilmente a idéia de que todos os eventos mentais que ocorrem num pós-vida acontecem dentro do contexto da ressurreição e portanto no interior de cérebros. Mesmo assim, como Theodore Drange explica, esta réplica é insuficiente, pois não leva em consideração o que acontece com a consciência no interim entre o modo de existência terreno (isto é, pré-ressurreição) e celestial (isto é, pós-ressurreição):

Mesmo os cristãos que advogam a doutrina da ressurreição muitas vezes consideram a pessoa como existindo em algum tipo de estado intermediário enquanto aguarda que a ressurreição ocorra. De maneira que a idéia de eventos mentais ocorrendo na ausência de eventos cerebrais aparece novamente. A questão com o Argumento das Correlações Cerebrais é que a ciência tem estabelecido leis fisiológicas no sentido de que a vida mental cessa quando os processos cerebrais cessam. Pois para haver absolutamente qualquer vida consciente após a morte cerebral, não importa quão efêmera, teria de haver uma violação de tais leis.[18]

Certamente isto está correto, e acho que a segunda premissa dos dois argumentos foi adequadamente amparada. Não obstante, o teísta deve quase indubitavelmente levantar pelo menos uma das seguintes três objeções (chamadas O1, O2 e O3):

O1: Existe algum tipo de evidência empírica para um pós-vida e, portanto, contraevidência para a premissa em questão, o que lança dúvidas sobre ambos os argumentos.

O2: A consciência humana não pode ser explicada adequadamente sem apelar à existência de Deus, um fato que categoricamente falseia ambos os argumentos.

O3: A TDC mostra apenas que mentes humanas requerem um cérebro para existir, mas podem existir outros tipos de mentes (das quais não possuímos nenhum conhecimento atualmente) que não exigem cérebros, do que resulta que a premissa em questão pode ser falsa e por conseguinte ambos os argumentos podem não ser sólidos .

Em relação a O1, as quatro fontes de alegadas evidências para um pós-vida que são citadas com mais frequencia são as EQM (Experiências de Quase-Morte), EFC (Experiências Fora do Corpo), relatos de aparições de espíritos ou fantasmas (isto é, avistamento de espectros), e supostos exemplos de reencarnação (isto é, “memórias de vidas passadas”). No que se refere a O2, ela tipicamente assume a forma de uma ou outra versão do que chamarei “Argumento da Consciência Humana para a Existência de Deus” (ACH), que tenta mostrar que seres sencientes não poderiam ter evoluído (ou vindo a existir) sem intervenção divina. E quanto a O3, não passa de um ridículo apelo à ignorância, embora seja uma objeção que todavia precisa ser considerada.

A seguir, discutirei primeiro O1 dividindo-a em quatro objeções individuais (cada uma delas lidando com um dos quatro fenômenos parapsicológicos mencionados acima), então examinarei O2 e O3, e, finalmente, oferecerei uma breve recapitulação dos pontos de meu ensaio que julgo serem os mais relevantes.

7.2 A Objeção EQM (OQM) Formulada e Refutada

A OQM pode ser formulada como um silogismo simples (modus ponens), assim:

(A) Se as EQM são verídicas, então elas fornecem suporte probatório para a existência de um pós-vida incorpóreo e, desta maneira, contraevidência para a segunda premissa do AMI e do API.

(B) As EQM são verídicas.

(C) Portanto, as EQM constituem suporte probatório para a existência de um pós-vida incorpóreo e, desta maneira, são contraevidências para a segunda premissa do AMI e do API.

(B) é a premissa a ser atacada aqui, é claro. Que razão existe para acreditar que as EQM são, de fato, verídicas? Eu diria que não existe uma sequer, e que, além disso, existem várias razões para acreditar que as EQM são inverídicas.

Keith Augustine oferece uma explicação e uma refutação clara e minuciosa da OQM (como parte do que ele chama de “hipótese da sobrevivência”, que afirma que a personalidade humana continuará a existir de alguma forma após a morte do corpo físico) em seu artigo “O caso contra a imortalidade“, no qual escreve isto:

Os proponentes da sobrevivência argumentam que o fato de os traços fundamentais das EQMs serem quase invariavelmente relatadas por todos que vivenciam as EQMs constitui uma evidência de uma realidade post-mortem objetiva. Entretanto, esses traços fundamentais podem ser explicados por modelos fisiológicos porque os mesmos processos cerebrais ocorrem no início do processo da morte (ex: privação de oxigênio, liberação de endorfina, descargas neurais aleatórias) daqueles que vivenciam EQMs, e portanto suas experiências subjetivas devem ser similares. Outro argumento é o de que EQMs são reais porque parecem reais; isto constitui uma evidência de que as NDEs refletem uma realidade externa tanto quanto o fato de alucinações parecerem reais constitui uma evidência de que são reais. Alguns pesquisadores alegaram que informações foram obtidas em EQMs através de meios não-sensoriais, mas não há evidência experimental respaldando tais afirmações…  Não há corroboração para alegações de percepção exterior ao ambiente imediato do paciente ou de percepções precisas em EQMs no escuro, portanto o argumento paranormal não constitui evidência em favor da sobrevivência. Finalmente, o fato de que pessoas experimentaram transformações de personalidade após EQMs não indica uma experiência mística post-mortem. Um estudo conduzido por Kenneth Ring descobriu que transformações de personalidade ocorreram em pessoas que chegaram medicamente próximas da morte, tendo elas vivenciado a EQM ou não, sugerindo que a transformação resultou do confronto com a morte em vez da EQM.[19]

Em seu livro de 1997 Why People Believe Weird Things: Pseudoscience, Superstition, and Other Confusions of Our Time, Michael Shermer apresenta a seguinte explicação a partir da similaridade atordoante entre os efeitos típicos de várias drogas e alguns dos elementos mais comuns das EQM:

Uma… explicação (naturalista) provável (para as EQM) considera causas bioquímicas e neurofisiológicas. Sabemos… que a alucinação de voo é disparada pela atropina e outros alcalóides da belladonna… DMT (dimetiltriptamina) provoca a percepção de que o mundo está se dilatando ou se contraindo. MDA (metilenodioxianfetamina) estimula o sentimento de regressão temporal de forma a fazer emergir lembranças há muito esquecidas. E, é claro, LSD (ácido lisérgico dietilamida) provoca alucinações auditivas e cria um sentimento de unidade e harmonia com o cosmos… O fato de que existem sítios receptores no cérebro para tais substâncias artificilmente processadas significa que existem substâncias naturalmente produzidas no cérebro que, sob certas condições (o estresse traumático ou um acidente, por exemplo), podem induzir uma ou todas as experiências comumente associadas a uma EQM.[20]

Shermer continua:

A psicóloga Susan Blackmore demonstrou porque diferentes pessoas experimentariam efeitos similares, tais como o túnel. O córtex visual na parte de trás do cérebro é o local onde as informações oriundas da retina são processadas. Drogas alucinógenas e falta de oxigênio no cérebro (tal como às vezes ocorre próximo ao momento da morte) podem interferir com a taxa normal de ativação das células nervosas nesta área. Quando isto ocorre, “fitas” de atividade neuronal movem-se através do cortéx visual, que são interpretadas pelo cérebro como anéis concêntricos ou espirais. Estas espirais podem ser “vistas” como um túnel… Finalmente, a “transcendentalidade” das EQM é produzida pelo predomínio da fantasia de imaginar o outro lado, visualizar nossos entes queridos já falecidos, ver nosso Deus pessoal, e por aí vai.[21]

Somadas a todas estas explicações alternativas (naturalistas) para as principais características das EQM, existe pelo menos  uma dúzia de vários outros fatos (alguns relacionados com aqueles mencionados nas passagens do artigo de Augustine e do livro de Shermer acima) que sugerem fortemente que as EQM são quase certamente um fenômeno puramente natural, ou seja, elas não são verídicas:

(1) Nenhum dos pacientes que relataram EQM’s poderia ter apresentado morte cerebral, pois a morte cerebral é irreversível.

(2) EQM’s ocorrem em apenas um terço de todos os casos nos quais existe uma crise de quase-morte.

(3) Os detalhes das EQM’s dependem quase que exclusivamente das experiências pessoais e culturais do indivíduo.

(4)  Fatores fisiológicos e psicológicos afetam o conteúdo das EQM. Ruídos, túneis, luzes brilhantes e outros seres são mais comuns em condições fisiológicas afetando diretamente o estado cerebral, como paradas cardíacas e anestesias, ao passo que euforia, sentimentos místicos, retrospectiva de vida e transformações positivas podem ocorrer quando as pessoas simplesmente acreditam que vão morrer.

(5) As características fundamentais das EQM são encontradas em alucinações induzidas por drogas e ocorridas naturalmente.

(6) A retrospectiva de vida panorâmica assemelha-se a uma forma de epilepsia do lobo temporal. Existem inclusive casos nos quais pacientes epilépticos tiveram EFC’s ou “viram” aparições de amigos e parentes mortos durante seus ataques.

(7) Simulações computadorizadas de atividade neurológica aleatória baseadas no mapeamento olho-cérebro do cortex visual tem produzido o túnel e a luz característicos das EQM’s.

(8) O fato de que o naloxonio –  um opiáceo antagonista que inibe os efeitos das endorfinas no cérebro – interrompe as Experiências de Quase-Morte fornece alguma confirmação para a teoria das endorfinas para as EQM’s.

(9) EQM podem ser induzidas por estimulação elétrica direta de áreas cerebrais  ao redor da fissura Sylviana no lobo temporal direito.

(10) Os túneis descritos nas EQM’s variam consideravelmente de formato. Se as EQM’s refletissem uma realidade externa, então se esperaria consistência nos relatos do formato do túnel experienciado.

(11) Os casos de EQM tem sido relatados onde os pacientes identificaram os “seres de luz” como a equipe médica executando procedimentos de ressuscitação.

(12) Crianças que sofrem EQM’s são mais prováveis de verem amigos e membros da família ainda vivos do que os que já morreram.[22]

Como Augustine conclui, “No caso da imortalidade, a hipótese da extinção é apoiada por evidências fortes e incontroversas originárias de dados experimentais brutos da psicologia fisiológica, ao passo que a hipótese da sobrevivência é apoiada quando muito por evidências anedóticas fracas e questionáveis oriundas da parapsicologia.”[23]

Claramente, então, a premissa (B) da OQM é falsa, o que torna o argumento não-sólido. Ao que parece os defensores de O1 precisarão buscar uma objeção diferente, para a qual volto-me agora.

7.3 A Objeção das EFC (OFC) Formulada e Refutada

A OFC, como a OQM, pode ser formulada como um modus ponens simples:

(A) Se as EFC são verídicas, então elas constituem um suporte probatório para a existência de um pós-vida incorpóreo (ou, pelo menos, alguma forma de existência incorpórea) sendo, desta maneira, contraevidências para a segunda premissa do AMI e do API.

(B) EFC’s são verídicas.

(C) Consequentemente, EFC’s constituem um suporte probatório para a existência de um pós-vida incorpóreo (ou, pelo menos, alguma forma de existência incorpórea) sendo portanto contraevidências para a segunda premissa do AMI e do API.

Mais uma vez, a premissa controversa é (B). Existem quaisquer evidências melhores para as EFC’s do que as disponíveis para as EQM’s? Novamente, minha resposta é negativa. Além disso, como no caso das EQM’s, existe excelente corroboração para a hipótese de que as EFC’s são tudo menos verídicas.

As evidências contrárias à veracidade das EFC’s são semelhantes às evidências contrárias à das EQM’s. Como Augustine escreve:

A ex-parapsicóloga Susan Blackmore sumariza os resultados das investigações em EFC’s: “Não há evidências reais de psi nas EFC’s; não há evidências de qualquer coisa separando-se do corpo; e não há evidências de efeitos causados por entes extracorpóreos” (Blackmore, “Elusive” 132). Experimentos desenvolvidos para detectar a dupla [o indivíduo real e o desdobrado] durante as EFC’s tiveram resultados negativos:

A magnitude de qualquer efeito detectado tem diminuído com o progresso da sofisticação experimental. Estudos mais recentes utilizaram magnetômetros, termistores, detectores ultravioleta e infravermelho, e assim por diante… mas ainda não foi encontrado um detector confiável (Blackmore, “Oxford” 572).

Parapsicólogos “têm até mesmo utilizado ‘detectores’ animais e humanos, mas nenhum logrou sucesso na detecção de qualquer coisa confiável” (Blackmore, “Near-Death” 38). Outro tipo de experimento foi desenvolvido para determinar se indivíduos numa EFC podem obter informações de um local remoto. Blackmore conclui que:

A evidência experimental é fraca. Foi pedido que os indivíduos visualizassem cartas, números ou imagens específicas colocados em salas distantes… [e] outros estudos tentaram descobrir se os indivíduos pareciam estar observando de um local específico durante as EFC’s; contudo, os resultados foram inconclusivos. Em geral estes estudos apresentam resultados confusos, e não está claro se há qualquer processo paranormal envolvido (Blackmore, “Oxford” 572).

Parece que a evidência é mais consistente com um modelo psicológico das EFC’s:

Se a estimulação sensorial é reduzida ou interrompida, o modelo normal do mundo baseado nos estímulos pode começar a tornar-se instável e evanecer. Neste caso o sistema cognitivo tentará restaurá-lo ao normal criando um novo modelo do mundo através da imaginação… [a partir] de uma visão panorâmica, como um “olho aéreo” (Blackmore, “Oxford” 573).

De acordo com este modelo, “se a EFC ocorre quando o modelo normal da realidade encontra-se substituído pela visão panorâmica construída pela memória, então pessoas que têm EFC’s devem ser mais capazes de utilizar tais visões com memórias e com imagens” (Blackmore, “Elusive” 133). [24]

Michael Shermer tem isto a dizer:

EFC’s são facilmente induzidas por anestésicos dissociativos tais como as ketaminas… a EFC é uma confusão entre realidade e fantasia, como os sonhos pode ser quando do primeiro despertar. O cérebro tenta reconstruir os eventos e no processo os visualiza de cima – um processo normal que todos fazemos quando nos “descentramos” de nós mesmos ( quando você se imagina sentado numa praia ou escalando uma montanha, geralmente o faz de cima, olhando para baixo).[25]

Somados a todos estes obstáculos empíricos à OFC, existe toda uma gama de problemas conceituais com a própria natureza das EFC’s. Por exemplo, é terrivelmente obscuro a que se assemelharia ver sem olhos, ou mesmo sem uma cabeça. Se não existe nenhuma cabeça para obstruir o campo visual do EFCador, então ele vê em todas as direções simultaneamente? Além disso, ele vê a partir de uma posição específica? Se assim for, o que é exatamente que ele utiliza para ver e que está situado neste local? Presumivelmente não existem olhos (ou qualquer coisa similar) com os quais faze-lo, então o que exatamente está lá naquele lugar específico que poderia faze-lo? Igualmente, como, na ausência de um corpo físico, pode ele distinguir entre sons (ou ruídos) reais e meras alucinações auditivas? Na verdade, como poderia ocorrer alguma comunicação sob tais condições, afinal? Será que o EFCador faz uso de algum tipo de telepatia mental? Se for o caso, então o que exatamente isso é e como é que esse processo supostamente funciona? Isso é, como o receptor da “mensagem telepática” (ou sejá lá o que isso possa ser) reconhece o remetente dessa mensagem, ou mesmo que isso absolutamente é uma mensagem? Estas não são questões triviais acerca de detalhes secundários ou irrelevantes; antes, são questões conceituais fundamentais. Como Theodore Drange comenta, “Existem tantas dúvidas enigmáticas para as quais as pessoas que relatam EFC’s ainda não providenciaram soluções.”[26]

Em face de tudo o que foi exposto acima, parece mais razoável declarar que a premissa B da OFC é falsa, o que tira a solidez do argumento. Como a OFC não se mostrou mais promissora do que a OQM anterior, parece que os proponentes da O1 mais uma vez terão que concentrar seus esforços numa linha de ataque diferente. Vejamos agora como eles podem fazê-lo.

7.4 A Objeção das Aparições (OA) Formulada e Refutada

A OA pode ser construída da mesma maneira que a OQM e a OFC, como a seguir:

(A) Se relatos de aparições (isto é, “avistamentos de fantasmas”) são verídicos, então eles constituem suporte probatório para a existência de um pós-vida incorpóreo sendo, portanto, contraevidências para a segunda premissa do AMI e do API.

(B) Relatos de aparições (isto é, “avistamentos de fantasmas”) são verídicos.

(C) Ergo, relatos de aparições cosntituem suporte probatório para a existência de um pós-vida incorpóreo sendo, portanto, contraevidências para a segunda premissa do AMI e do API.

Obviamente, a premissa (B) é o ponto no qual a OA, também, pode ser mais prontamente atacada. Augustine observa o seguinte:

Relatos de aparições podem ser explicados em termos de fraudes e alucinações. Evidências fotográficas de aparições são dúbias(3) porque fantasmas notavelmente tendem a se assemelhar com exposições duplas (“Ghosts” 293). Ademais, aparições podem ser explicadas em termos de alucinações porque:

Há uma tendência para que sejam “vistas” faces e formas humanas mesmo em formas bastante aleatórias… É possível que criações sensoriais desta natureza sejam ocasionalmente evocadas em estados de medo, e parece realmente haver fatores sociais determinando em certo grau as formas adotadas pelos fantasmas(4) [Itálicos meus]… [A] falta de evidências consistentes impossibilita a aceitação geral de fantasmas (293-4).

Finalmente, o fato de que aparições “raramente comunicam alguma informação importante” sugere que experiências com aparições são alucinatórias (Beloff, “Anything” 261).[27]

Em Weird Things, Shermer faz uma comparação bastante hilária entre fantasmas e leis científicas:

A lei da gravidade… tem sido continuamente testada contra a realidade exterior, e assim tem sido confirmada. Fantasmas nunca foram testados com sucesso contra a realidade exterior (eu não considero aqui fotografias manchadas e de baixa resolução que podem ser explicadas e reproduzidas por distorções em lentes ou aberrações cromáticas). A lei da gravidade pode ser considerada um fato, significando que ela tem sido confirmada em tal extensão que seria razoável devotar-lhe uma confiança temporária. Fantasmas podem ser considerados não-fatuais porque nunca foram confirmados em qualquer grau. Finalmente, apesar da lei da gravidade não existir antes de Newton, a gravidade existia. Fantasmas nunca existiram isolados de suas descrições por crédulos.[28]

Acho que é bastante seguro asseverar que a premissa (B) da OA é errônea, desta maneira tornando o argumento não-sólido. Considerando-se o fracasso da OQM, da OFC e da OA exposto acima, os defensores de O1, num esforço derradeiro para salva-la, podem vomitar uma última objeção, a qual devo agora submeter a um rigoroso escrutínio.

7.5 A Objeção das Vidas Passadas (OV) formulada e refutada

Como suas predecessoras, a OV pode ser construída silogisticamente através de um modus ponens:

(A) Se os relatos de reencarnação (isto é, “memórias de vidas passadas”) são verídicos, então eles constituem um suporte probatório para a existência de um pós-vida incorpóreo sendo, portanto, contraevidências para a segunda premissa do AMI e do API.

(B) Relatos de reencarnação (isto é, memórias de vidas passadas) são verídicos.

(C) Consequentemente, relatos de reencarnação (isto é, “memórias de vidas passadas”) constituem um suporte probatório para a existência de um pós-vida incorpóreo sendo, portanto, contraevidências para a segunda premissa do AMI e do API.

Mais uma vez, (B) é de longe a premissa mais vulnerável, e portanto aquela a ser desacreditada. Augustine oferece estes comentários:

A evidência [para “memórias de vidas passadas”], entretanto, é mais consistente com uma explicação alternativa — a criptomnésia. Melvin Harris descreve este fenômeno:

Para compreender a criptomnésia precisamos pensar no subconsciente como uma vasto e confuso depósito de informação. Esta informação vem de livros, de jornais, de revistas, de palestras, de programas de televisão e rádio, de observação direta e até de fragmentos de conversas ouvidos por acaso. Sob circunstâncias normais a maior parte deste conhecimento não está sujeito à recordação, mas algumas vezes estas informações profundamente enterradas são revividas espontaneamente. Elas podem emergir de maneira obscura, pois suas origens foram complemente esquecidas (Harris 19).

Há numerosos casos onde a informação das regressões a vidas passadas teve suas fontes mundanas rastreadas após investigações mais aprofundadas (Edwards, “Introduction” 9). De fato,

Em todos os casos [de vida passada] evocados sob hipnose até o momento, ou nunca houve tal pessoa como descrita, ou o personagem em questão poderia ter sido conhecido pelo informante que… talvez não estivesse conscientemente ao corrente da fonte daquele conhecimento (Beloff, “Anything” 262).

Outro tipo de memória de vidas passadas não envolve regressão hipnótica. “Memórias” de vidas passadas espontaneamente surgiram durante a infância em casos investigados na Índia por Ian Stevenson. Stevenson pesquisou casos onde crianças geralmente entre dois e quatro anos de idade começavam a falar sobre suas “vidas passadas” e suas “mortes passadas” (Edwards, “Introduction” 11). Normalmente as memórias desaparecem aos oito anos. Em vários casos as pessoas que as crianças alegaram ter sido numa vida passada de fato existiram e muitas descrições foram feitas com precisão (11).

Stevenson descartou a possibilidade de fraude porque não encontrou motivos que a justificassem. Ian Wilson aponta que muitas crianças afirmavam ter pertencido a uma casta superior, deste modo uma motivação para melhores condições de vida é óbvia (Edwards, “Introduction” 12).[29]

Em seu livro de 1990 Atheism: A Philosophical Justification, Michael Martin apresenta esta avaliação das alegações concernentes à reencarnação:

Os reencarnacionistas muitas vezes postulam uma série de encarnações em corpos humanos retrocedendo indefinidamente no tempo. Entretanto, a ciência nos ensina que a vida humana veio a existir numa data relativamente recente. Mesmo se se postular… que as almas podem habitar os corpos de animais ou plantas, ainda haveria um problema, pois a ciência nos ensina que a vida teve um princípio e que não existiu eternamente. Além disso, os reencarnacionistas que acreditam que as almas podem ser reencarnadas em animais não acreditam que a sequencia da evolução biológica corre paralelamente à reencarnação. Por exemplo, a alma de uma pessoa pode ter sido encarnada milhões de anos atrás no corpo de um dinossauro e reencarnado apenas recentemente como um pássaro.[30]

Theodore Drange resume as (muito provavelmente insuperáveis) dificuldades tanto com a OV quanto com a própria O1 da seguinte maneira:

Algumas pessoas acreditam que foram encontradas provas empíricas que respaldam a existência de um pós-vida. Elas podem se referir a relatos de EQM’s ou de EFC’s ou de reencarnações ou de avistamentos de fantasmas… Mas do meu ponto de vista, tudo isto é um equívoco. EQM’s não são relevantes para o conceito de vida após morte dedutível, isto é, vida após a destruição do corpo e do cérebro de alguém, pois a situação nem mesmo envolve morte cerebral, muito menos0 a completa destruição do corpo e do cérebro. Quanto às EFC’s, desconheço quaisquer estudos que tenham estabelecido que aqueles que relatam EFC’s não poderiam ter estado apenas alucinando ou sonhando… Até que tais estudos sejam publicados, estou propenso a simplesmente descartar os vários relatos de experiências que supostamente ocorrem dissociadas do corpo. Esses relatos não provam absolutamente nada para aqueles dentre nós que nunca tiveram tais experiências, mesmo no que se refere à própria possibilidade da própria experiência. Por enquanto… somos obrigados a classificar a idéia de um pós-vida incorpóreo como algo incoerente ou inconcebível… e os alegados espíritos… tem sido expostos como fraudes em vários casos. É possível que eles sejam todos embustes ou explicáveis naturalisticamente de alguma outra maneira… Com as alegadas reencarnações, o principal problema tem a ver com identificar a pessoa como alguém que havia falecido… mas isto nunca foi efetuado satisfatoriamente em qualquer dos casos estudados… Não faz sentido tentar encontrar evidências que apoiem uma proposição antes que alguém tenha tornado inteligível o que supõe-se que a proposição signifique. Antes mesmo que o problema evidencial faça sentido (isto é, o problema de se existe ou não qualquer evidência favorável à hipótese de que há um pós-vida)), é necessário resolver o problema conceitual, que é o problema do que o termo “pós-vida” pode significar em termos operacionais, ou com o que um pós-vida poderia possivelmente se assemelhar se tal estado de coisas existisse.[31]

Todas estas considerações parecem muito razoáveis. Claramente, então, a premissa (B) da OV é falsa, o que torna o argumento não-sólido.

Assim, foi mostrado que a OQM, a OFC, a OF e a OV acima, são todas insuficientes para invalidar a segunda premissa do AMI e do API. Consequentemente, O1, como demonstrado acima, é um fracasso.

7.61. O ACH formulado

Vários filósofos cristãos (por exemplo, Richard Swinburne) defendem um argumento favorável ao teísmo que tem angariado uma considerável popularidade na literatura ultimamente. O argumento é o da consciência humana, isto é, ele apela ao fenômeno da consciência humana como uma de suas premissas. Esse fênomeno, segundo o argumento, é de alguma maneira improvável ou talvez até mesmo impossível sob o pressuposto do ateísmo (ou naturalismo). Chamemos este argumento de “Argumento da Consciência Humana para a Existência de Deus” (ACH). Existem várias versões do ACH, alguns mais extensos que outros. Para os objetivos do presente ensaio, entretanto, o argumento será formulado simplesmente, da seguinte maneira:

(A) É um fato que a consciência humana existe.

(B) Este fato pode ser explicado adequadamente dentro de um arcabouço teórico teísta (isto é, que postula a existência de Deus), ao passo que não pode ser adequadamente explicado dentro de um arcabouço teórico ateísta (ou naturalista _ isto é, que negue a existência de Deus).

(C) Consequentemente, existe um fato que apenas o teísmo pode explicar adequadamente.

(D) Portanto, Deus deve existir.[32]

Obviamente, o ACH representa uma ameaça direta tanto ao AMI quanto ao API no sentido de que a veracidade da premissa (B) do primeiro ipso facto invalidaria os últimos (isto é, o AMI e o API). Naturalmente, então precisaremos investigar o ACH, uma vez que ele pode ser invocado num esforço para refutar nossos dois argumentos ateológicos.

7.62 A objeção do ACH (OACH) formulada

Utilizando o ACH como ponto de partida, a OACH pode ser derivada da seguinte maneira:

(a) O ACH é um argumento sólido.

(b) É logicamente impossível que existam dois argumentos sólidos cujas conclusões são incompatíveis.

(c) As conclusões do AMI e do API e a conclusão do ACH são incompatíveis.

(d) Segue-se que tanto o AMI quanto o API são argumentos não-sólidos.

7.63 A resposta do ônus da prova

O ônus de provar a premissa (B) do ACH e, por sua vez, a premissa (a) da OACH,  repousa diretamente sobre o defensor do ACH. Apenas apresenta-lo como uma indiscutível questão de fato é petição de princípio. Em outras palavras, uma vez que a premissa em questão está longe de ser obviamente verdadeira (na verdade, ela é profundamente controversa), o defensor do ACH deve de alguma maneira demonstrar que ele é  verdadeiro. Até que o faça, os defensores do AMI e do API, à luz do substancial respaldo para a TDC e para o ME oferecido na seção 2 acima, estão simplesmente justificados em sustentar a veracidade da segunda premissa de cada argumento e, portanto, a solidez dos próprios argumentos.

7.64 A resposta da invalidez

O passo (C) do ACH não é uma implicação logicamente necessária de sua premissa (B). Mesmo assumindo que o teísmo pode explicar adequadamente o fato em questão (isto é, a consciência humana) e que o ateísmo (ou o naturalismo) não pode, de maneira nenhuma resulta apenas disso que somente o teísmo pode explicar adequadamente este fato. Isto é, existem alternativas ao teísmo além do ateísmo (ou naturalismo) e não-teísmo em geral (a categoria a qual pertencem tanto o agnosticismo quanto o não-cognitivismo[33]) que também podem ser capazes de explica-lo adequadamente. Considere, por exemplo, o panteísmo, o deísmo e as miríades de ramificações do politeísmo que ainda abundam nas principais filosofias e religiões orientais. Como poderia ser que, digamos, a divindade deísta ou o deus hindu Vishnu (ou até mesmo o deus nórdico Thor) não poderiam explica-lo adequadamente? Não vejo qualquer razão que seja pela qual alguma destas divindades não seria uma explicação suficiente para ele, apesar de nenhuma delas ser o deus do teísmo clássico. Consequentemente, a inferência a partir da premissa (B) do ACH para seu passo (C) é inválida, o que torna esse argumento não-sólido. Do que resulta que a premissa (a) da OACH é falsa, o que torna esse argumento não-sólido.

7.65 As respostas da obscuridade e da inadequação

Não é absolutamente claro que a primeira parte da premissa (B) do ACH seja verdadeira, isto é, que o teísmo realmente pode  explicar adequadamente a consciência humana, especialmente se levarmos em conta que a maioria dos defensores do ACH ( bem como a vasta maioria dos teístas m geral) concebem Deus como um ser transcendental; e supõe-se que seres transcendentais existam além do espaço e do tempo. Existe um certa dificuldade conceitual aqui, a saber, como um ser que está além do espaço e do tempo pode realizar absolutamente  qualquer pensamento ou ação. Pensar e agir, segundo a compreensão comum, necessariamente (ou seja, por definição) envolve a temporalidade. Assim, a alegação de que Deus, assim definido, realiza alguns atos ou concebe alguns pensamentos que resultam na instanciação da consciência humana parece demasiado nebulosa, senão explicitamente incoerente. Mas o ACH pressupõe exatamente esta afirmação. Por conseguinte, o ACH padece de um certo tipo de obscuridade que o torna, na melhor das hipóteses, altamente duvidosa.

Há também alguns questionamentos empíricos que precisam ser enfrentados, um tipo de problema com o modus operandi. Isto é, o ACH falha em fornecer qualquer informação a respeito de como Deus, presumivelmente um ser transcendental, supostamente originou o fenômeno em questão, isto é, a consciência humana. Portanto, é uma explicação escandalosamente incompleta (admitindo-se que seja mesmo possível adequadamente considera-la absolutamente uma explicação, o que certamente é discutível).  Ao falhar em elucidar a questão de como exatamente Deus alegadamente realizou a proeza em questão, o ACH implicitamente a proclama “um grande mistério”. Porém, mas palavras de Theodore Drange, “o objetivo de uma explicação é dissipar o mistério,não introduzi-lo.”[34]

Em virtude tanto de sua inadequação quanto de sua obscuridade, o ACH deve ser rejeitado, e junto com ele a OACH.

7.66 A resposta da explicação ateísta (ou naturalista)

Embora possa ser difícil ou mesmo impossível estabelece-lo conclusivamente, pode-se construir um caso forte respaldando que, ao contrário do que a última metade da premissa (B) do ACH declara, o ateísmo (ou naturalismo) pode, na verdade, explicar adequadamente o fato em análise (isto é, a consciência humana). Como Drange assinala:

Vários cientistas vem contribuindo para este projeto. É um objeto de pesquisas em andamento em vários campos do conhecimento, incluindo a fisiologia do cérebro, a biologia, a química… apesar de ainda se encontrar incompleto, ainda não se defrontou com nenhuma dificuldade insuperável. Os cientistas mostram como a origem química da vida é compatível com certas leis naturais. Invocando as mutações e a seleção natural, eles explicam os mecanismos pelos quais a vida se desenvolveu do simples ao complexo. Eles possuem teorias sobre como a “razão” opera e como ela pode ter valor de sobrevivência… formulações de explicações matrialistas [da consciência] em termos tais como “tempo e acaso operando sobre a matéria”, “ativação aleatória de neurônios”, “mentes e inteligência surgindo por acaso a partir da matéria rudimentar”, etc. [o que muitas vezes caracteriza as críticas teístas a tais explicações] parece bastante equivocado e irrelevante, fora de escopo… A ciência percorre um longo caminho em direção a uma explicação da consciência em termos materialistas, e descartar todo este trabalho não é uma decisão a ser considerada seriamente.[35]

Michael Martin partilha desta opinião, escrevendo:

As dificuldades que Swinburne encontra nas explicações nomológicas científicas das correlações psicofísicas não são tão sérias quanto ele supõe ou são baseadas em mal-entendidos… o problema mais sério que ele encontra em tais explicações é que devido a natureza bastante diferente dos estados cerebrais e dos estados mentais, é difícil ver como meras leis científicas poderiam explicar as diversas correlações entre eles… Existe um problema aqui somente se não se compreender o tipo de leis que podem ser utilizadas em tal explicação. Analogamente, pode-se supor, a fim de explicar as correlações relevantes, que devem existir leis causais particulares relacionando explicitamente quedas de árvores a bloqueios de tráfego e rompimentos de circuitos elétricos, mas tal suposição é falsa. Leis acerca de corpos em queda podem ser utilizadas para explicar a correlação entre alguns dos termos abarcados pela descrição de “circuitos elétricos rompidos” e algum aspecto da queda de uma árvore. De maneira similar, leis acerca da eletricidade podem ser utilizadas para explicar a correlação entre os items e a falta de energia elétrica, e por aí vai. Em outras palavras, o todo complexo pode ser decomposto em suas partes constituintes, e estas podem ser explicadas separadamente. A mesma abordagem pode ser utilizada para explicar fenômenos mentais… Uma vez que olhemos para a situação desta maneira a montanha de obstáculos levantada por Swinburne desmorona.[36]

Em relação à explicação teísta da consciência oferecida por Swinburne, Martin expõe suas falhas da seguinte maneira:

Embora explicações pessoais sejam familiares e naturais na vida cotidiana, sabemos que o modo pelo qual intenção de alguém resulta em algum ato possui uma base fisiológica… quando eu intencionalmente movo meu dedo pode parecer que existe uma conexão direta entre a intenção e o movimento. Mas sabemos que esta conexão é possível somente em virtude de uma complexa relação fisiológica causal. No caso de Deus não existe tal relação. Segundo Swinburne, a relação entre a intenção de Deus e o ato intencional é direto e sem mediação. Considerando-se nosso conhecimento de fundo sobre como explanações causais funcionam na vida cotidiana, explanações pessoais de correlações psicofísicas em termos de intenções de Deus parecem improváveis. Todas as nossas evidências indicam que intenções não provocam efeitos físicos diretamente.[37]

Somadas a tudo isto, mesmo que as explicações pessoais teístas em geral sejam aceitas, questões críticas permanecem concernentes às explicações pessoais teístas das correlações psicofísicas em particular. Como o filósofo J.L. Mackie colocou recentemente:

Teria Deus de alguma maneira produzido as estruturas materiais que agora originam a consciência? Mas isto não é quase tão difícil de compreender quanto a hipótese de que as estruturas materiais o façam por si próprias? Ou estamos a considerar cada interface corpo-mente, por exemplo a ocorrência de cada estado de consciência perceptiva após o estímulo sensorial apropriado e a alteração neurofisiológica, como a efetivação de uma intenção divina recém-manifestada, de maneira que a percepção sensorial é, estritamente falando, um milagre indefinidamente repetido de modo que temos uma série interminável de intervenções divinas na ordem causal natural? Mas além disso… não poderia a onipotência sobreacrescentar uma faculdade pensante a um bloco de madeira tão facilmente quanto a um cérebro? Se o materialismo enfrenta a dificuldade de explicar como mesmo os mais elaborados sistemas neurais podem originar a consciência, o teísmo, com suas explicações pessoais e a realização intencional direta, tem uma dificuldade pelo menos tão grande quanto em explicar por que a consciência é encontrada apenas neles.[38]

Ademais, uma explanação pessoal sobrenatural é perfeitamente consistente com as correlações entre estados cerebrais e estados mentais sendo ocasionados pela ação deliberada ou de uma divindade finita ou um de um número finito de divindades. Portanto, o ACH fracassa em mostrar que a consciência pode ser explicada somente postulando a existência de uma divindade  onipotente, onisciente, onibenevolente e transcendente que criou e governa o universo inteiro, a saber, o Deus do teísmo clássico.

Em seu livro de 1996 Is there a God?, Swinburne escreve o seguinte:

Pode muito bem ser o  caso  de que certos estados cerebrais primitivos causem a existência de almas _ à medida em que o cérebro fetal atinge um determinado estágio de seu desenvolvimento ele origina uma alma vinculada a ele. Mas o que isto não deria causar é _ qual alma é vinculada a ele. Não poderiam ser os poderes deste cérebro, das moléculas deste feto orginadas por seus genes, que sejam a causa de minha alma estar conectada a este cérebro e a sua, àquele, em vez de o contrário.  Seria igualmente compatível com todas as regularidades entre tipos de eventos (este tipo de organização cerebral e a existência de um tipo de substância – uma alma) que a ciência jamais seja capaz de descobrir que você e eu deveríamos ter sido conectados a cérebros de maneira contrária à que estamos agora conectados. Simplesmente não há descoberta científica possível imaginável por qualquer um que explicaria porque isto aconteceu deste modo em vez de daquele modo.[39]

Existem diversos problemas com isto. Antes de mais nada, Swinburne aparenta, num grau considerável, simplesmente presumir a falsidade do ME, meramente declarando que “essa concepção parece obviamente falsa”[40] e que a veracidade do dualismo “contempla-nos face a face”[41]. Mas que o ME seja de fato falso (ou mesmo improvável) não é de maneira alguma óbvio . Como foi mostrado na seção 2 acima, inúmeros filósofos e cientistas, longe de considera-lo absurdo, acham-no extremamente convincente (especialmente à luz de sua simplicidade). O mais notável dentre eles certamente é Daniel Dennett, que indubitavelmente julgaria a rejeição marcadamente improvisada de Swinburne ao ME tanto escandalosamente infundada quanto bastante característica da indefensável propensão de vários filósofos teístas a descartar o ponto de vista como manifestamente falso quando ele é tudo menos isso. Tal abordagem dogmática pode ser eficaz quando dirigida a uma audiência cujos membros partilham do preconceito em questão, mas simplesmente não funciona como um argumento que pretenda possuir um valor dialético amplo e  que vise persuadir um indivíduo neutro, ou mesmo com conhecimentos científicos limitados[42].

Em segundo lugar, o comentário de Swinburne (particularmente o último) fracassa em reconhecer o progresso significativo alcançado pelos cientistas em seus esforços para explicar a consciência num contexto estritamente materialista, como discutido por Drange acima.  A afirmação de Swinburne de que “simplesmente não há descoberta científica possível imaginável por qualquer um que explicaria porque isto aconteceu deste modo em vez de daquele modo” é uma mera alegação, sem qualquer fundamento em dados científicos. Tampouco há qualquer coisa intrinsecamente contraditória na noção de que tal descoberta deva ocorrer. Ao que parece, sua afirmação é não apenas infundada, como também francamente falsa.

Terceiro, imagine por um momento que a ciência seja realmente incapaz (mesmo em princípio) de tornar a descoberta disponível ( o que, obviamente, não é o caso). Não poderia simplesmente ser um fato bruto o que Swinburne descreve  “aconteceu deste modo em vez de daquele”? Não vejo qualquer razão imediata para descrer nisso, e certamente Swinburne não oferece nenhuma razão efetiva. Não apenas parece intuitivamente correto supor que fenômenos específicos absolutamente não possuam qualquer explicação final, como a física quântica já demonstrou que ao menos um punhado de tais fênomenos realmente ocorrem (por exemplo, o momento no qual uma partícula subatômica começa a existir, o decaimento de um núcleo atômico num momento particular, etc). Portanto, mesmo supondo que Swinburne estivesse correto acerca do que diz na passagem acima (isto é, que é de alguma maneira inconcebível que a ciência deva descobrir uma explicação para o fenômeno em questão), ainda não existiria nenhuma razão para aceitar sua conclusão de que somente Deus poderia explicar adequadamente por que certos estados cerebrais originam certos estados mentais correspondentes (admitindo, é claro, que os últimos de fato existam).

Em sua obra mais antiga e bem mais abraangente, The existence of God, Swinburne declara isto:

Seja k a premissa de que existe um mundo ordenado (e belo). Seja e a existência da consciência. Seja h… a hipótese teísta _ de que existe um Deus. P(e|~h.k) é baixa _ é improvável que o mundo deva possuir precisamente o tipo de complexidade para a qual um repertório de conexões mente-corpo estaria equipado, sem alguma explicação… a regularidade em meio à complexidade clama por uma explicação… não parece absolutamente plausível supor que exista uma explicação científica deste fenômeno… por razões de simplicidade, a mais provável explicação pessoal é aquela em termos da atuação de Deus… porque tal explicação é em si mesma a o tipo mais simples de explicação pessoal…[43]

Também existem numerosas dificuldades com esta linha de argumentação. A principal dentre elas é sua vulnerabilidade à respostas análogas às do “Ônus da Prova”, “Invalidez” e “Obscuridade e Inadequação” apresentadas acima. Uma falha quase tão grave que a infesta é a imensa obscuridade envolvendo o tipo de explanações pessoais teístas para as correlações psicofísicas às quais Mackie alude na passagem citada acima.

Além disso, como o filósofo Quentin Smith sagazmente observou[44], também poderíamos simplesmente enunciar o h da fórmula de Swinburne (que é derivada do teorema de Bayes) como a hipótese de que “existe uma divindade predominantemente malévola” em vez de deixa-la representar o teísmo, isto é, a hipótese de que “existe uma divindade onibenevolente”. Assim, substituindo

h= existe uma divindade perfeitamente bondosa

por

h’= existe um deus predominantemente odioso

e então modificando a fórmula dada para que ela declare

P(e|h’.k)

chegaríamos à conclusão de que h’ é mais provável do que ~h’ (isto é, um deus predominantemente odioso é mais provável do que a hipótese de que não existe tal deus. Ergo, se aceitarmos a afirmação de Swinburne de que a consciência é improvável exceto sob intervenção divina, então podemos dizer de h’ exatamente o que Swinburne diz de h, a saber, que P(e|h’.k)>p(e|k). E embora certamente não exista qualquer razão que seja para supor que h’ possua melhorrespaldo empírico do que sua negação ( uma vez que não há qualquer razão para aceitar a afirmação de Swinburne), considerando-se a vasta quantidade de sofrimento (ostensivamente) gratuito e de mortes prematuras no mundo e a ausência de uma teodicéia satisfatória, existe toda razão para julga-la melhor apoiada por evidências empíricas do que h[45]. Colocado de outra maneira, à luz dos dados disponíveis, h’ é claramente mais provável a primeira vista do que h. (Obviamente, um deus predominantemente malévolo não desejaria menos um universo com vida inteligente do que um onibenevolente, já que a efetivação do mal moral não necessita menos da existência de vida inteligente do que a efetivação do bem moral; um ser não pode exercer sua malevolência sobre a matéria inanimada, mas sem dúvidas o pode sobre criaturas inteligentes sujeitos ao sofrimento e à morte prematura.) Por conseguinte, podemos razoavelmente asseverar que P(e/h’.k) > P(e/h.k).

Mas isto não soa paradoxal? Como poderia o mesmo corpo de evidências confirmar igualmente bem duas hipóteses incompatíveis? Como Quentin Smith explica:

Se isto parece paradoxal, é porque se está a confundir confirmação relativa (a qual estou expressando aqui por ‘confirmação’) com confirmação absoluta (para a qual devo utilizar a expressão ‘torna altamente provável’). O mesmo corpo de evidências não pode tornar altamente provável cada uma das duas hipóteses incompatíveis, mas pode aumentar a probabilidade de cada uma das duas hipóteses incompatíveis (isto é, tornar as duas hipóteses mais prováveis do que seriam sem as evidências).[46]

Desnecessário dizer, contudo, que tal implicação de sua fórmula não foi antecipada por Swinburne; e, na verdade, seus esforços em provar que h é mais provável que ~h utilizando essa fórmula mostraram-se infrutíferos.

Além disso, “h”  não precisa representar uma hipótese que postula a existência de qualquer divindade, benevolente ou não. Suponha, em vez disso, que ela expressasse o seguinte:

h”= existe uma espécie de extraterrestres extraordinariamente avançados intelectual e tecnologicamente que de alguma maneira (secretamente) dotaram os seres humanos de consciência.

Novamente, efetuando a substituição e a modificação apropriadas, podemos produzir a fórmula P(e/h”.k) e desta maneira chegarmos à conclusão de que P(e/h”.k) > P(e/h.k), a saber, que h” é mais provável do que h (isto é, que a hipótese de que existe uma espécie de alienígenas extraordinariamente avançados intelectual e tecnologicamente que de alguma maneira (secretamente) dotaram os seres humanos com consciência é mais provável do que a hipótese de que existe um deus perfeitamente bom). Uma vez que h” se equipara em escopo, simplicidade e fecundidade à h,  porque a primeira é indubitavelmente menos obscura (ou conceitualmente problemática) do que a última, parece razoável o bastante declarar h” explanatoriamente superior a h e assim (ainda que ligeiramente) a mais plausívl das duas hipóteses. Segue-se que P(e/h”.k) > P(e/h.k), ou, pelo menos, que P(e/h”.k) = P(e/h.k). Claramente, então, a fórmula de Swinburne não faz absolutamente nada para favorecer o caso do sobrenaturalismo, quanto mais do teísmo clássico.

Ademais, embora talvez algo plausível duas décadas atrás, a afirmação de Swuinburne de que os cientistas não podem vincular eventos mentais com estados neurofisiológicos tornou-se insustentável. Reconhecimedamente, devido à complexidade do cérebro e da dificuldade em observar processos num cérebro vivo, não é um tarefa simples. Não obstante, nos últimos anos tornou-se possível observar e mensurar certos processos mentais e os eventos químicos e elétricos correspondentes no cérebro. A localização de memórias de pensamentos específicos tem sido determinada, e o progresso nesse campo está se acelerando rapidamente (especialmente com o auxílio de tecnologias como os dispositivos de ressonância magnética), com descobertas importantes ocorrendo regularmente. Portanto, apesar de ainda não ser possível determinar com precisão as correlações entre alguns eventos mentais e estados neurofisiológicos, mesmo assim é praticamente indiscutível que elas de fato existem. Analogamente, embora não sejamos ainda capazes de compreender plenamente todas as interações complexas que ocorrem entre os padrões climáticos globais, seria absurdo declarar que essas interações não ocorrem realmente. Por exemplo, apenas porque não podemos prever com muita (se é que com qualquer) precisão o comportamento de um ciclone, dificilmente deveríamos asseverar que inexistem regularidades meterológicas que governam esse comportamento, e que é impossível que um dias venhamos a descobri-los. De maneira similar, não podemos pressupor que apenas porque os cientistas ainda não são capazes de identificar todas as correlações entre eventos mentais e estados neurofisiólogicos, estas correlações inexistem. Na verdade, a gama de correlações mente-cérebro já estabelecidas é mais do que suficiente para apoiar a argumentação de que tais correlações existem mesmo nos casos em que elas não são prontamente discerníveis.

Mais ainda, a afirmação de Swinburne de que “é improvável que o mundo deva possuir precisamente o tipo de complexidade para o qual um repertório de conexões mente-corpo estaria equipado, sem alguma explicação” padece tanto de uma certa indefinição própria quanto de uma (implícita) suposição infundada. Em relação à indefinição, ela surge de sua menção à “complexidade”, um assunto que certamente comporta uma considerável carga de subjetividade: o que uma pessoa considera complexo outra pode muito bem considerar bastante simples (e vice-versa), e parece não haver procedimento objetivo pelo qual qualquer delas possa provar que a outra está enganada. Em relação à suposição, é uma à qual me referi antes, a saber, que o fenômeno em questão (isto é, a maneira peculiar pela qual a mente e o cérebro interagem, assumindo que eles de alguma maneira o fazem) deve possuir alguma explicação. Entretanto, como foi explicado acima, esse simplesmente não é o caso, pois pode muito bem ser que esse fenômeno seja exatamente um fato bruto da mesma maneira que o comportamento acausal das partículas subatômicas e dos núcleos atômicos parece ser. No mínimo, Swinburne não considera esta possibilidade, o que ele muito seguramente deveria fazer.

Outra objeção possível ao argumento de Swinburne acima é que vários filósofos, incluindo teístas eminentes, rejeitam incondicionalmente a noção de que qualquer hipótese possua qualquer probabilidade a priori que seja. Outros simplesmente negam que o teísmo e o naturalismo em particular possuam probabilidades intrínsecas, a priori. Um exemplo dos primeiros é o metafísico cristão Alvin Plantinga, que rejeita a idéia de que hipóteses podem ter probabilidades puramente a priori[47]. Um exemplo dos últimos é o teólogo e filósofo cristão John Hick, que considera o teísmo e o naturalismo visões de mundo exaustivas, que a tudo englobam, e que, em virtude de sua abraangência, impedem a existência de padrões neutros sobre os quais possam ser ponderadas suas probabilidades relativas[48]. Swinburne fracassa em lidar adequadamente com tais objeções.

Algo também precisa ser dito sobre a declaração de Swinburne de que “por razões de simplicidade, a mais provável explicação pessoal é aquela nos termos da atuação de Deus… porque tal explicação é em si mesma o mais simples tipo de explicação pessoal.” Primeiro, como indicadoo na seção 7.65 acima, devido à obscuridade colossal que aflige a própria “Hipótese de Deus” , não é absolutamente claro, apesar de tudo o que Swinburne diz, que essa hipótese realmente constitua qualquer explicação que seja. Além disso, ainda que fosse o caso de essa ser “em si mesma o tipo mais simples de explicação pessoal”, não a vejo como a explicação mais simples de um modo geral. Na verdade, postular a existência de uma entidade aparentemente supérflua (por exemplo, Deus) viola o princípio de parcimônia independentemente de quão bem a entidade possa se encaixar em algum arcabouço alegadamente explanatório dentro do qual ocorra de alguém equivocadamente operar. E claramente, em vista de tudo o que foi dito, pode ser razoavelmente reconhecido que nenhuma entidade semelhante precisa ser postulada a fim de explicar adequadamente a consciência humana. Portanto, postular qualquer entidade similar na verdade exigiria desprezar a parcimônia, donde resulta que a alegação de Swinburne é errônea.

Finalmente, independentemente do ACH ( seja a versão particular de Swinburne ou qualquer outra), não existem boas evidências objetivas de que Deus existe. Nenhum dos argumentos teístas que tem sido apresentados em arenas públicas é realmente bom[49]. Reciprocamente, existem dúzias de argumentos ateológicos que ainda esperam por ser definitivamente refutados, mais notavelmente o Argumento Probabilístico do Mal, os Argumentos da Descrença e da Confusão de Drange, e os variados Argumentos da Incoerência[50].

Como deveria estar indiscutivelmente evidente a esta altura, a premissa (B) do ACH é absolutamente sem valor. E, em qualquer caso, o ACH é inválido, como foi mostrado na seção 7.64 acima. Portanto, o argumento colapsa, levando a premissa (a) da OACH e por conseguinte o próprio argumento abaixo com ela.

Consequentemente, O2, exposta acima, é um fracasso[51].

7.7 A Objeção das Outras Mentes (OOM) Formulada e Refutada

A OOM pode ser formulada assim:

(A) De acordo com a TDC, mentes humanas não podem existir a menos que cérebros também existam.

(B) Entretanto, é possível que mentes humanas representem apenas um conjunto de uma classe inteira de mentes, sendo que alguns dos conjuntos desta classe podem consistir de mentes que podem existir na ausência de cérebros (isto é, de maneira incorpórea).

(C) Portanto, é possível que a premissa (2) do AMI e do API seja falsa.

(D) Assim, é possível que tanto o AMI quanto o API sejam argumentos não-sólidos.

A resposta mais óbvia à OOM é que ela é inaplicável ao AMI e ao API, uma vez que estes são apenas argumentos probabilísticos e como tais pretendem apenas mostrar que há boas razões para aceitar suas conclusões. Isto é, eles alegam que suas premissas são verdadeiras, mas de modo algum indubitáveis. Assim, objeções possibilistas tais como a OOM fracassam em debilita-los.

Mas suponha que o defensor da OOM levasse a objeção um passo adiante e, em vez de sua premissa (B), apresentasse a afirmação (substancialmente mais ousada) de que não somente é possível que exista alguma mente (ou conjunto de mentes) que não requeira nenhum cérebro para existir, mas que é provável que exista tal mente (ou conjunto de mentes); e portanto que é não somente possível que a segunda premissa do AMI e do API seja falsa (e consequentemente possível que ambos os argumentos sejam não-sólidos), mas que é provável que essa premissa seja falsa (e consequentemente provável que ambos os argumentos sejam não-sólidos). Se o defensor mencionado de fato realizar tal jogada, então a OOM se tornaria um argumento totalmente diferente, e recairia sobre seu defensor o ônus de provar a afirmação em questão. Como ele deveria proceder para ter a mínima chance de ser bem-sucedido é pouco claro. Contudo, parece provável que tal empreitada estaria condenada desde o princípio, uma vez que, pela própria natureza do caso, qualquer hipótese a que ele apelasse para apoiar sua afirmação seria puramente especulativa. Em constraste, a TDC é apoiada tanto por argumentos filósoficos cogentes quanto por dados científicos bem-estabelecidos. Por conseguinte, podemos concluir com segurança que mesmo esta forma mais audaciosa da OOM não representa nenhuma ameaça digna de consideração à segunda premissa do AMI e do API.

Portanto, O3, exposta acima, é um fracasso.

8. Recapitulação

Na seção 2, mostrei que os resultados de trabalhos nos campos da neurofisiologia e da filosofia da mente conferem um forte respaldo tanto para a Teoria da Dependência Cerebral quando para o Materialismo Estrito, citando vários especialistas naqueles campos de forma a corroborar essa afirmação.

Na seção 6, defendi a primeira premissa do API, apresentando o que considero ser um caso convincente de que a (provável) impossibilidade de um pós-vida incorpóreo pode ser legitimamente invocada como um fundamento sobre o qual pode-se construir um argumento ateológico sólido: como a maioria dos teístas acredita que  existência de Deus e a existência de um pós-vida estão indissociavelmente vinculados um ao outro, a inexistência do último, colocada além de qualquer dúvida razoável pelo AMI, implica a falsidade da crença da  maioria dos teístas, pelo menos (isto é, na medida em que esses teístas subscrevem à existência de uma divindade cujas propriedades essenciais incluem ter dotado a humanidade com um pós-vida, o AMI refuta seu gênero particular de teísmo em virtude de demonstrar que provavelmente a sobrevivência à morte dedutível é impossível, do que resulta que provavelmente tal divindade não existe); e, além disso, que porque a existência de um pós-vida é indispensável à uma cosmovisão teísta clássica, pode-se argumentar convincentemente que, considerando-se a inexistência de um pós-vida, essa visão de mundo é propriamente infundada.

Nas seções 7.1 a 7.5, eu primeiro expus e então passei a refutar a primeira de três objeções (O1-O3 acima) à segunda premissa do AMI e do API, mostrando serem falaciosas as afirmações de que existe alguma forma de evidência empírica para um pós-vida ( o que seria contraevidência para aquela premissa) que a invalidasse completamente. Como vimos nessas seções, todos os quatro fenômenos parapsicológicos examinados podem ser explicados naturalisticamente e, ergo, nenhum deles constitui qualquer prova que seja para a plausibilidade seja das mentes incorpóreas, seja do pós-vida incorpóreo.

Nas seções 7.61 a 7.66, eu primeiro expus e então passei a refutar a segunda das três objeções supracitadas à segunda premissa tanto do AMI quando do API, apresentando quatro respostas ao ACH com as quais eu tanto ataquei sua premissa (B) quanto expus sua invalidez, desta forma demonstrando sua falta de solidez (e portanto a da própria OACH). Como foi sobejamente demonstrado, não somente é o teísta incapaz de provar que a consciência humana é de alguma maneira improvável (menos ainda impossível) sob o pressuposto ateísta (ou naturalista), como também é incapaz de sequer justificar as seguintes afirmações:

(i) somente o Deus do teísmo clássico poderia ter originado a consciência humana, e

(ii) o Deus do teísmo clássico (especialmente quando visto como um ser transcendente) poderia, de fato, originar esse fenômeno.

Além disso, nenhum teísta ainda resolveu satisfatoriamente nem o problema conceitual de como um ser que existe fora do espaço e do tempo supostamente realizou qualquer ato ou concebeu qualquer pensamento (ambos os quais, por definição, envolvem o tempo) nem a dificuldade empírica sobre exatamente como Deus (transcendente ou não) teria realizado a proeza em questão (isto é, como, exatamente, ele procedeu ao dotar os seres humanos de consciência). Inválido, não-sólido e explanatoriamente irrelevante, o ACH é um nítido fracasso.

Na seção 7.7 eu primeiro expus e então passei a refutar a terceira das três objeções supracitadas à segunda premissa do AMI e do API, demonstrando que a OOM é patentemnte indefensável, já que simplesmente não há o menor traço de evidência para qualquer mente ou conjunto de mentes que podem existir na ausência de cérebros, ao passo que a TDC é largamente justificada tanto em bases científicas quanto filosóficas.

Em conformidade, concluo que tanto o Argumento da Mente Incorpórea quanto o Argumento do Pós-Vida Incorpóreo constituem poderosos argumentos probabilísticos para a inexistência de Deus[52].

Notas

1. T. H. Huxley, “On the Hypothesis that Animals are Automata, and its History” (1874), The Fortnightly Review, n.s.16:555-580. Republicado em Method and Results: Essays by Thomas H. Huxley (New York: D. Appleton and Company, 1898).

2. Theodore M. Drange, Nonbelief & Evil: Two Arguments for the Nonexistence of God (Amherst, N.Y.: Prometheus Books, 1998), p. 375.

3. Ibid., 375.

4. Jacques P. Thiroux, Philosophy: Theory and Practice (N.Y.: Macmillan Publishing Company, 1985), p. 87.

5. J.J.C. Smart, “Materialism,” Journal of Philosophy, 22 (October 1963), p. 660.

6. Daniel C. Dennett, “Consciousness in Human and Robot Minds,” (http://ase.tufts.edu/cogstud/papers/concrobt.htm).

7. Michael Tooley, “Opening Statement” in William Lane Craig and Michael Tooley debate, “Does God Exist?” (http://www.leaderu.com/offices/billcraig/docs/craig-tooley2.html>, 1994).

8. Keith Augustine, O caso contra a imortalidade.

9. Gostaria de sublinhar que meus argumentos são meramente probabilísticos, ou seja, não afirmo que eles sejam argumentos dedutivamente válidos (ou conclusivos), mas, em vez disso, apenas afirmo que as inferências a partir de suas premissas (1)-(3) para suas etapas (4) e (5) são de um tipo indutivo forte.

10. Suponha que “mente” seja substituído por “ente”. O AMI preservaria sua solidez? Eu certamente pensaria que sim, pois até onde sabemos, um ser pode consistir no máximo de dois constituintes: matéria e mente. (Em relação a “almas” veja a seção 7.1 acima) E uma vez que, como demonstrado na seção 2, mentes não podem existir separadas da matéria (isto é, cérebros), todo ser consciente deve possuir um apêndice físico (isto é, um cérebro). Em relação à possibilidade de que Deus talvez possua algum apêndice físico (e portanto seja ele próprio ao menos parcialmente físico), duas considerações devem ser feitas: primeiro, praticamente nenhum teísta concebe Deus dotado de qualquer apêndice do tipo (físico), de forma que a questão é altamente controversa; e segundo, como uma divindade, por definição, difere dos humanos não apenas em grau como também em natureza, a noção de Deus como um ser (parcialmente) corpóreo não somente diverge radicalmente do uso ordinário do termo, pouco se assemelhando ao que aproximadamente todos os teístas   por ele significam, como também falha em apreender a essência da própria definição supracitada.

11. Isto pode ser visto como um tipo de definição estipulativa (ou seja, para os propósitos deste ensaio) de “Deus”, que poderia ser enunciada assim: “Deus = ” um ser que (entre outras coisas) dotou a humanidade com um pós-vida incorpóreo”.  Se um teísta (por exemplo, uma Testemunha de Jeová) rejeitar esta definição estipulativa, deve-se reconhecer que o API é inaplicável a seu conceito particular de Deus, e portanto a seu tipo particular de teísmo (provavelmente genérico).

12. Veja, especialmente, o livro de Michael Shermer, How We Believe: The Search for God in an Age of Science (New York, N.Y.: W.H. Freeman and Company, 2000), pp. 22-23, 251.

13. A.J. Mattill, Jr., The Seven Mighty Blows to Traditional Beliefs (The Flatwoods Free Press: Gordo, Alabama, 1995), p. 53.

14. Paul Kurtz, “The New Paranatural Paradigm: Claims of Communicating with the Dead,” Skeptical Inquirer, Vol. 24, No. 6 (November/December 2000), p. 28.

15. Drange, p. 371.

16. Michael Martin, Problems With Heaven.

17. C.D. Broad, “On Survival Without a Body” (Immortality, Paul Edwards [editor], New York: Macmillan, 1992), p. 278. Veja também Keith Augustine, O caso contra a imortalidade. Augustine apresenta diversos argumentos filósoficos cogentes contra a possibilidade empírica e conceitual de um pós-vida incorpóreo neste excelente artigo.

18. Drange, p. 376.

19.Augustine, O caso contra a Imortalidade.

20. Michael Shermer, Why People Believe Weird Things: Pseudoscience, Superstition, and Other Confusions of Our Time (New York, N.Y.: W.H. Freeman and Company, 1997), p. 80.

21. Ibid., pp. 81-82.

22. Augustine, O caso contra a Imortalidade.

23.Ibid.

24.Ibid.

25. Shermer, pp. 80-81.

26. Drange, pp. 368, 377

27. Augustine, O caso contra a Imortalidade.

28. Shermer, p. 33.

29. Augustine, O caso contra a Imortalidade.

30. Michael Martin, Atheism: A Philosophical Justification (Philadelphia: Temple University Press, 1990), pp. 449-450.

31. Drange, p. 377.

32.  Não afirmo que esta seja uma formulação precisa do argumento da consciência de Swinburne per se. Em vez disso, ela constitui meramente minha tentativa de construir uargumento que represente acuradamente uma forma mais genérica do argumento de Swinburne, isto é, qualquer argumento que parta da premissa de que, dado o ateísmo (ou naturalismo), a consciência humana é ou improvável ou impossível.

33. Veja Drange, Atheism, Agnosticism, Noncognitivism.

34. Drange, Writings Regarding the Bible (1998), p. 103.

35. Drange, The Drange-Wilson Debate: Dr. Drange’s First Rebuttal.

36. Martin, pp. 218-219.

37. Ibid., p. 220.

38.  J.L. Mackie, The Miracle of Theism (Oxford: Clarendon Press, 1982), pp. 130-131.

39. Richard Swinburne, Is There a God? (New York, N.Y.: Oxford University Press, 1996), p. 89.

40. Ibid., p. 39.

41. Swinburne, The Existence of God (New York, N.Y.: Oxford University Press, 1979), p. 166.

42. Ao passo que mais tarde, em seu livro de 1996, Swinburne faz uma tentativa pífia de defender dois argumentos dualistas comuns (a saber, o que apela ao assim chamado “acesso privilegiado” que uma pessoa tem a seus estados mentais; e o argumento do transplante hipótetico de cérebros), ambos argumentos bastante controversos e cujas premissas principais são vulneráveis a desafios de materialistas estritos como Dennett. Presumi-los como verdadeiros (como Swinburne faz extensamente, argumentando em seu favor apenas de maneira rudimentar) é petição de princípio. Este também é o caso de seu argumento a partir das propriedades fenomenais (por exemplo, azul, dificuldade, cheiro de rosas), ao qual ele apela nas páginas 164-166 de sua obra mais ampla, The Existence of God.

43.  Swinburne, The Existence of God (New York, N.Y.: Oxford University Press, 1979), pp. 173-174.

44. Quentin Smith, “The Anthropic Coincidence, Evil, and the Disconfirmation of Theism

45. Veja, especialmente, Nonbelief & Evil: Two Arguments for the Nonexistence of God, de Drange

46. Smith, “The Anthropic Coincidence, Evil, and the Disconfirmation of Theism”

47. Alvin Plantinga, “The Probabilistic Argument from Evil,” Philosophical Studies, Vol. 35, #1 (1979).

48. John Hick, Arguments for the Existence of God (London: Macmillan, 1970), pp. 32-33.

49. Para refutações minuciosas dos argumentos teístas em questão, veja http://www.infidels.org/library/modern/theism/arguments.html

50. Para acessar este e outros argumentos ateológicos, veja http://www.infidels.org/library/modern/nontheism/atheism/arguments.html

51. Correndo o risco de chutar um cachorro morto, eu estaria sendo negligente se deixasse de mencionar a paródia potente e espirituosa que Michael Martin criou a partir do Argumento Transcendental para a existência de Deus (um argumento aparentado ao ACH) que ele chama de Argumento Transcendental para a Inexistência de Deus. Ele pode ser lido aqui.

52.Estou em débito com Theodore M. Drange, Jeffery Jay Lowder, Wes Morriston, e Keith Augustine por seus comentários úteis sobre rascunhos anteriores deste artigo.

*Steven J. conifer é presidente da Rationalists United for Secular Humanism (R.U.S.H.) na Marshall University em Huntington, West Virginia.

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Segue abaixo o primeiro de dois artigos que tentam demonstrar porque o argumento evolutivo contra o naturalismo, na formulação de Plantinga, é falho. Antes de passarmos ao artigo, gostaria de deixar minha opinião leiga sobre o argumento, minhas razões para, se não descarta-lo sumariamente como mais um dos inúmeros “sofismas e ilusões” dos quais a literatura teológica é um manancial inesgotável, ao menos manter uma forte suspeita de sua falta de solidez.

É verdade que nossas habilidades cognitivas dependem de nosso aparato neurológico, e que tal aparato foi produzido por um processo cego, mecânico, automático, não-direcionado e extremamente avaro que seleciona adaptações que incrementam, ou melhor, mantém o equilíbrio entre as pressões seletivas ambientais e a capacidade de sobrevivência e reprodução de um organismo. É razoável suspeitar que um processo dessa natureza possa produzir o que à primeira vista parece ser um dispositivo repleto de extravagâncias e acessórios de luxo como o cérebro humano e seu potencial para as artes, a tecnologia e o pensamento abstrato.  Não é imediatamente evidente a maneira pela qual habilidades cognitivas sofisticadas, capazes de produzir a Nona Sinfonia de Beethoven, o teto da Capela Sistina, Os portões do Inferno e a mecânica quântica possam ser o resultado de pressões exercidas pelo ambiente no qual ocorreu a maior parte da evolução de um cérebro que tinha que lidar com a satisfação de necessidades fisiológicas e instintivas práticas, imediatas e urgentes como escapar de predadores, obter alimentos e encontrar um parceiro sexual. Num cenário assim, na melhor das hipóteses, a evolução produziria um sistema neurossensorial que coletasse estritamente e interpretasse convenientemente informações acerca do ambiente relevantes para a satisfação das necessidades citadas. Há poucas dúvidas de que tal sistema seria um filtro extremamente restritivo para o fluxo de informações advindo do exterior, como hoje sabemos. Somos cegos e surdos para uma ampla faixa de freqüencias das ondas acústicas e eletromagnéticas que constituem os sons e a luz, respectivamente, e nossas representações mentais do mundo exterior são de uma simplicidade franciscana se comparadas à profusão de complexidades, sutilezas e minúcias cujo conhecimento é supérfluo para organismos com uma biologia como a nossa.

Por outro lado, considerando-se o arrocho econômico que a evolução darwiniana impõe aos organismos a ela submetidos, é ainda mais inconcebível uma maneira pela qual uma neurologia por ela produzida  representaria de forma tão extravagantemente incongruente como Plantinga supõe o ambiente no qual ela está inserida, e ainda assim obteria êxito na sobrevivência e na reprodução. Admito que é remotamente concebível que crenças falsas determinem comportamentos bem adaptados _ um exemplo fácil de como isso poderia ocorrer é o caso de um homem, digamos assim, esteticamente desfavorecido, mas que vê a si próprio como bastante atraente para o sexo oposto, e que em virtude de tal crença falsa a respeito de si é autoconfiante e audacioso ao abordar possíveis parceiras, o que termina por aumentar sua chance de deixar descendentes _ ainda mais se considerarmos que a fêmea da espécie humana, em geral, seleciona mais por atributos psicológicos do que físicos _  em relação a um outro sujeito dotado de boa aparência, mas extremamente autocrítico, retraído e tímido, o que termina por minimizar suas chances de se envolver num relacionamento satisfatório que culmine na geração de uma prole. Mas crenças falsas na escala em que Plantinga sugere? Crenças em sua maioria falsas? Uma crença falsa em relação a um determinado aspecto do mundo exterior pode até ser útil numa situação específica, mas em todos os conjuntos de circunstâncias possíveis que compreendam o aspecto em questão? Para continuar com o exemplo do feioso sem-noção, imaginem que esse sujeito se acha não somente atraente em geral para as mulheres, mas que também pense que pode ser bem-sucedido abordando mulheres casadas com o objetivo de engravida-las e deixar o sustento de sua prole ao cargo de outros homens; não me parece que tal sujeito teria uma expectativa de vida ou de reproduzir-se muito alta. Ao que parece sou menos otimista que Plantinga em relação às contingências de um cenário altamente competitivo como o darwiniano.

Passemos agora ao parecer técnico especializado.

O ataque de Alvin Plantinga contra a busca da verdade

por Matthew Waitkus*

O argumento evolucionista contra o naturalismo do Dr. Alvin Plantinga envolve a afirmação de que naturalismo e evolução são incompatíveis. Essa alegação é melhor refutada ao examinarmos quais fatores influenciam a estrutura e a funcionalidade de nossa neurologia, assim como a maneira como avaliamos a veracidade de nossas crenças. Será mostrado que o processo de evolução naturalista é tal que necessariamente cria uma neurologia confiável, capaz de manter crenças que, embora imperfeitas, podem ser consideradas genericamente confiáveis e sujeitas a um escrutínio adicional para determinar sua veracidade. É a probabilidade de verdade a posteriori, subsequente à testagem empírica, que determina se as crenças podem ser racionalmente mantidas, e não a probabilidade a priori associada a crenças baseadas em impressões individuais.

Segundo Plantinga, a teoria da evolução e o naturalismo metafísico são incompatíveis. Ele tenta apoiar esta alegação argumentando que, como existe a possibilidade de que nossas faculdades cognitivas não sejam confiáveis, não podemos presumir que nossas crenças sejam verdadeiras. Ele escreve:

“Não se pode aceitar racionalmente o naturalismo e a evolução, não se pode, racionalmente, ser um naturalista evolucionista. O problema … é que o naturalismo, ou o naturalismo evolucionista, parece conduzir a um ceticismo profundo e insidioso. Isso leva à conclusão de que nossas faculdades cognitivas ou produtoras de crenças _ memória, percepção, compreensão lógica, etc _ são falíveis, instáveis e duvidosas e não são dignas de confiança no que se refere à produção de crenças predominantemente verdadeiras.”

Segundo Plantinga, a posse de uma neurologia imperfeita impossibilita um indivíduo de possuir crenças majoritariamente verdadeiras. Seu argumento se baseia na afirmação de que uma neurologia moldada pela seleção natural é confiável apenas em termos de comportamento adaptativo, independentemente da veracidade das crenças que causam o comportamento. Plantinga oferece o seguinte exemplo:

Todas as suas crenças podem ser falsas, ridiculamente falsas; se seu comportamento é adaptativo, você vai sobreviver e se reproduzir. Considere um sapo sentado sobre uma vitória-régia. Uma mosca nos arredores, o sapo arremessa sua língua para capturá-la. Talvez a neurofisiologia que causa este comportamento também cause crenças. No que diz respeito a sobrevivência e a reprodução, tanto faz qual seja o conteúdo dessas crenças: se esta neurofisiologia adaptativa causa uma crença verdadeira (por exemplo, aquelas coisinhas pretas são boas para comer), ótimo. Mas se causa uma crença falsa (por exemplo, se eu pegar a coisinha preta certa, vou me transformar em um príncipe), isto também é bom.

Plantinga afirma que nossa neurologia é adaptada somente para a obtenção dos itens ambientais necessários para a sobrevivência e reprodução, e não para a produção de crenças verdadeiras. Por exemplo, seria razoável argumentar que a religião teria, num momento ou noutro, conferido uma vantagem reprodutiva a seus adeptos apesar de sua falsidade. Por isso, Plantinga afirma que seria despropositado supor que o comportamento adaptativo resulta necessariamente em crenças verdadeiras. Assim, todo o argumento para a incompatibilidade entre naturalismo e evolução baseia-se na veracidade da afirmação de que comportamentos adaptativos têm igual probabilidade de serem determinados por crenças verdadeiras ou falsas. Nesta base, Plantinga afirma que a combinação de naturalismo e evolução deve ser rejeitada em favor da combinação de teísmo e evolução porque na evolução teísta há uma maior probabilidade do processo resultar numa produção preponderante de crenças verdadeiras.

É correto descrever nossa neurologia como adaptativa. No entanto, o argumento de Plantinga falha porque não reconhece que o funcionamento de nossa neurologia depende do processo pelo qual é formada, e não do ponto de partida do processo. Em outras palavras, ambos os casos (teísmo vs. naturalismo) resultam em evolução adaptativa formada pela fidelidade com que os neurônios sensoriais traduzem informações químicas, energéticas e mecânicas em informação elétrica. Esta informação elétrica é posteriormente transmitida ao sistema nervoso central para a integração e formação de crenças que influenciam nosso comportamento. Simplesmente declarando o pressuposto de que Deus nos teria criado de maneira tal que poderíamos ter conhecimentos não é o bastante. Seria necessário demonstrar por que a escolha de Deus de um processo idêntico para moldar nossa neurologia resultaria numa diferente probabilidade a priori de crenças verdadeiras.

É importante notar que Plantinga nunca confessa explicitamente se acredita que a neurologia humana é confiável. O que ele realmente escreve é isto:

… mesmo que ele [Deus] tenha utilizado processos evolutivos para nos criar, ele presumivelmente quis que nos assemelhássemos a ele em sua capacidade de conhecer, mas então a maior parte do que acreditamos pode ser verdade mesmo que nossas mentes tenham se desenvolvido a partir das mentes de animais inferiores.

Plantinga presume que a evolução planejada por um Deus e a evolução por processos naturalistas, são diferentes de alguma forma. Ele não oferece nenhuma explicação sobre como os mesmos processos ocorrendo em igualdade de condições produzem resultados diferentes. A implicação é que se começarmos com Deus, em vez de uma explicação naturalista, a probabilidade de que uma crença seja verdadeira aumenta. Ao simplesmente parafrasear a crença cristã de que somos criados à imagem e semelhança de Deus, Plantinga não consegue nada em termos de demonstrar a maior probabilidade de crenças verdadeiras manifestadas por uma neurologia adaptativa evoluída sob supervisão divina.

Os processos que envolvem as interações entre o ambiente e o organismo são os mesmos para as condições de evolução teísta e evolução naturalista. São estes processos que determinam a estrutura e a função de nossa neurologia, e é nossa neurologia que determina nossos sistemas de crença. Consequentemente, o argumento de Plantinga é essencialmente sem sentido. Ele simplesmente afirma que se Deus for introduzido na explicação naturalista então ele pode usar a evolução naturalista para justificar pressupostos religiosos dogmáticos. Esta estratégia é tão desonesta quanto desleixada, pois introduz uma hipótese alternativa não-testável e infalseável numa explicação (evolução) deduzida pelo método científico. Este método faz com que seu grau de confiabilidade seja compatível com as evidências surgidas da avaliação de hipóteses testáveis e falsificáveis. Assim, quando Plantinga oferece uma alternativa não-testável e empiricamente irrefutável para a evolução naturalista, ele não está realmente oferecendo qualquer explicação. Em vez disso, a única coisa que Plantinga consegue é acoplar superstição religiosa à investigação racional. Dessa forma, Plantinga só dá mais um passo na construção de uma tautologia infinitamente expansível, onde até os métodos empíricos utilizados para avaliar as crenças são debilitados por um hábil ofuscamento da distinção entre ciência e superstição. Antes de examinar como podemos chegar a possuir crenças verdadeiras, vamos definir o que queremos dizer com os termos realidade, verdade (ou crença verdadeira), e neurologia. Quando falamos em realidade estamos nos referindo a nós mesmos e à energia, espaço e matéria exterior a nossas mentes. Verdade, ou crença verdadeira, é uma crença que seja consistente com a realidade como existe independentemente de nossas faculdades cognitivas. Por neurologia queremos dizer nossas faculdades cognitivas _ a ferramenta com a qual apreendemos a realidade exterior.

A evolução nos diz que nossos traços fenotípicos são transmitidos aos nossos descendentes ligeiramente modificados, e que a subsequente variabilidade na capacidade de sobrevivência da prole resulta numa mudança na freqüência gênica através do sucesso reprodutivo diferencial. Assim, então, o que determina a variabilidade na capacidade de sobrevivência? Os organismos precisam interagir com seu ambiente externo a fim de obter os recursos necessários para a sobrevivência e a reprodução. Comida, água, abrigo, evitar predadores e encontrar parceiros envolvem interações com uma realidade objetiva externa à neurofisiologia de um animal.

Como a sobrevivência e a reprodução dependem de nossa interação com a matéria e energia existentes além da nossa neurologia, é seguro concluir que nossa neurologia evoluiu de forma a produzir uma representação acurada da realidade exterior. Além disso, como a veracidade de nossas crenças só pode ser avaliada em termos de sua comparação com nosso ambiente externo, que outro processo de desenvolvimento produziria um método mais confiável para retratar a verdadeira realidade do que um processo evolutivo que interage diretamente com essa realidade externa (imagine fótons incidindo nos receptores da retina acoplados à proteína G, ou neurônios olfatórios)? Estas funções neurológicas fornecem informações diretamente do universo além do nosso corpo físico. Como a realidade externa que estimula nossa neurologia e a realidade externa com a qual comparamos nossas crenças para avaliar  sua veracidade são as mesmas, podemos razoavelmente concluir que a nossa neurologia é genericamente confiável, ainda que imperfeita, na produção de crenças sobre esta realidade (na pior das hipóteses, melhor do que os 50/50 que Plantinga alega).

A confusão criada por Plantinga baseia-se na afirmação de uma proposição cujo valor de verdade não seja posteriormente testado. Os seres humanos avaliam constantemente suas crenças em termos das evidências que as apóiam (por exemplo, é seguro atravessar a rua, a panela está quente, esta comida está estragada, etc?). No exemplo de Plantinga de sapos comendo moscas, ele afirma que eles poderiam comer moscas porque as moscas são boas para comer (crença verdadeira _ definido por Plantinga), ou porque a mosca certa poderia transformá-lo num príncipe (crença falsa/adaptativa). Agora, segundo Plantinga ambas as situações têm igual probabilidade de ocorrer no contexto do naturalismo evolutivo. Mesmo se isso fosse verdade, os humanos ainda têm a capacidade de avaliar e testar suas crenças de tal forma que nosso grau de confiança em sua veracidade seja compatível com a quantidade de evidências que as suportam. Consequentemente, mesmo se as proposições de crença tivessem uma probabilidade de verdade a priori de 1:1, evidências empíricas ainda nos permitiriam manter racionalmente conjuntos de crenças refinando a posteriori suas probabilidades de verdade. Tais evidências podem ser criadas por experimentos científicos controlados nos quais os pesquisadores testam uma única variável enquanto fazem apenas um número mínimo de suposições necessárias para conduzir os experimentos.

Será que Plantinga pensa que nossa neurologia é confiável? De sua declaração “se Deus criou o homem à sua imagem, então Deus nos criou de tal forma que pudéssemos conhecer as coisas”, podemos presumir que sim, ele pensa que nossa neurologia é confiável. É preocupante observar, no entanto, que todos os exemplos de Plantinga lidam com impressões individuais. Será que estamos a presumir que Plantinga considera impressões individuais dignas de confiança? Essa visão seria completamente contrária à posição da ciência moderna. Na ciência, assumimos que, embora nossa neurologia seja útil e capaz de experenciar a realidade externa, as impressões individuais são inerentemente falíveis e duvidosas. Portanto, nossa certeza deve estar fundamentada em experiências reprodutíveis, testáveis e falseáveis. Plantinga, por outro lado, diz que as impressões individuais são confiáveis porque são mantidas por pessoas feitas à imagem e semelhança de Deus. Sua visão não chega a causar surpresa uma vez que muitos fenômenos religiosos dependem fortemente de impressões individuais (os milagres, as relacionamentos com Deus, o significância emocional das cerimônias religiosas, orações respondidas, etc.). Será que Plantinga realmente gostaria de ver um mundo no qual sua opinião sobre a confiabilidade das crenças individuais seja universalmente aceita? Duvido muito.

O ponto importante é que podemos regular a força de nossa convicção de forma a compatibiliza-la com o volume de evidências empíricas disponíveis. A relação entre a convicção da verdade e a evidência disponível é o que nos permite manter crenças racionais apesar da imperfeição de nossa neurologia e da falibilidade das impressões individuais. A racionalidade das crenças, então, depende da testabilidade e refutabilidade das proposições. Em outras palavras, dada uma neurologia evoluída que pode confundir coincidência com causalidade, podemos fazer progressos rumo à verdade somente se as proposições forem testáveis e falsificáveis. Caso contrário, não poderemos gerar nenhuma evidência (não testável) ou estaremos diante de uma tautologia infinitamente expansível (irrefutável). A resposta de Plantinga para o problema de uma neurologia imperfeita não é um método de avaliação da veracidade de proposições neurologicamente baseadas. Em vez disso, Plantinga só consegue apresentar uma alternativa não-testável e irrefutável. Este acréscimo não representa nenhum progresso em direção à verdade. Ao contrário, impossibilita qualquer avanço em direção à verdade ao criar um obstáculo desnecessário e inamovível quando já dispomos de ferramentas para a busca da verdade.

Vimos que a confiabilidade da neurologia depende do processo evolutivo. Se esse processo é naturalista, ou se existe um Deus, o processo ainda depende de uma interação direta entre a neurologia do organismo que abriga o material genético e o ambiente externo. A relação dinâmica entre o ambiente e o organismo, bem como o papel desta relação na capacidade adaptativa do organismo, sugere que a nossa neurologia existe de tal maneira que representa com precisão a realidade exterior a ela. Além disso, na medida em que nossa neurologia é capaz de manter as falsas crenças, é também capaz de criar e compreender métodos empíricos para avaliar a veracidade das crenças manifestadas por nossa neurologia. No entanto, uma vez que essas crenças são uma manifestação consciente de uma neurologia que experiencia acuradamente a realidade, e a verdade é definida pelas comparações com a mesma realidade, podemos razoavelmente concluir que as crenças, embora longe da perfeição, são melhores do que o palpite de 50/50 de Plantinga.

Mais importante ainda, reconhecer-se dotado de uma neurologia imperfeita não impede um indivíduo de acreditar racionalmente em ambos o naturalismo e a evolução. Tal como acontece com todas as proposições, se um indivíduo pode criar uma maneira de testar essa proposição e oferecer uma condição falseável antes do teste, podem surgir evidências para determinar sua veracidade. É o arranjo da nossa convicção de verdade em harmonia com as evidências que serviram para apoiar a teoria da evolução. Se uma pessoa viesse a ter uma crença, a testasse centenas de vezes, sempre alcançasse resultados que a refutassem, e depois continuasse a manter a crença, então essa crença estaria sendo irracionalmente mantida. Por outro lado, se resultados que a contradissessem nunca fossem encontrados, então a pessoa pode razoavelmente manter a crença como sendo verdadeira. Tal é o caso com a evolução. Todas as evidências disponíveis, convergindo da paleontologia, da genética molecular, anatomia comparada, cosmologia, biogeografia, etc, indicam que a evolução é verdadeira. Assim, independentemente de quaisquer impressões individuais originais de neurologia adaptativa, o único posicionamento racional é aceitar a evolução.


*À época da redação deste artigo, Matthew Waitkus era estudante do terceiro ano de graduação  e membro da Sociedade Estudantil pelo Livre-Pensamento. Ele é graduado em Farmacologia pela Ohio State e estava em vias de adquirir seu Ph.D em biologia regulatória pela Cleveland State.

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