Feeds:
Posts
Comentários

Posts Tagged ‘Richard Carrier’

por Richard Carrier

David Hume certa vez queixou-se de que os moralistas haviam fracassado em definir qual relação lógica a palavra deve expressa. Mas ele jamais disse que não é possível deriva-la a partir de fatos naturais (essa é uma lenda contemporânea originada da leitura descontextualizada de suas palavras).[17] Mas ele observou corretamente que a única maneira de verificar se qualquer enunciado como “você deve fazer x” é verdadeiro é primeiro explicar qual é  exatamente o suposto significado atribuído ao termo “deve”. Foi subsequentemente demonstrado que esta palavra geralmente significa uma relação hipotética entre desejos e fins: o “imperativo hipotético” discutido na primeira parte desta série.[18] Mas isto foi considerado inadequado para fundamentar a moralidade, como se implicasse que a moralidade pudesse ser somente um exercício de auto-interesse. Assim, foi feita uma outra tentativa para definir um tipo diferente de relação denotada pelo termo “deve”, comumente chamada de “imperativo categórico”.

Mas o imperativo categórico ou não possui nenhum valor de verdade motivador ou simplesmente torna-se outra variedade de imperativo hipotético. Por exemplo, Immanuel Kant defendeu que a única razão para obedecermos a seus imperativos categóricos é que proceder assim irá nos trazer um grandioso senso de valor próprio, que com efeito deveríamos “nos manter constrangidos por certas leis a fim de encontrar exclusivamente em nossa própria pessoa um valor” que nos recompensa por todas as perdas sofridas ao obedece-las, pois “não existe ninguém, nem mesmo mais empedernido patife que não deseje ser também ele um homem de semelhante espírito“, embora somente através de uma vida moral seja possível alcançar esse “grandioso valor interno à sua própria pessoa“. Assim, Kant afirmou que um forte senso de valor próprio não é possível a um indivíduo imoral, mas algo natural para o moral; contudo, todos desejam tal coisa (acima de qualquer outra coisa); por conseguinte todos possuem uma razão suficiente para serem morais.[19] Ele nunca se deu conta de que por esse expediente havia reduzido seu sistema de imperativos categóricos inteiro a um único imperativo hipotético:

K= Sistema de Imperativos Categóricos Proposto por Kant
W= Experiência máxima de valor próprio proposta por Kant

1. Se você obedecer K, W acontecerá; e se você obedecer ~K, ~W acontecerá.
2. Quando racional e suficientemente esclarecido, você sempre desejará W mais do que ~W.
3. Se quando racional e plenamente esclarecido você sempre deseja W mais do que ~W (e se e somente se K, então W) então você deve obedecer K.
4. Portanto, você deve obedecer K.

A premissa 1 corresponde à declaração de Kant de que devemos “nos manter constrangidos por certas leis a fim de encontrarmos exclusivamente em nossa própria pessoa um senso de valor próprio“, e a premissa 2 corresponde à declaração de Kant de que “não existe ninguém, nem mesmo o mais empedernido patife, que não deseje ser também ele um homem de semelhante espírito” (e isso acima de qualquer outra coisa). E a conclusão somente segue se assumirmos a premissa 3 – que é uma mera definição da relação lógica constituinte de um imperativo hipotético, o único modo conhecido de derivar validamente sua conclusão a partir daquelas premissas.

As outras duas premissas são alegações factuais, e como tais são empiricamente testáveis pela ciência: podemos confirmar empiricamente se obedecer a K efetivamente causa W (e se tal não for o caso, a teoria moral de Kant, de que “devemos obedecer a K” é falsa, como até o próprio Kant reconheceu ao declarar que esta é a única razão que qualquer um teria para obedecer a K); e podemos confirmar empiricamente se W é realmente o que “ninguém, nem mesmo o patife mais empedernido, não deseja” ter, e de fato deseja a tal ponto que alcança-lo compensa até mesmo todas as perdas sofridas por obedecer a K. E se isso não for verdade, se W não é o que todos mais desejam – se as pessoas se contentam em continuar sem W se for possível obter alguma outra coisa em seu lugar, e elas continuariam a pensar assim mesmo quando plenamente cientes de todas as consequências que resultam de ambas ( de modo que a ignorância não é mais uma desculpa e assim não se pode dizer que elas estejam em erro) – então, mais uma vez, a teoria moral de Kant é falsa. Porque se não temos nenhuma razão suficiente para nos importarmos com W, então mesmo se K produzir W não temos nenhuma razão suficiente para nos importarmos com K. De fato, não teremos mais razão suficiente para obedecer a K do que a ~K ou a qualquer outro imperativo ou sistema de imperativos. A menos, é claro, que exista algum outro objetivo alcançável obedecendo a K que de fato queiramos mais do que a qualquer outra coisa. Mas não é provável que seja apenas uma “casualidade” que K seja mais eficaz para alcançar tal objetivo alternativo. Muito provavelmente algum outro sistema moral M será mais eficaz em alcança-lo (seja lá o que for que a ciência descubra empiricamente que efetivamente tenha esse resultado). E como então teremos uma razão motivadora suficiente para obedecermos a M, e nenhuma razão motivadora suficiente para obedecermos a K, não haverá nenhum sentido relevante em que “você deve obedecer a K” seja verdadeiro. Mas “você deve obedecer a M” será não somente verdadeiro, ele será empiricamente, verificavelmente verdadeiro. Com efeito, nessas circunstâncias M será o único sistema moral demonstravelmente verdadeiro.[20]

Assim como Kant, todos os filósofos morais tentam respaldar seus variados sistemas morais com afirmações factuais que são cientificamente testáveis. Ainda assim, raramente os filósofos se incomodam em testa-los – seja de modo informal, e menos ainda cientificamente. Portanto, na pior das hipóteses, eles devem concordar com um programa de pesquisas científico que teste as reais alegações factuais que eles fazem. Seria tão irracional fazer oposição a isto como seria opor-se a uma pesquisa científica sobre as causas das doenças meramente porque você prefere sua própria teoria das doenças em detrimento de qualquer outra que a ciência possa vir a descobrir ser efetivamente verdadeira. Mas devemos concluir ainda mais do que isto. Pois existem apenas dois tipos de teorias morais, seja na filosofia ou na religião: aqueles cuja conclusão (que seu sistema moral é “verdadeiro” no sentido de que é, factual e efetivamente, o que devemos fazer) validamente segue de premissas demonstravelmente verdadeiras, e aqueles cuja conclusão não segue. Todos os últimos são falsos (ou de qualquer maneira não possuem nenhuma reivindicação legítima de veracidade). Isso nos deixa com o primeiro tipo. Mas não existe nenhuma maneira conhecida para derivar validamente tal conclusão (sobre o que de fato devemos fazer) além de lançar mão de alguma premissa que estabeleça esse sistema moral como um imperativo hipotético, combinado com todas as premissas sobre motivações e consequências requeridas por esse expediente, que são todas fatos empíricos passíveis de descoberta científica.[21] O que nós realmente mais desejamos, e o que realmente será eficaz para sua obtenção, são questões de fato que não podem ser verdadeiramente respondidas dentro de um gabinete. Métodos empíricos devem ser empregados para determina-los e verifica-los. Somente a ciência dispõe das melhores ferramentas para esta tarefa.

Isto nos traz e volta à questão que num primeiro momento colocamos de lado: se imperativos morais realmente não passam de casos particulares de imperativos hipotéticos. Vários filósofos resistiram a esta conclusão e ainda o fazem. Mas ninguém jamais apresentou qualquer outra relação lógica identificável que possa sempre ser expressa por “deve” (ou qualquer outro termo ou frase semanticamente equivalente) que produza qualquer apelo à nossa obediência. Se alguém ainda quiser insistir que existe alguma outra relação que permite comprovar a veracidade relevante das proposições imperativas, deixemos que a demonstre. Mas mesmo isso não será suficiente: eles precisarão demonstrar também que pelo menos uma proposição imperativa carregando esse novo sentido é não somente capaz de ser verdadeira mas que realmente é verdadeira, e além disso, que é não somente verdadeira como ultrapassa M; isto é, que estaremos suficientemente motivados a obedecer este novo imperativo até mesmo quando ele contradiz M.[22] Caso contrário ele não apelará mais a nosso interesse do que qualquer outra coisa com a qual nos importemos menos do que com M. Sendo este o caso, tal imperativo não terá nenhuma pretensão relevante de ser a “verdadeira” moralidade – ou mesmo qualquer tipo de moralidade – em vez de apenas mais um imperativo mundano, já que um imperativo não se torna um imperativo moral apenas porque você diz que é. Se assim fosse, então toda e qualquer coisa seria moral meramente por declararmos que é. Existe apenas uma definição universalmente aceitável de “imperativo moral”, e esta definição diz que um imperativo moral é aquele que suplanta todos os outros imperativos. E esse não pode ser senão M.

Todas as tentativas de construir os assim chamados sistemas morais externalistas são por conseguinte apenas exercícios de ficção, nenhum sendo mais convincente do que qualquer outro selecionado aleatoriamente numa cartola. Somente sistemas morais “internalistas” vem com motivos suficientes para nis importamos com ele e assim preferirmos obedece-los do que a qualquer outro sistema moral concorrente (porque isso é o que distingue o internalismo do externalismo em primeiro lugar: um motivo intrínseco para obedece-lo). E somente um sistema assim pode ser verdadeiro. Porque se M alcança o que mais desejamos, então por definição não existe nenhum outro sistema que teremos razões motivadoras suficientes para preferir em detrimento de M.

Todos os outros sistemas (que não oferecem uma razão motivadora suficiente para nos importarmos com ele) são igualmente anódinos: nenhum que contradiga M possuirá qualquer apelo sobre nossa obediência que exceda o apelo de qualquer outro, e como tal eles se cancelam mutuamente, deixando M como a única coisa que realmente devemos fazer. E esta não é uma conclusão original. Bernard Williams (N.T.: considerado um dos, se não o maior, filósofo britânico das últimas décadas; autor de Shame and Necessity, um estudo da psicologia moral das tragédias gregas, entre outras coisas, baseado nas Palestras Sather que ministrou em 1989 _ perdoem-me por prolongar demais este parêntese, mas é importante dizer que um convite para ministrar estas prestigiosas palestras é o equivalente, no universo dos Estudos Clássicos, a ser laureado com um Nobel _ é considerado uma das mais importantes obras de filosofia dos últimos tempos) já provou que o externalismo deve ser ou incoerente ou apenas um retorno disfarçado do internalismo ou simplesmente falso no sentido de que não oferece nenhum motivo suficiente para sermos morais e é portanto suplantado por qualquer outro sistema que de fato fornece tal motivo.[23] Com efeito, os moralistas podem querer “chamar” seus sistemas externalistas “a verdadeira moralidade”, mas tal reivindicação é vazia porque ainda teremos uma razão melhor para fazermos outra coisa.[24]

Isto implica que a moralidade não pode ser senão um exercício de auto-interesse (e valores morais não podem realmente existir senão nas mentes das pessoas que os sustentam), mas, contrariando a preocupação popular, esse fato não constitui um fundamento inadequado para a moralidade. Pelo contrário, nenhum outro fundamento para a moralidade é sequer logicamente possível – uma vez que você defina “a verdadeira moralidade” como um sistema moral, existe uma razão suficientemente motivadora para obedece-la. E uma vez que, como uma questão de fato natural real, nunca obedeceremos a qualquer outro (a menos que sejamos irracionais ou ignorantes, mas mesmo então uma vez tornados racionais e esclarecidos não obedeceremos a nenhum outro), não existe nenhum outro tipo de “moralidade” que importe.[25] Em outras palavras, afirmar que por “moralidade” você quer dizer alguma coisa que devemos fazer mas para a qual não temos nenhuma razão suficientemente motivadora para preferirmos em detrimento de outras é simplesmente evitar a questão do que realmente devemos fazer.

Notas.

17. David Hume, “Of Morals”, em Treatise On Human Nature (1739), §3.1.1, onde ele declara apenas que os “sistemas de moralidade ordinários” fracassaram em estabelecer essa conexão, não que nenhum sistema jamais poderia; ao contrário, já na seção seguinte ele defende que pode – portanto, mesmo se você acreditar que sua teoria moral específica é incorreta, ainda é errado afirmar que ele declarou que uma redução dos valores aos fatos seja impossível.

18. Demonstrado extensivamente primeiro por Immanuel Kant em sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785); subsequentemente modernizado por Philippa Foot, “Morality as a System of Hypothetical Imperatives”, reproduzido em Moral Discourse and Practice: Some Philosophical Approaches, ed. Stephen Darwall, Allan Gibbard, e Peter Railton (Oxford: Oxford University Press, 1997) 313–22; e outros. Veja Carrier, Sense and Goodness, 331–35.

19. Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes ou Grundlegung zur Metaphysik der Sitten (1785) § 3.4 (paragrafação de Kant) ou § 4.454 (Royal Prussian Academy edition), 112–13 na segunda edição alemã de Kant (1786), ou 122 da tradução inglesa de H.J. Paton (New York: Harper Torchbooks, 1964); veja também Robert Wolff, The Autonomy of Reason: A Commentary on Kant’s Groundwork of the Metaphysic of Morals (New York: Harper & Row, 1973), 211 (§ 3.5). Desde então, a psicologia comprovou e revisou  consideravelmente a afirmação de Kant: veja Carrier, Sense and Goodness, 313–27.

20. Consequentemente alguém pode tentar remendar Kant propondo outras razões para obedecermos a K (por exemplo, retiradas da teoria dos jogos: que é contrário aos interesses de alguém promover, por exemplo, ações cuja universalização lhe trariam prejuízos), mas se isso for factualmente verdadeiro e suficientemente motivador, então é o mesmo que M; e na medida em que não é verdadeiro ou suficientemente motivador, então é superado por M. De qualquer maneira, somos deixados com M como o único sistema moral relevantemente verdadeiro. Similarmente, em Natural Goodness (New York: Oxford University Press, 2001), Philippa Foot revisou seu trabalho anterior propondo em seu lugar que um sistema de imperativos morais hipotéticos resulta sobretudo do desejo de sermos racionais (permitindo assim que pessoas irracionais jamais poderiam ser persuadidas), mas assim como com Kant, mesmo isso ainda é, no fundo, um imperativo hipotético (veja a nota 36).

21. Isto é efetivamente defendido por Stephen Darwall em sua própria demonstração de que os imperativos categóricos de Kant ou necessariamente reduzem-se a imperativos hipotéticos (como eu também mostrei) ou do contrário não possuem nenhum valor de verdade motivador: Stephen Darwall, “Kantian Practical Reason Defended,” Ethics 96, no. 1 (October 1985): 89–99. A partir dos princípios ali assumidos é óbvio que a mesma redução pode ser realizada sobre qualquer sistema moral. Inversamente, através de uma lei abraangente, todos os imperativos hipotéticos verdadeiros reduzem-se a um categórico: R. S. Downie, “The Hypothetical Imperative,” Mind 93 (October 1984): 481–90. Mas esse categórico também é, tautologicamente, um hipotético (que somos racionais e esclarecidos: veja a nota 36.).

22. Observe que qualquer anulador de M alternativo proposto não precisa ser empiricamente comprovado, precisa apenas ser comprovadamente verdadeiro por quaisquer meios que sejam suficientemente motivadores (portanto não estou pressupondo que somente imperativos empiricamente comprovados podem garantir nossa obediência preponderante – embora eu duvide seriamente que qualquer outra coisa possa, não é necessário presumir que não seja capaz).

23. Bernard Williams, “Internal and External Reasons,” in Moral Discourse and Practice, 363–71. Respaldado em Moral Psychology, 3:173–90 e 217–25. Na verdade, o externalismo reduz-se a uma ética descritiva, não a uma prescritiva.

24. Aqui está uma prova formal desta afirmação:

ARGUMENTO 1: SE EXISTE UM SISTEMA MORAL VERDADEIRO, É AQUELE PARA O QUAL POSSUÍMOS UMA RAZÃO SUFICIENTEMENTE MOTIVADORA PARA OBEDECERMOS ACIMA DE TODOS OS OUTROS

Definições:

m = um sistema moral

s = um sistema de imperativos que suplanta todos os outros imperativos

v = aquilo que devemos obedecer acima de todos os outros sistemas imperativos (sejam eles rotulados de morais ou não)

B = aquele que possuímos uma razão suficientemente motivadora para obedecermos acima de todos os outros sistemas imperativos

T = o sistema moral verdadeiro

M = o sistema moral que efetivamente devemos obedecer

Argumento:

1.1 Se existe m, então m é s.

1.2 Se m é s, então m é v.

1.3 v é B.

1.4 Portanto, se existe m, então m é B.

1.5 m é T se e somente se m é M.

1.6 M é B.

1.7 Portanto, m é B, e m é B se e somente se m é M; e m é M se e somente se m é T. (isto é, se 1.4, 1.5 e 1.6, então 1.7)

1.8 Portanto, T é B. (isto é, se 1.6 e 1.7, então 1.8).

1.9 Portanto, se existe m, então existe T. (isto é, se 1.4 e 1.8, então 1.9)

1.10 Portanto, se existe m, então existe T e B é T.

Conclusão: Se existe qualquer sistema moral, então aquele para o qual temos uma razão suficientemente motivadora para obedecermos sobre todos os outros sistemas imperativos é o verdadeiro sistema moral.

 25. Eis uma prova formal desta afirmação:

ARGUMENTO 2: QUE NÓS (REALMENTE) OBEDECEREMOS IMPERATIVOS HIPOTÉTICOS VERDADEIROS ACIMA DE TODOS OS OUTROS IMPERATIVOS QUANDO RACIONAIS E SUFICIENTEMENTE INFORMADOS

2.1 Por definição, para qualquer indivíduo, desejar uma coisa mais do que outra é preferir essa coisa em detrimento de outra (não importa por qual razão ou de que modo).

2.2 Portanto, para qualquer indivíduo, desejar uma coisa mais do que qualquer outra coisa (isto é, desejar essa coisa acima de tudo) é preferir essa coisa em detrimento de todas as outras coisas.

2.3 Por definição, todo indivíduo racional e suficientemente informado sempre escolherá o que preferir (quando ele de fato puder escolher).

2.4 Portanto, qualquer indivíduo racional e suficientemente informado que prefere uma coisa à outra sempre escolhe essa coisa e não a outra (se ele realmente puder escolher e não lhe for possível escolher ambas).

2.5  Portanto, qualquer indivíduo racional e suficientemente informado que prefere uma coisa a todas as outras sempre escolherá essa coisa (se ele realmente puder escolher).

2.6 Se quando racional e suficientemente informado você deseja X mais do que ~X, e você acredita que X ocorrerá somente se x é feito, então você desejará fazer x mais do que ~x.

2.7 Portanto, se quando racional e suficientemente informado você deseja fazer x mais do que ~x, então, por definição você prefere fazer x a ~x (por 2.1).

2.8 Portanto, se quando racional e suficientemente informado você prefere fazer x a ~x, por definição você sempre escolhe x (quando realmente pode escolher). [por 2.3 e 2.5]

2.9 Portanto, se quando racional e suficientemente informado você quer x (isto é, as consequências de x) mais do que ~x (isto é, as consequências de ~x), então por definição você sempre escolherá x (quando de fato puder escolher).

2.10 Se é sempre o caso que “se quando racional e suficientemente informado você quer x (isto é, as consequências de x) mais do que ~x (isto é, as consequências de ~x), então por definição você escolherá x“, então é sempre o caso que você obedecerá ao imperativo hipotético “se quando racional e suficientemente informado você quer X (isto é, as consequências de x) mais do que ~x (isto é, as consequências de ~x), então você deve escolher x“.

2.11 Portanto, é sempre o caso que você obedecerá ao imperativo hipotético “se quando racional e suficientemente informado você quer x (isto é, as consequências de x) mais do que ~x (isto é, as consequências de ~x), então você deve escolher x“. [por 2.9 e 2.10]

2.12 Portanto, você sempre obedecerá um imperativo hipotético em detrimento de todos os outros imperativos.


 

Read Full Post »

O FRACASSO DA MORALIDADE CRISTÃ

por Richard Carrier

A afirmação de que as pessoas só podem ser motivadas a serem morais por ameaças ou promessas de inferno ou paraíso (ou por qualquer outra alegação inverificável) na verdade implode a moralidade. Com efeito, de um modo triplo. Primeiro, ela permite que sistemas morais falsos proliferem e sejam adotados como verdadeiros, vinculando essas moralidades falsas às mesmas promessas e ameaças. É exatamente isso o que observamos. Supostamente, apenas um sistema moral pode ser verdadeiro, embora centenas de sistemas morais estejam vinculados exatamente à estas mesmas promessas.[12] Assim, por uma questão estatística, estas mesmas promessas são utilizadas muito mais para amparar falsas moralidades do que moralidades verdadeiras. E isso, segundo as regras de mensuração do êxito e do fracasso, é o pior desempenho que qualquer método poderia almejar. Portanto, o Cristianismo é maximamente fracassado na promoção da verdadeira moralidade. Somente se pudermos verificar a conexão entre uma moralidade e seus efeitos prometidos seremos capazes de descobrir a verdadeira moralidade. O Cristianismo não oferece nenhum meio confiável de fazer isso.

Segundo, exatamente porque a veracidade destas promessas não pode ser confirmada, elas não podem proporcionar nenhuma motivação real para ninguém. E mais uma vez as evidências mostram que de fato elas não o fazem, já que os crentes são tão imorais quanto os descrentes. Não há nenhuma prova de que o aperfeiçoamento  pessoal promovido pelo Cristianismo seja superior ao de qualquer outra filosofia humana e racional: vinculando a moralidade a promessas inverificáveis, o progresso moral se torna impossível, porque as pessoas não estão aprendendo as verdadeiras razões pelas quais deveriam ser morais, mas em vez disso elas acomodam-se às razões erradas para serem morais – nunca aprendendo a verdade, porque nunca procuram por ela, porque elas pensam equivocadamente que já a possuem (e  a maioria dos filósofos seculares caíram exatamente na mesma armadilha). Desse modo, o Cristianismo se torna mais eficaz em promover e sustentar várias formas de imoralidade do que de moralidade. A malignidade do Nazismo é o exemplo mais notório, que Hector Avalos demonstrou além de qualquer dúvida razoável ser um produto do Cristianismo.[13] Mas a América possui seu próprio pesadelo a assombrar-lhe a consciência, o apoio cristão ao sistema escravagista americano por mais de duzentos anos.

Pior ainda, as formas ingênuas de motivação moral cristã – ameaças vazias de tormentos no inferno e o suborno do paraíso – atrofiam o amadurecimento moral, assegurando que os crentes permaneçam emocionalmente infantis sem jamais alcançar o desenvolvimento cognitivo moral de verdadeiros adultos. Os psicólogos estabeleceram que adultos morais são morais não em virtude de ameaças vazias ou subornos (esse estágio do desenvolvimento moral é típico de crianças, não de adultos), mas porque elas se importam com o efeito que seu comportamento tem sobre si próprios e sobre os outros, encontrando sua recompensa (e sua punição) exatamente nessa realização. Em outras palavras, adultos maduros são bons porque são boas pessoas.[14] E assim sendo, elas não precisam de religião para convence-las a serem boas. Ser boas pessoas é o que elas já desejam ser. Em contraste, o Cristianismo ingênuo é um veículo perfeito para manipular massas de pessoas rumo a qualquer fim perverso para o qual um propósito cristão possa ser concebido. O Holocausto, a Inquisição, a escravidão anterior à Guerra Civil Americana e o genocídio dos índios americanos são os exemplos mais notórios. Mas a guerra (de qualquer tipo) é o exemplo mais comum, assim como (atualmente) o uso do Cristianismo para voltar o povo americano contra a ajuda aos pobres e torna-los favoráveis à promoção de políticas libertinas dos ricos (uma deturpação mais flagrante dos ensinamentos de Cristo dificilmente pode ser concebida, embora seja bem sucedida mesmo assim).[15]

Portanto, o Cristianismo fracassa como um fundamento para os valores morais, tanto na teoria como na prática.[16] Que tantos filósofos seculares tenham incorrido exatamente nos mesmos erros apenas prova meu ponto de que devemos parar de cometer esses erros e em vez disso atentarmos para os verdadeiros fatos do mundo. A verdadeira moralidade deve ser fundamentada em fatos empiricamente verificáveis. E a ciência por si só fornece o mais confiável método para determinar fatos empiricamente verificáveis.

Notas.

12. Isto é inerentemente óbvio para qualquer observador esclarecido do Cristianismo moderno (e de sua história), bem como de todas as outras religiões (que empregam exatamente as mesmas promessas e ameaças para fundamentar suas próprias moralidades), mas no caso do Cristianismo isto é suficientemente provado por diversos capítulos de The Christian Delusion combinados: David Eller, “The Cultures of Christianities,” 25–46, e “Christianity Does Not Provide the Basis for Morality,” 347–67; John Loftus, “What We’ve Got Here Is a Failure to Communicate,” 181–206; e Hector Avalos, “Yahweh Is a Moral Monster,” 209–36 (veja Richard Carrier, “The Will of God” em http://sites.google.com/site/thechristiandelusion/Home/the-will-of-god).

13. Hector Avalos, O Ateísmo Não Foi A Causa Do Holocausto.

14. Veja, por exemplo: Monika Keller, Wolfgang Edelstein, Christine Schmid, Fuxi Fang, Ge Fang, ““Reasoning about Responsibilities and Obligations in Close Relationships: A Comparison across Two Cultures,” Developmental Psychology 34, no. 4 (1998): 731–41; Nancy Eisenberg, Klaus Boehnke, Petra Schuler, Rainer K. Silbereisen, “The Development of Prosocial Behavior and Cognitions in German Children,” Journal of Cross-Cultural Psychology 16, no. 1 (Março de 1985): 69–82; e fontes e discussões em Sinnott-Armstrong, Moral Psychology, 3:297–370. Que teorias morais centradas no inferno na verdade se correlacionam com disfunções sociais, veja Gary Jensen, “Religious Cosmologies and Homicide Rates among Nations: A Closer Look,” Journal of Religion and Society 8 (2006): http://moses.creighton.edu/JRS/2006/2006–7.html.

15. Isto é satirizado de maneira irreverente porém acurada em “The Gospel Of Supply Side Jesus” em Al Franken, Lies and the Lying Liars Who Tell Them: A Fair and Balanced Look at the Right (New York: Dutton, 2003), 313–23 (cf. 213–16).  Alguns cristãos devotos proeminentes (incluindo católicos e evangélicos) documentaram os mesmos fatos com pesar: Ronald Sider, The Scandal of the Evangelical Conscience (Grand Rapids, MI: Baker, 2005); Garry Wills, What Jesus Meant (New York: Viking, 2006); Gregory Boyd, The Myth of a Christian Nation (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2007); e Robin Meyers, Why the Christian Right Is Wrong (San Francisco: Jossey-Bass, 2008).

16. Outros aspectos em que o Cristianismo prejudica o progresso moral incluem suas doutrinas centrais de que o seres humanos são inerentemente pecaminosos e portanto incapazes de sua própria reforma moral (portanto nada que eles façam por si próprios irá torna-los pessoas melhores) e que através de uma mera confissão de fé eles serão perdoados de todos os crimes não importa quais sejam (negando assim todos os incentivos morais que o Cristianismo supostamente forneceu em primeiro lugar): veja Evan Fales, “Satanic Verses: Moral Chaos in Holy Writ,” em Divine Evil? The Moral Character of the God of Abraham, ed. Michael Bergmann, Michael Murray, e Michael Rea (Oxford: Oxford University Press, 2011).

Read Full Post »

por Richard Carrier

A teoria moral cristã mais popular diz que é melhor sermos bons ou então arderemos eternamente no mármore do inferno, onde o fogo não se apaga e o verme nunca morre, mas se formos bons, viveremos eternamente no paraíso. Os intelectuais cristãos se exasperam com isto, mas apesar de suas lamúrias, esta é a visão mantida pelo grosso da cristandade. Teorias mais sofisticadas substituem “céu” e “inferno” por objetivos mais abstratos, tais como “é melhor que você seja bom ou Deus ficará desapontado com você”, ou “é melhor que você seja bom ou então você estará amesquinhando sua existência” e mais uma meia dúzia de outras coisas que foram propostas.[7] Mas todas equivalem à mesma coisa: um apelo a algo ruim que acontecerá se você não obedecer (e algo correspondentemente bom que acontecerá caso contrário), combinada com a hipótese de que você se importa com isso – não apenas se importa, mas se importa com isso acima de todas as outras coisas.

Portanto, todos os sistemas morais cristãos são redutíveis ao mesmo argumento:

1. Se você fizer x, A acontecerá; e se você fizer ~x, B acontecerá.
2. Sendo racional e suficientemente informado, você desejará A mais do que B.
3. Se sendo racional e suficientemente informado você desejará A mais do que B (e se B, então ~A; e A se e somente se x, então), então você deve fazer x.
4. Portanto, você deve fazer x.

Isto significa, para que a conclusão seja verdadeira, que é necessário que todas as três premissas sejam verdadeiras. A deve ser um fato empírico verdadeiro resultante da realização de x. B deve ser um fato empírico  resultante da realização de ~x. E deve ser um fato empírico verdadeiro que, quando racionais e esclarecidos, desejamos A mais do que B[8]. Também deve ser verdade que estes dois fatos implicam o que devemos fazer (3ª premissa), caso contrário declarar que a conclusão segue das premissas é um non sequitur, mesmo para um cristão (mais sobre isso adiante).

Se, por exemplo, Deus enviar para o inferno todos os que obedecem aos Dez Mandamentos, então a afirmação cristã “você deve obedecer aos Dez Mandamentos para não queimar no inferno” seria factualmente falsa, e portanto definitivamente não seria um enunciado moral verdadeiro. Igualmente, se Deus ficar efetivamente satisfeito se violarmos os Dez Mandamentos, ou se esta violação realmente valorizar nossa existência (ou [insira uma razão aqui], então a afirmação de que deveríamos obedecer aos Dez Mandamentos para não ofendermos a Deus ou depreciar nossa existência (ou seja lá o que for) é igualmente falsa. De modo que a moralidade cristã depende de suas afirmações de causa-e-efeito serem factualmente verdadeiras. Mas não há nenhuma evidência empírica de que qualquer daquelas afirmações seja verdadeira. Não há nada que nos indique que tipo de comportamento nos levará ao céu ou ao inferno. Não existem evidências empíricas sobre como Deus realmente se sente em relação a qualquer comportamento específico.[9] Não existem evidências empíricas da superioridade da moralidade cristã sobre várias outras alternativas não-cristãs solidamente argumentadas em produzir uma sociedade vicejante de pessoas felizes. Não existem nem mesmo evidências empíricas de que converter as pessoas ao Cristianismo as torna moralmente melhores – estatisticamente, quanto mais cristãos há numa sociedade, mais os problemas sociais se agravam, e não há casos registrados de um declínio abraangente e substancial (tudo o mais sendo igual).[10] Mesmo em termos de alcançar a felicidade e o bem estar pessoal, não existem evidências empíricas de que outros sistemas morais não realizem esse objetivo tão bem quanto ou até melhor do que a conversão ao Cristianismo[11]. Portanto, a moralidade cristã é totalmente não comprovada ou não comprovável. Portanto, não existem evidências que a respaldem mais do que a qualquer outra moralidade, ou mesmo a uma moralidade exatamente oposta – à parte de fatos inteiramente seculares que são visivelmente verdadeiros mesmo se o Cristianismo for falso.

O Cristianismo depende também de serem verdadeiras suas afirmações sobre os desejos humanos. Se, mesmo após esclarecermo-nos por completo, nós na verdade preferirmos arder eternamente no inferno, então não há nenhum sentido relevante em que “você deve ser bom se não quiser queimar no inferno” seja verdadeira. O mesmo vale para qualquer coisa que você substitua: se nós realmente preferirmos desagradar a Deus, ou realmente detestarmos nos sentir em paz com o mundo, ou realmente apreciarmos o amesquinhamento de nossa existência mais do que sua valorização, e todas as outras coisas, e ainda nos sentirmos dessa maneira mesmo após nos conscientizarmos de todas as consequências de cada alternativa, então nenhuma moralidade cristã é verdadeira (ao menos para nós). Mesmo se tivermos um conhecimento acurado do que Deus ordena, essas ordens não nos seriam mais imperativas do que as de qualquer outra pessoa, ou até mesmo as nossas próprias. Simplesmente não teríamos a mínima razão para nos importarmos com elas.

Podemos ficar o dia inteiro fabricando moralidades. Não temos nenhuma razão para obedecer a qualquer uma delas. No entanto, não existe nenhuma diferença entre um sistema moral cristão que não temos nenhum motivo para seguir, e qualquer sistema moral escolhido ao acaso. Nossos motivos para obedece-los são idênticos em cada caso, ou seja, identicamente ausentes. Não temos mais razões para obedecer a uma moralidade cristã não-motivante do que temos para obedecer à moralidade pitagórica (em que comer feijões é uma imoralidade grave) ou à moralidade judaica ortodoxa (em que atender a um telefonema no sábado é uma imoralidade grave). E se não há razão alguma para obedece-la, ela não é verdadeira em nenhum sentido significativo. Pode ser verdade que “Deus ordena x”, mas não será verdade que “Você deve fazer x”.

Esta é a razão pela qual o Cristianismo ingênuo é tão popular, em que céus e infernos eternos são invocados não apenas para criar um motivo, mas como se fossem os únicos motivos concebíveis – assim como assume-se que a perspectiva de não acreditar no céu ou no inferno acarreta um vertiginoso mergulho na mais despudorada devassidão (as evidências provam decisivamente o contrário, mas as crenças cristãs raramente enraízam-se na realidade – veja a nota 11). Mesmo teorias mais sofisticadas simplesmente substituem este motivo por algum outro  (tal como o amor de Deus, ou uma profunda preocupação com o que ele pensa de nós, ou um sentimento de “estar em paz com o mundo”, ou seja lá qual for o seu), sempre apelando no fim ao que nós supostamente desejamos acima de tudo, e,  portanto, desejando mais do que a qualquer outra coisa, poderíamos obte-lo agindo diferente. E no entanto, mais uma vez, se verdadeiramente desejarmos acima de tudo alguma outra coisa – se estivéssemos plenamente cientes de todas as consequências disso, e mesmo assim sempre preferirmos uma eternidade no inferno (ou seja lá qual for a ameaça) – então não haveria nenhum sentido significativo  em que “devemos” fazer qualquer coisa que os cristãos prescrevam. Suas declarações seriam simplesmente falsas – tão falsas quanto “você não deve comer feijões” ou “você não deve atender o telefone no sábado”.

De modo que todo e qualquer sistema moral cristão concebido ou deriva seu “deve” de algum “é”, ou então não faz nenhuma reivindicação de veracidade relevante. Entretanto, nenhum “é” do qual o Cristianismo deriva seus “deve’s” é empiricamente comprovável, exceto fatos que permaneceriam visivelmente verdadeiros mesmo se o Cristianismo for falso (tais como o efeito que o comportamento moral tem sobre nosso próprio bem-estar), e alegações factuais que são de uma falsidade efetivamente comprovável (tais como a de que a homossexualidade prejudica a felicidade humana ou causa danos mensuráveis à sociedade). O “é” do qual os cristãos tentam derivar seus “deve’s” é a mesma afirmação de fatos dupla que justifica qualquer outro imperativo, apenas entremeada com afirmações sobrenaturais: (1) uma afirmação sobre o que Deus é ou deseja ou fará (ou sobre como ele planejou o funcionamento do mundo, ou alguma outra coisa semelhante) e (2) uma afirmação sobre o que todos nós realmente desejamos – mais especificamente, a afirmação de que, quando racionais e suficientemente informados, desejamos as consequências da busca do objetivo acarretado por (1) mais do que as consequências de não busca-lo. Se a última for falsa (se não desejarmos este resultado mais do que o outro), então o sistema moral cristão construído sobre ela também é. O caso é o mesmo  se o comportamento prescrito não produzir as consequências acarretadas por (1). E os cristãos nunca comprovaram a eficácia de sua moralidade. Portanto, independente do que já podemos justificar sem ela, a moralidade cristã não possui fundamento algum e nada que a recomende em detrimento de qualquer outra.

Notas.

7. Para um levantamento de todas as razões que o filósofo J. P. Moreland poderia pensar (que razoavelmente abraange quase todas as razões dignas de crédito que há para se considerar), veja Carrier, Sense and Goodness, 293-311.

8. Por racional eu não quero dizer nada além de derivar conclusões de premissas  com validade lógica (ou seja, sem falácias). E por irracional eu não entendo nada além de não-racional.

9. Apesar das afirmações em contrário falaciosas ou sem fundamentos empíricos, conforme demonstrado em The Christian Delusion, e na bibliografia ali citada, e em outros capítulos do presente volume.

10. Ou seja, quando todos os indicadores são comparados, não há diferença líquida significativa entre sociedades comparáveis (por exemplo, as taxas de roubos na Austrália são mais altas que no EUA mas a taxa global de crimes na Austrália é bem menor, e a taxa de crimes na Rússia é mais alta que a dos EUA mas as condições sociais não são equivalentes). Veja, Gregory Paul, “The Chronic Dependence of Popular Religiosity upon Dysfunctional Psychosociological Conditions,” Evolutionary Psychology 7, no. 3 (2009): 398–441, e “Cross-National Correlations of Quantifiable Societal Health with Popular Religiosity and Secularism in the Prosperous Democracies: A First Look,” Journal of Religion and Society 7 (2005): http://moses.creighton.edu/JRS/2005/2005–11.html; Phil Zuckerman, Society without God: What the Least Religious Nations Can Tell Us about Contentment (New York: New York University Press, 2008); Pippa Norris and Ronald Inglehart, Sacred and Secular: Religion and Politics Worldwide (Cambridge: Cambridge University Press, 2004); Michael Shermer, The Science of Good and Evil (New York: Times Books, 2004), 235–36. Afirmações em contrário geralmente são fraudulentas, cf., e.g., Carrier, Sense and Goodness, 303–308.

11. Por exemplo, veja Ronald Inglehart, Roberto Foa, Christopher Peterson, e Christian Welzel, “Development, Freedom, and Rising Happiness,” Perspectives on Psychological Science 3, no. 4 (2008): 264–85. Quando combinado com as evidências levantadas na nota anterior, este estudo estabelece que não há evidências de que o crescimento do ateísmo leva a qualquer declínio na moralidade ou na felicidade.

Read Full Post »

Autor: Richard Carrier, PhD

Fonte: The End Of Christianity, págs. 333-364, (John W. Loftus, ed., Prometheus Books, 2011)

Tradução: Gilmar Pereira dos Santos

Afirma-se que se nenhuma religião for verdadeira, não há razão alguma para sermos morais. Muito pelo contrário, na verdade somente fatos empiricamente confirmáveis podem constituir uma razão válida para sermos morais, e no entanto nenhuma religião fornece um único destes fatos. Como somente fatos naturais observáveis podem fornecer alguma razão suficiente para sermos morais – a religião é ou irrelevante ou na verdade nociva para o progresso moral da sociedade ao motivar as pessoas a adotar falsas moralidades ou ao impedir que elas descubram as verdadeiras razões para serem morais. Será demonstrado aqui que existem fatos naturais mostrando que todos se beneficiarão da adoção de certas atitudes e comportamentos morais, que a ciência poderia demonstrar isto se empreendesse o programa de pesquisas adequado, e que consequentemente o Cristianismo é ou irrelevante ou um obstáculo para uma crença moral genuína.[1]

Para alcançar estas conclusões, primeiro me livrarei do problema do “é-deve”. Em seguida analisarei a lógica da moralidade cristã, mostrando como ela na verdade deriva um “deve” de um “é”, mas então provarei que ela constrói esta conexão tão precariamente que deve ser considerada uma moralidade filosoficamente deficiente. Depois, mostrarei como filósofos seculares como Kant e Hume derivam um “deve” de um “é”, revelando paralelos com a tentativa cristã que implicam uma definição universal do que todos devemos entender quando indagamos o que nós devemos fazer moralmente, que por sua vez implica que “o que devemos fazer moralmente” é algo passível de descoberta empírica. A essa altura, abordarei temores irracionais bastante comuns do que pode acontecer se permitirmos que conclusões morais sejam empiricamente refutáveis (e empiricamente confirmáveis), revelando as conexões apropriadas entre fatos científicos e fatos morais. Então demonstrarei que certos fatos morais necessariamente existem, e são necessariamente passíveis de descoberta empírica, sendo verdadeiros para qualquer indivíduo dado. Em seguida expandirei a análise para mostrar que pelo menos alguns destes fatos morais são moralmente universais, e portanto verdadeiros para todos os seres humanos. Então sumarizarei todas estas conclusões e o que elas implicam. Finalmente, um apêndice para este capítulo contém provas dedutivas formais de cada uma destas conclusões, demonstrando cabalmente que elas são necessariamente verdadeiras.

OBTENDO UM “DEVE” A PARTIR DE UM “É”

É uma declaração a priori bastante comum que “você não pode obter um ‘deve’ a partir de um ‘é'”, e que portanto é impossível que a ciência seja capaz de descobrir fatos morais. Isto às vezes é chamado de “falácia naturalista”. Mas chamar isto de falácia é em si uma falácia. Com efeito, é não apenas ilógico, como demonstravelmente falso. Obtemos um “deve” de um “é” o tempo todo. De fato, esta é absolutamente a única maneira conhecida de se obter um “deve”.

Por exemplo, “Se você deseja que seu carro funcione bem, então você deve trocar o óleo regularmente.” Isto implica um enunciado imperativo (“você deve trocar o óleo de seu carro regularmente”), que é factualmente verdadeiro independente de opiniões e crenças humanas. Isto é, independentemente do que eu acho ou sinto ou acredito, se quero que meu carro funcione direitinho, eu ainda preciso trocar seu óleo regularmente.[2]. Isto segue necessariamente dos fatos materiais do universo (tais como as leis da mecânica, da termodinâmica, do atrito e dos fatos históricos da engenharia automotiva contemporânea). Por conseguinte, isso deve ser empiricamente detectável (ou resultar necessariamente de premissas que foram descobertas empiricamente), e a ciência é capaz de fazer tais descobertas empíricas. Com efeito, a ciência tem confirmado extensivamente ser o modo mais confiável de se fazer e verificar tais descobertas (se não o único modo em alguns casos).[3]

Existem inúmeros fatos imperativos verdadeiros como este que a ciência pode descobrir e confirmar, e que a ciência muitas vezes descobriu e confirmou, desde “Se deseja salvar a vida de um paciente em quem está realizando uma cirurgia, você deve esterilizar seus instrumentos” até “Se você deseja construir uma ponte durável, você não deve empregar concreto de má qualidade”. O desejo de fazer estas coisas (dos engenheiros de construir pontes duráveis, dos médicos de salvar as vidas dos paciente submetidos a cirurgias, dos motoristas de manter seus carros em bom funcionamento) é um fato objetivo do mundo que a ciência pode descobrir e verificar empiricamente (há tempos a psicologia e a sociologia estudam rotineiramente o que é que as pessoas  realmente desejam e quando e por quê).[4] E a conexão causal entre comportamento e resultado (entre esterilizar instrumentos e salvar vidas, emprego de materiais de baixa qualidade e o desabamento de pontes, ou motores negligenciados funcionarem precariamente ou pifarem completamente) é um fato objetivo do mundo que a ciência também pode descobrir e confirmar empiricamente. E onde quer que ambos (comportamento e resultado) sejam fatos empiricamente demonstrados, o imperativo que eles implicam é um fato empiricamente demonstrado.[5] Portanto, a afirmação “você não pode obter um ‘deve’ de um ‘é’ é demonstravelmente falsa e já foi refutada vezes sem conta pela ciência. Nunca mais permitamos que ela seja pronunciada novamente.

Se os imperativos morais são suficientemente similares a estes outros tipos de imperativos (vulgarmente chamados de “imperativos hipotéticos”) é uma questão à parte (que será abordada em breve). Mas se a ciência não pode descobrir fatos morais, não pode ser porque “você não pode obter um ‘deve’ a partir de um ‘é'”. Porque a ciência obtém “deve’s” de “é’s” rotineiramente e sem qualquer dificuldade específica. Não existe argumento racional a ser levantado contra a conclusão de que proposições imperativas verdadeiras existem e são fatos do mundo tão objetivos quanto a estrutura do átomo ou a teoria microbiana das doenças. E esta proposição não é nenhuma novidade. Os filósofos já estabeleceram este ponto há muito tempo.[6]

NOTAS.

1. Este capítulo foi submetido à crítica de diversos acadêmicos de filosofia que nem sempre concordaram com minhas conclusões, mas que mesmo assim aprovaram sua publicação, incluindo Erik Wielenberg, Matt McCormick, John Shook e Evan Fales. Seus conselhos e críticas levaram a numerosos aprimoramentos, muitos infelizmente relegados a notas de rodapé. Sou muitíssimo grato por suas sugestões. Este capítulo formaliza o caso construído com maior detalhamento em Richard Carrier, Sense and Goodness Without God: A Defense of Metaphysical Naturalism (Bloomington, IN: AuthorHouse, 2005), 291-348. Observem que o estilo hipertécnico deste capítulo foi necessário para satisfazer os padrões de precisão e validade lógica da revisão por pares.

2. Doravante por “imperativos” eu não estarei me referindo a sentenças no modo gramatical imperativo mas a proposições que fazem um apelo factual à nossa obediência (de modo que deveríamos pensar nestes imperativos como “enunciados no sentido de que algo deve ser feito” e não meramente como “injunções expressas no modo imperativo”. Citado de Philippa Foot, “Morality as a System of Hypothetical Imperatives”, em Moral Discourse and Practice: Some Philosophical Approaches, ed. Stephen Darwall, Allan Gibbard, e Peter Railton (Oxford: Oxford University Press, 1997) 313; cf. nota 6 abaixo.

3. Por “ciência” eu entendo qualquer investigação empírica empregando uma metodologia logicamente válida e sólida. Portanto eu incluo nesta categoria a história e o jornalismo metodologicamente sólidos, bem como qualquer investigação pessoal conduzida cientificamente. Mas as ciências conforme sua concepção ordinária produzem as conclusões mais confiáveis e portanto ainda ostentam a maior autoridade .

4. Neste capítulo eu sempre denotarei por “desejar” e “querer” (e toda a terminologia equivalente) qualquer preferência real por uma coisa à outra (por qualquer razão e de qualquer maneira); embora em outros contextos os mesmos termos possam denotar outras coisas (como na ciência cognitiva, um estado de perturbação emocional cognitivamente e causalmente associado com um resultado aliviante específico).

5. Demonstrarei a conexão lógica entre estes dois fatos na próxima seção.

6. Uma  coletânea dos mais famosos ensaios argumentando em favor desta tese pode ser encontrada em Darwall, Allan e Railton, Moral Discourse and Practice (veja a nota 2); uma demonstração recente utilizando a teoria dos jogos moderna é fornecida em Gary Drescher, Good and Real: Demystifying Paradoxes from Physics to Ethics (Cambridge, MA: MIT Press, 2006), 273-320. Filósofos renomados que esposaram a visão de que os fatos morais são (pelo menos em princípio) empiricamente detectáveis pela ciência incluem Richard Boyd, Stephen Darwall, Allan Gibbard, Peter Railton, Philippa Foot, e vários outros, antigos e contemporâneos. Na verdade, contrariando o mito moderno, até mesmo David Hume declarou que imperativos não somente são deriváveis, mas que somente podem derivar de fatos naturais, e são por conseguinte objetos apropriados da investigação científica: David Hume, “Of Morals”, em Treatise On Human Nature (1739), § 3.1.2, explicado com maior riqueza de detalhes em An Enquiry Concerning the Principles of Morals (1751); veja a nota 17 abaixo. Cientistas contemporâneos que estudam a ética normativa estão muito próximos de um consenso sobre esta questão (e os filósofos da velha guarda apenas não viram o memorando ainda), cf., e.g. Jeff Schweitzer e Giuseppe Notarbartolo-Di-Sciara, Beyond Cosmic Dice: Moral Life in a Random Psychology, 3 vols. (Cambridge, MA: MIT Press, 2008); Owen Flanagan, The Really Hard Problem: Meaning in a Material World (Cambridge, MA: MIT Press, 2007); William Casebeer, Natural Ethical Facts: Evolution, Connectionism, and Moral Cognition (Cambridge, MA: MIT Press, 2003); e mais recentemente Sam Harris, The Moral Landscape: How Science Can Determine Human Values (New York: Free Press, 2010).

Read Full Post »

Título Original: O Cristianismo Não Foi Responsável Pela Ciência Moderna

Fonte: The Christian Delusion, págs. 396-419 (John W. Loftus, ed., Prometheus Books, 2010 )

Autor: Richard Carrier, PhD

Tradução: Gilmar Pereira dos Santos

Richard Carrier é um autor e conferencista de renome mundial. Como historiador profissional, filósofo em atividade e um defensor destacado do movimento de livres-pensadores norte-americano, o Dr. Carrier já participou de eventos e programas televisivos em todo o país defendendo sólidos métodos de investigação histórica e a visão de mundo ética do naturalismo secular. Seus livros e artigos também tem recebido atenção internacional. Ele possui um título de Ph.D. em História Antiga pela Columbia University, especializando-se na história intelectual greco-romana, particularmente filosofia antiga, religião e ciência, com enfâse nas origens do Cristianimso e nos usos e progressos da ciência no Império Romano. Ele é mais conhecido como o autor de Sense and Goodness without God (Sentido e Bondade sem Deus), Not The Impossible Faith (Não A Fé Impossível) e Why I Am Not A Christian (Por que não sou Cristão), e um dos principais colaboradores em The Empty Tomb (A Tumba Vazia), The Christian Delusion (Cristianismo, um Delírio), The End of Christianity (O Fim do Cristianismo) e Sources of The Jesus Tradition (Fontes da Tradição de Jesus), bem como redator e editor-chefe (atualmente emérito) da Secular Web, e por seu volumoso trabalho em história e filosofia, online e impresso. Seu mais recente livro é Proving History: Baye’s Theorem and the Quest for the Historical Jesus. Atualmente, ele trabalha em seus próximos livros, On the Historicity of Jesus Christ, The Scientist in the Early Roman Empire, e Science Education in the Early Roman Empire. De sua autoria, você também pode ler aqui no Rebeldia Metafísica o artigo O Fim da Aposta de Pascal: Por Que A Descrença É A Aposta Mais Segura. Para saber mais a respeito da vida e da obra de Richard Carrier, visite sua página pessoal na internet.

_________________________________________________________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Conforme demonstrado por uma nova geração de historiadores, sociólogos e filósofos da ciência, a religião bíblica não foi o inimigo da ciência mas antes a matriz intelectual que a possibilitou, em primeiro lugar. Sem os insights fundamentais que o Cristianismo encontrou celebrados na Bíblia e disseminados através da Europa, a ciência jamais teria se desenvolvido… As evidências são incontestáveis: foi a teologia racional tanto da Idade Média Católica como da Reforma Protestante – inspirada pelas verdades implícitas e explícitas reveladas na Bíblia Judaica – que abriram caminho e conduziram às descobertas da ciência moderna.[1]

A crença na racionalidade de Deus não apenas levou ao método indutivo como também à conclusão de que o universo é governado racionalmente por leis passíveis de serem descobertas. Este pressuposto é de importância crucial para a pesquisa científica porque, num mundo pagão ou politeísta, que concebia seus deuses muitas vezes engajados em comportamentos irracionais e emocionalmente arbitrários, atuando num mundo não-racional, qualquer investigação sistemática de tal mundo pareceria fútil e sem sentido. Somente num arcabouço teórico cristão, que postula “a existência de um Deus único, o Criador e regente do universo, [que] funciona de modo ordenado e padronizadamente previsível”, é possível que a ciência exista e opere.[2]

Estas duas citações descrevem sucintamente uma nova ilusão esgueirando-se pelos saguões da academia conservadora: a crença em que o Cristianismo não somente causou a ciência moderna, como também foi, inclusive, necessário para seu surgimento. No estágio em que a fábula se encontra, não somente o Cristianismo nunca esteve em conflito com a ciência e jamais obstruiu-lhe de maneira alguma seu livre curso, como na verdade foi o salvador da ciência, a única visão de mundo capaz de possibilitar sua existência. E esta é a razão pela qual a Revolução Científica eclodiu somente em um lugar: numa sociedade completamente cristã.

Isto é não somente falso em todos os detalhes concebíveis como tão escandalosamente falso, que qualquer um, mesmo um estudioso das mais modestas competências e responsabilidades acadêmicas, deveria estar ciente de sua falsidade. Donde se depreende que os proponentes desta visão, todos os quais reivindicam o título de pesquisadores acadêmicos, devem ou ser constragedoramente incompetentes, ou patologicamente desonestos, ou iludidos além de qualquer esperança de recuperação. Que tantos acadêmicos sejam a tal ponto incompetentes parece improvável. Que eles estejam todos mentindo, mais ainda. Naturalmente, todos já vimos a tática política conservadora de repetir uma mentira tantas vezes, em tantos lugares, com tamanha convicção, e a partir de fontes tão variadas, que todo mundo começa a dar-lhe crédito. Esta pode ser uma destas mentiras. Ou estes intelectuais podem realmente ser tão tresloucadamente incompetentes. Mas estou disposto a conceder-lhes o benefício da dúvida. A ilusão parece-me uma explicação mais provável para o fato tantas pessoas estarem a repetir uma alegação tão demonstravelmente falsa sem jamais serem corrigidas por seus pares.

Uma objeção óbvia a esta alegação delirante é que ela viola um dos mais elementares princípios da causalidade: quando uma causa está presente, seus efeitos são vistos. O Cristianismo dominou completamente todo o mundo ocidental do quinto ao décimo quinto séculos da Era Comum, e ainda assim no decorrer destes mil anos não houve Revolução Científica alguma. Uma causa que fracassa em produzir seus efeitos previsíveis apesar de estar atuando continuamente por mil anos é usualmente considerada refutada, não confirmada. Desculpas esfarrapadas serão apresentadas, alegações de impedimentos, mas nenhuma Revolução Científica tampouco ocorreu na metade oriental do mundo cristão, que não possui nenhuma das escusas do Ocidente. O Oriente nunca foi invadido por bárbaros e permaneceu próspero e desenvolvido por cinco séculos. De qualquer forma, tais pretextos são geralmente negados – a nova moda é insistir que mesmo a Idade Média Ocidental foi caracterizada por um espírito de inovação e um vigor econômico e intelectual inigualáveis. Mas mesmo se você rejeitar isso e aceitar que o Ocidente foi refreado, por que a Revolução Científica  nunca aconteceu no Império Bizantino, tão cristão quanto, e em todos os demais aspectos mais bem sucedido? Aqueles confrontados por este questionamento geralmente reagem denegrindo os bizantinos como sendo de alguma maneira o “tipo errado” de cristãos[3]. Mas uma vez que você enverede por este caminho, a noção de que o Cristianismo é a solução cai fora do quadro. Agora você precisa de um tipo especial de Cristianismo, que evidentemente não é uma consequência inevitável do Evangelho Cristão original. De qualquer maneira, o fato permanece, seja no Oriente ou no Ocidente, tão logo os cristãos dominaram a cultura, nenhuma Revolução Científica sucedeu. Foi necessário esperar mais um milênio.

Portanto, logo de saída, alguma coisa está errada. Talvez você seja capaz de desembaraçar-se desta dificuldade. Não obstante, algumas afirmações associadas a esta nova ilusão são de uma falsidade gritante. Dinesh D’Souza , num livro cuja edição brasileira recebeu o irônico título de “A Verdade Sobre o Cristianismo“, declara com uma convicção inabalável que, de todas as religiões antigas, “somente” o Cristianismo “foi, desde seus primórdios, baseado na razão”, e consequentemente “não existem teólogos” na história de qualquer outra religião[4]. Embora não haja dúvidas de que mesmo um estudante aplicado do ensino médio  saiba que o gregos pagãos inventaram a razão, no sentido exato em que D’Souza emprega o termo, desenvolvendo as ciências formais da lógica, filosofia, matemática e retórica. E não obstante qualquer leitor atento da Bíblia saiba que o Cristianismo foi desde seus primórdios baseado nas escrituras, na inspiração e na revelação, não na “razão”[5]. Se quiser saber como é uma religião realmente baseada na razão, basta olhar as teologias formais dos filósofos greco-romanos. Sim, os pagãos inventaram, também, a teologia[6].

Mas os fatos não são os únicos obstáculos obstruindo a disseminação do boato de que a ciência precisou do Cristianismo. O uso de uma lógica franciscana é outro.

Falácias Comuns

A maioria dos argumentos apresentados para sustentar esta conclusão assentam-se numa série de falácias comuns. Que nenhum esforço seja feito para detecta-las ou evita-las é outro índício de ilusão.

Toda a noção começa com uma mera falácia de correlação: apenas porque a ciência moderna surgiu somente numa cultura cristã ocidental, não se segue que uma cultura cristã ocidental foi sua causa (ou, ainda mais absurdo, que tal cultura tenha sido a única capaz de de produzi-la). Isto é tão falacioso quanto assumir que porque os inventores da geometria formal eram politeístas, o politeísmo foi a causa da invenção da geometria formal, ou, ainda mais absurdo, que somente os politeístas poderiam te-la inventado. Nenhuma destas afirmações possui a menor plausibilidade. O fato de a geometria formal ter sido inventada numa época e local em que a religião dominante era politeísta não passa de um mero acidente histórico. Na maioria dos aspectos o mesmo vale para o Cristianismo e a Revolução Científica.

Nunca levado em consideração, por exemplo, é o fato de no início do segundo milênio qualquer motivo, para ser respeitável em tal matriz cultural demasiado estreita e paranóica, precisava ser articulado em termos amigáveis ao Cristianismo — na verdade, se possível, como se satisfizesse o Cristianismo. Pois qualquer coisa aparentando mesmo remotamente ser anticristã era condenada e seus defensores punidos — socialmente certamente, fisicamente às vezes. Esta não era uma época em que você poderia desfrutar da liberdade de ser um herege ou um ateu, muito menos um pagão ou um apóstata, sem encarar repercussões que poderiam encerrar sua carreira, sua liberdade ou até mesmo sua vida. Tal atmosfera compeliu todos a encontrar maneiras criativas de vender quaisquer novas idéias como perfeitamente cristãs, até mesmo bíblicas, independentemente de seu real motivo ou inspiração. De maneira que a descoberta de argumentos bíblicos ou cristãos para a adoção de novas idéias neste período não confirma que o Cristianismo ou a Bíblia foram a causa destas idéias, mas antes apenas revela a estratégia de marketing exigida para vende-los naquela época.

Outra falácia é a fusão de causas necessárias, suficientes e contribuintes. É possível montar um bom caso para defender que o raciocínio científico foi na verdade um subproduto da teologia pagã primitiva[7]. Mas mesmo assim, ninguém concluiria a partir disso que o paganismo foi necessário. Eu seria capaz de apontar diversos aspectos da religião pagã que contribuíram para o surgimento da ciência, (sua confiança na razão e nas evidências em detrimento da autoridade institucional e escritural, seu interesse devotado na natureza e nas estrelas), mas disso não segue que somente o paganismo possua estes atributos. Sequer pode-se afirmar com segurança que eles sejam todos necessários. O paganismo greco-romano poderia ter sido uma causa suficiente ou apenas contribuinte da ciência antiga, mas dificilmente foi uma causa necessária; e ele pode ter provido valores que ajudaram a ciência a se desenvolver, mas dos quais a ciência poderia ter prescindido, ou que outras visões de mundo poderiam igualmente ter encorajado. Assim como, também, o Cristianismo.

Finalmente, com demasiada frequência os promotores desta nova ilusão repetidamente confundem razão (entendida como o uso da lógica para se alcançar a consistência) com raciocínio científico (a testagem de previsões a partir de suas hipóteses contra as evidências, utilizando um método que investiga e controla agressivamente erros empíricos e falácias, e a coleta e o registro de fatos reais sobre o mundo pela observação e confirmação deles). Ou eles confundem “ciência” entendida como métodos, pesquisas e progresso científicos, com “ciência” no sentido de transmissão e utilização da ciência anterior na prática profissional (como fazem os médicos, astrônomos e engenheiros) sem nenhum esforço significativo para aprimora-la (além de revisões de escritório ou a diminuição da margem de erro das mensurações). Muito frequentemente evidências de um serão aliciadas como evidências da outra. Mas isto é uma falácia de equívoco. A “ciência” pode persistir sem a ciência, e de fato indiscutivelmente sobreviveu no Cristianismo medieval, assim como a razão poderia ser louvada e buscada ao passo que o raciocínio científico dificilmente seria visto, como também foi nitidamente o caso ao longo da maior parte da Idade Média.

Fantasias Históricas

Um argumento bem construído poderia talvez evitar estas falácias. Mas neste caso você tem que encarar os fatos de frente. E ninguém o faz. A noção de que a ciência precisou do Cristianismo possui diversos autores, mas sua formulação mais plenamente desvairada parece ter se originado de um  físico católico devoto, o padre Stanley  “A atitude da Igreja para com a Ciência foi muito benéfica” Jaki[8]. Ela então se infiltrou na mentalidade conservadora cristã, e é muitas vezes representada como o novo consenso na história da ciência (embora não o seja)[9]. Rodney Stark é provavelmente seu melhor representante [Nota do Tradutor: Outro de seus representantes mais conhecido do público brasileiro é Thomas Woods Jr., autor da obra-prima da desinformação e distorção histórica Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental). Ele sumariza os argumentos de Jaki mais sucinta e inteligivelmente do que o próprio Jaki, e ao contrário da maioria, Stark pelo menos tenta citar suas fontes. De modo que examinarei sua versão do argumento[10]. Stark já foi criticado alhures[11]. Mas não ainda por um especialista em ciência antiga e Cristianismo.

Fantasia Histórica Número 1: “Nenhuma Ciência Real Existiu Na Antiguidade

Rodney Stark é um excelente sociológo mas um historiador fajuto. Ele não possui nenhum treinamento formal no exercício da profissão de historiador, ou em história antiga em particular. Na verdade, nenhum dos defensores desta teoria possui. Mas é desnecessário citar a falta de credenciais. A incompetência de Stark é exposta de maneira decisiva numa única sentença: “O conhecimento grego estagnou em virtude de sua própria lógica interna. Após Platão e Aristóteles, pouquíssimo aconteceu além de alguns progressos da geometria”[12]. Que a Universidade de Princeton tenha publicado um livro contendo esta sentença permanece uma das coisas mais aterradoras com que me deparei em minha carreira (e pode não ser uma mera coincidência que Stark tenha publicado seu livro seguinte pela Random House).

A verdade é que os gregos e os romanos alcançaram progressos contínuos e formidáveis na ciência e na matemática após Aristóteles. A geração de Aristóteles marcou apenas o começo da história da ciência antiga – quase todas as descobertas espetaculares dos antigos ocorreram após esta geração. E eles descobriram um bocado[13]. De modo que numa única sentença Stark passou uma borracha em toda a história da ciência antiga. Contudo, seu argumento por inteiro está assentado nesta sentença. Tivesse ele feito o que qualquer pesquisador acadêmico é obrigado a fazer, e averiguado de fato a historiografia corrente sobre a ciência antiga, ele saberia que esta premissa chave, e consequentemente o argumento assentado por inteiro sobre ela, é de uma estupidez atordoante. Já no tempo de Aristóteles, em meados do 4º século AEC, existiram vários cientistas importantes, de Hipócrates e Eudózio a Calístrato, Arquitas e Aristoxenos, os quais Stark demonstra ignorar por completo. Mas depois disso, até o fim do segundo século da Era Comum, sou capaz de verificar os nomes de mais de cem cientistas que publicaram suas obras, cujas obras em sua maioria não foram preservadas pelos cristãos medievais[14]. Stark não exibe o menor conhecimento de qualquer deles, ou – nem mesmo daqueles cujas obras foram preservadas.

Eis uma pequena amostra…

Aristóteles realizou inúmeras experiências de dissecação e vivissecção na anatomia e fisiologia animal e produziu a maior coleção científica de obras zoológicas até então. Imediatamente após isso, seu sucessor Teofrasto ampliou seu trabalho à botânica e à fisiologia das plantas, e também produziu as primeiras obras científicas em pirologia, mineralogia e outras áreas. Seu sucessor, Estratão de Lâmpsaco, extendeu seu método experimental à engenharia e à física, período em que diversas das teorias físicas de Aristóteles foram modificadas ou abandonadas. No terceiro século AEC um instituto de pesquisa foi instaurado em Alexandria, no Egito, onde Tecíbio e Filo completaram os primeiros trabalhos científicos de que se tem notícia sobre pneumática (o estudo do comportamento do ar e da água); Erastótenes inventou a ciência da cartografia e foi um dos primeiros cientistas na história a medir o diâmetro da Terra (com uma margem de erro de apenas 15 por cento!) e a analisar o efeito da lua sobre as marés; e Herófilo e seu pupilo Erasístrato deram origem à neurofisiologia, estabelecendo a partir de experimentos detalhados que a mente é uma função do cérebro e que funções mentais específicas são controloadas por regiões específicas do cérebro, e eles distinguiram os nervos motores dos nervos sensoriais e os mapearam ao longo do corpo. De um modo geral, seus estudos do corpo humano e de seus ossos, músculos e órgãos, foram tão minuciosos e abraangentes que até hoje fazemos uso de sua terminologia anatômica.

Na Sicília, seu colega Arquimedes estava ocupadíssimo aprimorando a mecânica e a hidrostática, e descobrindo, descrevendo ou explicando as primeiras leis matemáticas da física. Não muito depois disso, Aristarco começou a medir as distâncias entre a lua, o sol e os planetas (com valores gradativamente refinados nos séculos eguintes), e propôs a primeira teoria heliocêntrica. Em Rodes um século depois, Hiparco descobriu e mediu a precessão celestial (a rotação do Zodíaco ao longo de um período de 25800 anos), observou a primeira supernova, estabeleceu os primeiros mapas celestes detalhados, fez numerosos avanços na teoria planetária, e desenvolveu o primeiro sistema científico de previsão de eclipses solares e lunares. Seleuco da Babilônia descobriu o efeito do sol sobre as marés, não apenas o da lua, desenvolvendo a primeira teoria matemática lunissolar das marés. Então, nos primeiros anos do Império Romano, as realizações da ciência antiga atingiram seu clímax, produzindo obras não superadas até a Revolução Científica: Dioscórides na botânica, mineralogia e farmacologia; Hero na mecânica, pneumática e robótica teatral; Ptolomeu na astronomia, cartografia, ótica e harmonia, e Galeno na anatomia, fisiologia e medicina. Para nomear apenas alguns. Muitos mais houveram cujas obras estão agora perdidas, avançando áreas tão diversas como a apiologia e a oceanografia, passando pela hidrostática e a vulcanologia.

Nenhum deles esteve enclausurado por qualquer “matriz teórica fossilizada inalterável” recebida de Aristóteles[15]; ao contrário, todos os pressupostos de sua física foram livremente debatidos e revisados. Os heliocentristas debateram com os geocentristas estáticos e dinâmicos; teorias da inércia, da pressão e da gravitação universal competiram com as teorias aristotélicas dos lugares naturais, teorias dos raios óticos competiram com teorias corpusculares da luz, e assim por diante[16]. Por volta do período romano, a conclusão de Aristóteles de que os cometas eram um fenômeno atmosférico perdeu terreno para a concepção correta de que eles eram corpos planetares descrevendo órbitas exageradamente excêntricas; Hiparco desenvolveu uma teoria cada vez mais verossímil da balística e refutou a crença de Aristóteles de que os céus nunca mudam; Herófilo refutou a teoria aristotélica de que a alma residia no coração, com experimentos acurados provando que todos os pensamentos e sensações aconteciam no cérebro – uma conclusão reforçada por Galeno com um estudo detalhado do sistema vocal, demonstrando que o cérebro controla a fala humana; Hero refutou experimentalmente a tese de Aristóteles de que o vácuo era impossível, e provou que o vento era ar em movimento, que o ar aquecido se expande e ascende, e que o ar frio se contrai e desce; e Ptolomeu abandonou a suposição de Aristóteles de que as órbitas planetárias precisavam ser concentricamente circulares e suas velocidades constantes. Até mesmo a teoria de Aristóteles de uma divisão fundamental entre os domínios celestial e sublunar foi largamente desafiada e rejeitada diversas vezes pelos naturalistas subsequentes, junto com quase todos os outros aspectos duvidosos de sua física original.

Os mais importantes progressos na lógica também ocorreram após Aristóteles[17], assim como nos conceitos matemáticos e físicos, a tal ponto que quase tudo cuja autoria é creditada aos intelectuais da Idade Média na verdade já havia sido concebido na Antiguidade. Por exemplo, o que conhecemos atualmente por Navalha de Ockham já era uma heurística metodológica padronizada[18]. Mesmo os “alguns progressos na geometria” esnobados por Stark incluem cônicas avançadas, trigonometria plana e esférica, e os rudimentos do cálculo. Eles ainda foram além da geometria, desenvolvendo a análise combinatória e um forma primitiva de álgebra multivariada. Todavia, os cristãos medievais mostraram tamanho desinteresse nestas realizações matemáticas que alguns de seus registros foram escassamente preservados, enquanto outros foram literalmente apagados dos livros para ceder espaço a hinos de louvor a Deus[19]. Na verdade, sob o domínio cristão quase todas as realizações científicas dos antigos foram esquecidas no Ocidente e ignoradas no Oriente, ou sobreviveram apenas em caricaturas simplistas. Os poucos livros que foram copiados o suficiente para sobreviver o foram, sob qualquer ponto de vista, rara ou escassamente copiados, muitas vezes não compreendidos, e nunca aprimorados substancialmente por aproximadamente mil anos.

Como resultado, por vários séculos os cristãos sequer souberam que cientistas posteriores a Aristóteles expandiram significativamente o método experimental e começaram a confirmar as leis matemáticas da física, que foram preditivamente bem sucedidas, tecnologicamente úteis e completamente mecânicas. As primeiras leis matemáticas corretas provavelmente antecederam Arquimedes, mas seus tratados sobre a estática e a hidrostática são os registros mais antigos que possuímos delas. A esta altura, os cientistas sabiam que as alavancas obedeciam à lei D1W1=D2W2 (expressa geometricamente), e que os objetos flutuam não porque (como Aristóteles supusera) possuíam uma “natureza flutuativa”, eles flutuam porque suas densidades são menores do que a da água circundante, de modo que a água mais pesada empurra para cima o objeto flutuante, com uma força cujo valor resulta exatamente da diferença matemática entre suas densidades, e que mesmo os objetos que afundam tornam-se mais leves, por uma diferença exatamente igual ao peso da água deslocada pelo corpo – que, incidentalmente, refutou a noção de Aristóteles de que a leveza de um objeto era imutavelmente inata. No período romano, as leis corretas da reflexão também foram conhecidas, assim como sua explicação teórica correta (Hero provou que eles resultavam de um princípio de menor esforço), e as leis da refração foram exploradas e aperfeiçoadas com experimentos detalhados. Ptolomeu mediu experimentalmente a diferença entre os índices de refração de materiais como vidro, água e ar, descobriu que o ângulo de refração aumenta com o ângulo de incidência numa relação de proporção direta, e tentou descobrir uma lei matemática da refração. Medições precisas desempenharam um papel até mesmo na fisiologia, permitindo a Galeno provar a teoria correta da função renal (e explicar o sistema renal por inteiro) com uma série de experimentos controlados[20].

Hutchinson define a ciência moderna como uma “ênfase na observação e experimentação diretas, medições precisas, e a formulação de leis da natureza”, e vimos que os pagãos antigos possuíam todos estes elementos[21]. Stark define a ciência moderna como “um método empregado em esforços ordenados para formular explicações da natureza, sempre sujeitas a modificações e correções através de observações sistemáticas” tais que “é possível deduzir a partir das explicações resultantes algumas previsões e proibições bem definidas sobre o que será observado”[22]. Isso, também, descreve acuradamente a ciência antiga. Os cientistas da antiguidade desenvolveram e aprimoraram continuamente seus métodos – até o fim: Galeno, Hero e Ptolomeu todos tiveram muito a dizer sobre métodos e seus aperfeiçoamentos. Seus esforços também foram ordenados. O Almagesto de Ptolomeu mostra que os astrônomos compartilharam observações e criaram registros para seus futuros colegas, os livros de Galeno mostram repetidamente médicos cooperando em pesquisas anatômicas e cientistas de todas as áreas debatendo, conferenciando e aconselhando-se mutuamente, e existiram associações científicas formais, incluindo o Museu de Alexandria. E todos eles almejaram produzir explicações da natureza, muitas vezes corrigindo suas teorias com observações sistemáticas e experimentos controlados, e deduzindo a partir de suas teorias previsões exatas do que iria ou não acontecer. A teoria planetária de Ptolomeu era capaz de prever a posição de Marte com uma precisão assombrosa com uma antecipação de 20 anos, e sua lei da refração era quase tão precisa quanto. A teoria de Galeno dos sistemas renal e vocal previu corretamente os efeitos de doenças e lesões específicas, assim como o comportamento normal dos próprios órgãos. Hero foi capaz de prever os benefícios mecânicos exatos de diversas máquinas e o comportamento geral do ar, água e do vapor na presença ou ausência de pressão ou calor. Menelau foi capaz de prever as densidades específicas de diferentes fluidos e sólidos e seus comportamentos em diferentes meios de suspensão. Eu poderia continuar por várias páginas. Todos foram empíricos, todos associaram teoria e prática, e todos testaram pelo menos algumas de suas teorias contra os dados observados. Não obstante, Stark ainda sustenta, com plena convicção, que “enfim, todas as suas realizações foram filosofias não-empíricas, até mesmo anti-empíricas, especulativas, coleções de fatos não-teóricos, e tecnologias e invenções esporádicas – jamais… ciência verdadeira”[23]. Como espero ter deixado perfeitamente claro a esta altura, esta sentença não contém o menor vestígio de qualquer coisa remotamente verdadeira.

Fantasia Histórica Número II: “Os Pagãos Possuíam Um Bloqueio Mental

Sendo o primeiro fato de Stark tão constrangedoramente falso, surpreende que ele não tenha sido banido e escorraçado da comunidade acadêmica. Mas a coisa fica ainda pior: ele enuncia confiantemente razões pelas quais seu primeiro fato é verdadeiro, não obstante seu primeiro fato não ser verdadeiro, refutando, assim, seu segundo – já que se essas causas são obtidas, elas claramente não produzem o efeito previsto. Como, também, quaisquer outras “causas” que outros defensores aleguem para esta estagnação fictícia da ciência antiga.

Todas estas “explicações” equivalem à alegação de que os pagãos sofreram de diversos bloqueios mentais dos quais somente o Cristianismo poderia liberta-los. Stark apresenta três exemplos populares:

Primeiro, suas concepções do divino eram inadequadas para permitir-lhes imaginar um Criador consciente [portanto eles não poderiam conceber leis físicas]. Segundo, eles concebiam o universo não apenas eterno e incriado, mas também encerrado em ciclos intermináveis de progresso e decadência [portanto eles não poderiam imaginar o progresso científico]. Terceiro, condicionados por suas concepções religiosas, eles transformaram objetos inanimados em criaturas vivas dotadas de crenças, desejos, emoções e intenções – desta maneira abortando a busca por teorias físicas.[24]

Mesmo se estas alegações fossem verdadeiras, a teoria de Stark já estaria refutada, pois, como acabamos de ver, a ciência floresceu apesar delas, e Stark defende a tese de que estes três fatos certamente teriam-na obstruído. Como eles não o fizeram, o Cristianismo não pode reivindicar nenhuma vantagem por te-los abandonado. Todavia, da forma como Stark os descreve, estas alegações nem chegam a ser verdadeiras, nem faz qualquer sentido lógico apresenta-los como barreiras à ciência, para começar. Na verdade, eu defendo que eles são tão falsos quanto ilógicos, embora declarados com tamanha convicção, que Stark só pode ser desonesto, incompetente ou iludido. Pois até mesmo a mais rudimentar análise e verificação dos fatos teria destruído todos.

Teologia Pagã

A teologia pagã supostamente é um obstáculo, mas Stark não apresenta uma defesa convincente desta idéia. Ele afirma que certos aspectos da teologia platônica impediram a ciência[25]. Mas como todos os cientistas antigos eram filosoficamente ecléticos com fortes simpatias pelo naturalismo estóico e epicurista, e pelo aristotelismo, corrente antiplatônica desde sua fundação, não era nem mesmo possível que o platonismo impedisse o curso da ciência antiga, mesmo se este abrigasse quaisquer vieses anticientíficos[26].

Mais genericamente, a teologia pagã supostamente impediu a concepção de um universo inteligível governado por leis naturais. Consequentemente, de acordo com Stanley Jaki, apenas o Cristianismo poderia originar a ciência, pois:

A investigação científica encontrou um solo fértil apenas quando esta fé num Criador pessoal e racional impregnou verdadeiramente toda uma cultura, começando com os séculos da Alta Idade Média… [propiciando] a certeza na racionalidade do universo, confiança no progresso, e apreciação do método quantitativo, todos ingredientes indispensáveis da pesquisa científica[27].

Naturalmente, como vimos, a “pesquisa científica” já havia encontrado um terreno fértil na antiguidade pagã. Mas todo o resto aqui também é falso. Os cientistas da Antiguidade já confiavam na racionalidade do universo (como logo veremos), já tinham fé no progresso (como veremos em seguida), e já valorizavam o método quantitativo (como vimos há pouco). Portanto, a alegação de Jaki de que somente o Cristianismo poderia inspirar estas coisas é flagrantemente falsa.

Como outros defensores recentes deste novo delírio, Stark enfatiza o ângulo da “racionalidade do universo”: a menos que você acredite num Criador racional, que criou todas as coisas a partir do nada, você não terá qualquer razão para acreditar que o universo é racional ou se comporta segundo padrões naturais detectáveis. Mas isto é não somente uma falsidade, como um completo absurdo. D’Souza insiste que “o pressuposto” de que “o universo é racional é praticamente impossível de ser provado” e portanto exige uma justificação teológica[28]. Mas que o universo é racional é um fato observado. Então ele não precisa ser provado. Tal crença não demanda nenhuma fé ou teologia porque está assentada por inteiro em evidências. Os pagãos reagiram a esta observação de duas maneiras: exatamente como os cristãos tardios o fizeram, ou exatamente como os ateus contemporâneos o fazem. Nenhuma delas representou qualquer obstáculo à ciência.

Aqueles que não acreditavam no design inteligente tiveram que explicar de onde toda esta ordenação e consistência observada se originou, o que os compeliu à investigação científica, exatamente para descobrir as causas reais. De modo que céticos e panteístas da Antiguidade, como Estratão, Erasístrato, Epicuro ou Asclepiades procuraram explicações na inevitável interação de leis e forças naturais. Eles não utilizaram nossa “lei” metafórica mas outras em seu lugar, como a “necessidade natural” e a “natureza intrínseca” das coisas, mas estas expressões eram equivalentes: objetos flutuam na água, por exemplo, devido à inevitável interação de forças intrínsecas segundo um padrão identificável. Deus algum foi necessário. Nenhuma crença na Criação exigida. Tudo é apenas o resultado de causas naturais. De modo que mesmo o ateísmo não representaria impedimento algum à ciência. Muito pelo contrário, como não há nenhuma outra maneira de os ateus explicarem o que veem, esta postura na verdade acarreta a ciência.

E muito provavelmente, se você não era um ateu, você era um criacionista. A maioria dos intelectuais politeístas acreditava num Criador que ordenara o Cosmos de maneira inteligente, que esta ordenação poderia ser descoberta pela mente humana, e que tal descoberta honraria a Deus. Cientistas como Galeno e Ptolomeu, portanto, foram motivados se engajar na investigação científica por sua piedade religiosa, exatamente como Stark afirma que os cristãos o foram, e exatamente pelas mesmas razões. Em seu monumental Sobre os usos das partes, um atlas de anatomia humana em vários volumes que permanece um das defesas mais empiricamente persuasivas do design inteligente jamais escrita, Galeno enuncia suas motivaçõess pagãs para conduzir toda a pesquisa aplicada meticulosa e exaustiva documentada pelo livro: “Componho este sagrado discurso como um verdadeiro hino em louvor de nosso Criador. E considero que estou realmente mostrando a Ele reverência não quando Lhe ofereço” incontáveis e dispendiosos sacríficos “mas quando eu próprio primeiro aprendo a conhecer Sua sabedoria, poder e bondade e então faço-os conhecidos aos outros”[29]. A maioria dos filósofos concorda. Sêneca afirmou que a investigação científica era um empreendimento piedoso superior aos mistérios sagrados da religião pagã, e Cícero afirmou que Deus realmente nos projetou para buscar o conhecimento científico[30]. Podemos encontrar vários outros exemplos de pagãos declarando motivações teológicas para a investigação científica[31]. De modo que quando D’Souza alega que um “impulso” religioso para buscar a ciência “partiu originalmente do Cristianismo”, podemos ver que isto é uma manifesta falsidade[32] A teologia pagã proporcionou motivação abundante, assim como o ateísmo ou o panteísmo.

Teoria Cíclica do Tempo

A alegação de Stark de que qualquer um que acredite que o mundo está enclausurado em “ciclos intermináveis de progresso e decadência” não pode formar um conceito de “progresso” é ilógica: quem acredita em ciclos de progresso e decadência, obviamente acredita no progresso. Você precisa estar à beira da loucura para não notar uma contradição tão óbvia. Não obstante, Stark insiste irracionalmente que os gregos “rejeitaram a idéia de progresso em favor de um ciclo interminável do ser.”[33] Isto é não somente ilógico como falso.

A crença no progresso científico é tão bem evidenciada na literatura antiga, que surpreende alguém ter tido a audácia de afirmar o contrário[34]. Como Stark foi capaz de afirmar o oposto? Por não ter verificado o estado corrente do conhecimento sobre o tema, ou mesmo suas próprias evidências. Para respaldar esta alegação tudo o que Stark oferece são diversas citações irrelevantes que fracassam em absoluto em demonstrar qualquer conexão entre as teorias do tempo antigas e a crença no progresso. De fato, a noção antiga de ciclos eternos poderia ser baseada numa crença no progresso: presumiu-se a eternidade do universo (na ausência de quaisquer evidências em contrário), mas observou-se que a sociedade não havia alcançado um estágio de perfeição em todas as artes e ciências, mas o teria se estivesse progredindo por um tempo infinito; portanto catástrofes periódicas devem destruir as civilizações e todos os registros de suas realizações, obrigando os homens a recomeçar do zero. Aristóteles acreditou que resquícios de sabedoria oralmente transmitidos sobreviveriam a cada catástrofe, mas todos os registros escritos e conhecimentos avançados teriam se perdido, caso contrário ainda estaríamos de posse deles[35]. Acreditar nisto de maneira alguma implica acreditar que existe qualquer outro término para o progresso além da destruição de sua civilização inteira – ou, naturalmente, do mundo inteiro, cujo fim os cristãos acreditaram ser tão iminente que já deveríamos ter perguntado há mais tempo por que eles, os cristãos, acreditariam no progresso, já que essa idéia lhes teria parecido fútil[36]. Os pagãos pelo menos esperavam vários milhares de anos, até mesmo dezenas de milhares, em que continuar seu progresso.

Consequentemente é notável que o único texto citado por Stark que realmente parece relevante, na verdade diz exatamente o oposto do que ele afirma. Nisto ele pode ter sido enganado por Jaki (que justificativa Jaki teria me escapa por completo), mas penso que o fracasso de Stark em verificar o original é um sintoma ou de incompetência ou de ilusão[37]. Quando Aristóteles diz que todas as coisas “foram reinventadas diversas vezes ao longo do curso das eras, ou antes vezes sem conta,” Stark não somente alega que ele está se referindo à tecnologia, mas que Aristóteles quis dizer “o desenvolvimento tecnológico de sua época havia alcançado seu ápice, impedindo qualquer progresso ulterior”, e (suponho que estas palavras destinam-se a nos fazer inferir que) assim como na tecnologia, igualmente na ciência[38]. Mas aqui está a citação real em seu contexto original:

Parece que não há nenhuma descoberta nova ou recente  entre os filósofos políticos de que o estado deve ser dividido por classes e… ter refeições públicas… De modo que devemos supor que estas e outras coisas foram descobertas inúmeras vezes, por um longo período, ou antes vezes incontáveis. Pois parece que as necessidades da vida ensinam os homens o que é proveitoso em e por si mesmo, enquanto é razoável esperar um aprimoramento e um progresso cada vez maior das coisas estabelecidas no princípio… Portanto, deve-se confiar no que já foi apropriadamente descoberto, mas também ir em busca do que permanece por ser descoberto.[39]

Observem: Aristóteles refere-se exclusivamente à organização política, não à tecnologia, nem a qualquer conhecimento científico de qualquer tipo. Na verdade, ele refere-se exclusivamente a duas invenções políticas em particular: o desenvolvimento de um sistema de classes e de refeições públicas, ambas as quais ele remete às civilizações remotas em Creta, Itália e Egito. Ele conclui apenas que estas (e certamente “outras coisas”) devem ter sido inventadas em todos os lugares porque ele as vê por toda parte, até onde o registro histórico permite. E não há nada sobre a impossibilidade de aprimora-las. Antes, quando ele diz que tais coisas foram inventadas inúmeras vezes, tudo o que Aristóteles quer dizer é que a necessidade é a mãe da invenção, e portanto onde quer que alguma necessidade surja, podemos esperar encontrar homens inventando o que for necessário para supera-las. Aristóteles imediatamente acrescenta que ainda existem muitas coisas a serem descobertas e que deveríamos procurar por elas – exatamente o oposto do que Stark afirma.

De maneira similar, quando Aristóteles diz que “é razoável supor que cada arte e filosofia foi desenvolvida tanto quanto possível e então perdida novamente, inúmeras vezes”, ele não quer dizer que o progresso havia terminado em sua própria época, nem mesmo que terminaria em breve, mas que em cada ciclo as artes progridem o máximo que podem antes que alguma catástrofe global nos arremesse em outra Idade das Trevas, e precisemos recomeçar do zero[40]. Como nenhuma catástrofe do tipo estava no horizonte temporal de Aristóteles, não há indícios de que ele tenha acreditado que sua sociedade havia alcançado o estágio máximo do progresso – ao contrário, como vimos na Política, ele claramente acreditou que ainda havia muito a ser realizado, e até mesmo declarou ser nossa obrigação busca-las. Aristóteles também manifesta sua fé no progresso futuro do conhecimento humano em vários outros contextos[41]. Não existe absolutamente evidência alguma, em Aristóteles ou qualquer outro pagão posterior a ele, de uma crença em ciclos eternos impactando a confiança de qualquer pessoa no valor e na possibilidade do progresso científico. Pelo contrário, dispomos de uma vasta quantidade de evidências de que vários pagãos, especialmente os cientistas, não somente acreditaram em tal progresso, como também trabalharam por ele.

Animismo Pagão

Também nos foi dito que o animismo pagão impediu a ciência. Como Stark coloca, “se objetos minerais são animados, envereda-se por um caminho errado ao tentar explicar os fenômenos naturais – as causas do movimento dos objetos, por exemplo, serão atribuídas a motivos, não a forças naturais”[42]. Isto é completamente falso. Nem Aristóteles nem qualquer outro cientista posterior a ele jamais procurou explicar muitos fenômenos desta maneira, exceto quando obrigatório (como no estudo dos comportamentos humano e animal) e quando os cristãos o fizeram (como na procura pela finalidade e pelo projeto divinos na natureza).

Mais uma vez flagramos Stark deixando de ler suas próprias fontes, e confiando cegamente em Jaki (que não tem tal desculpa). Ambos insinuam que Aristóteles (e todos os pagãos que lhe sucederam) acreditaram que os objetos caíam ao chão “devido a seu amor intrínseco pelo centro do mundo”[43]. Mas em seu livro Sobre os céus Aristóteles argumenta especificamente contra esta explicação. Em vez disso, ele diz que os planetas ou objetos em queda moveriam-se em virtude de tendências inatas fixas – em nossas palavras, por se comportarem em concordância com as leis naturais[44]. Um forte indício de fraude, incompetência ou insanidade mental ocorre quando você afirma que suas fontes dizem exatamente o contrário do que elas realmente dizem, e então baseia sua teoria espalhafatosa por inteiro nesse lapso extraordinário. Houvesse Stark verificado superficialmente as explicações do movimento, ou de qualquer outro comportamento dos objetos inanimados, em Aristóteles ou em qualquer outro filósofo pagão posterior, e teria encontrado o exato oposto do que alega.

Mesmo D’Souza sabe o suficiente para admitir que foram os pagãos, começando pelos pré-socráticos, que deram origem à idéia de “um universo que opera segundo regras detectáveis de causa e efeito” e portanto “substituíram a idéia de um ‘universo encantado’ pela de um cosmos ‘desencantado’ acessível à razão humana desamparada”[45]. D’Souza então afirma que “sua influência foi efêmera”, mas isto é uma falsidade. Longe de ter sido efêmera, ela tornou-se o paradigma entre os filósofos greco-romanos, impulsionando o progresso científico por cinco séculos. Todos os cientistas da Antiguidade procuraram explicar todas as coisas como uma interação de causas naturais, formulando leis matemáticas, explicações mecânicas, e teorias de forças e propriedades naturais fixas. Nenhum procurou explicar qualquer coisa em termos de desejos arbitrários dos objetos físicos. Mesmo a noção de que os deuses governam ativamente o mundo, tornando-o assim caprichoso e imprevisível, foi abandonada em favor de um ordem racional consistente previsível, passível de ser estudada, compreendida e modelada.

Embora inúmeros indivíduos pertencentes à massa iletrada retivessem as antigas concepções animistas, isto era ridicularizado pelos intelectuais pagãos. O Aetna, por exemplo, um poema épico romano sobre a vulcanologia, afirma que tal animismo ignorante deve ser rejeitado em favor de explicações mecânicas, e então continua descrevendo explicações mecânicas para a atividade vulcânica[46]. Médicos cientistas, de Erasistrato a Galeno, procuraram explicar toda a fisiologia humana em termos de princípios ou mecanismos físicos[47]. Astrônomos, de Posidônio a Ptolomeu, sem dúvida eram capazes de conceber um modelo mecânico para o sistema solar[48]. O comportamento do ar, da água, do clima e de tudo o mais era explicado de maneira similar[49]. Mesmo quando explicações “redutivamente” mecânicas eram rejeitadas, elas não eram substituídas por outras animistas, mas por teorias físicas de forças naturais intrínsecas –  que muitas vezes poderiam ser corretas, como a teoria da filtragem renal de Galeno, que sustentava que o rim não é uma mera peneira mas contém forças de atração habilmente engendradas que naturalmente selecionam as toxinas para expulsa-las do sangue, uma conclusão que ele provou por experimentação[50]. E longe de atribuir o movimento planetário a desejos caprichosos, Ptolomeu os atribuiu à forças naturais intrínsecas em concordância com leis matemáticas – desenvolvendo, por exemplo, uma lei de “ângulos iguais em tempos iguais” que implicava que os planetas variavam suas velocidades de uma maneira que claramente inspirou a segunda lei de Kepler das áreas iguais em tempo iguais[51]. Embora Ptolomeu suspeitasse que a força que impulsiona os planetas pudesse ser “almas planetárias”, estas eram tão fixas e previsíveis quanto as almas planetárias de Kepler, sendo tão desprovidas de mentes quanto o magnetismo ou qualquer outra força física[52].

Portanto, a polêmica tese de Stark de que após Aristóteles os cientistas antigos estiveram explicando todo o universo em termos de motivos animistas é pura fantasia. Isso nunca aconteceu. Tampouco existe qualquer fundamento para acreditar que isto ocorreu. E uma crença que não somente carece de qualquer fundamento evidencial como também encontra-se refutada por todas as evidências disponíveis existentes, certamente é indistinguivel de um delírio.

A Divisão Mental-Manual

Embora Stark não a invoque, outra premissa comum é que os pagãos não tiveram ciência porque havia uma divisão aguda entre os pensadores educados e os que trabalhavam com suas mãos – em virtude de (é o que nos dizem) algum tipo de desprezo aristocrático contra se sujar. Como os antigos muito claramente possuíram ciência, já sabemos que esta teoria é falsa. Mas não somente a conexão causal está demonstravelmente ausente, como também a alegada causa.

As evidências são abundantemente claras: todos os cientistas antigos foram não somente teóricos soberbamente educados como também exímios artesãos engajados em seus próprios experimentos práticos; eles até mesmo fabricaram seus próprios instrumentos. Todas as obras de Ptolomeu e Hero estão repletas de descrições dos aparelhos e instrumentos que eles construíram, e de instruções para fabrica-los, muitos dos quais tinham de ser fabricados com extraordinária precisão. Todas as obras de Galeno estão repletas com descrições de suas dissecações, cirurgias e vivissecções pessoalmente executadas, bem como de reiterada enfâse na importância dos médicos desenvolverem e manterem sua destreza manual, e conduzir pessoalmente dissecações e vivissecções em vez de incumbi-las a outros, e até mesmo prepararem seus próprios medicamentos. O anatomista da Renascença Vesalius opos-se ferozmente à divisão entre os cirurgiões como trabalhadores braçais e os médicos como os rapazes “dos livros e teorias”, mas na Antiguidade tal divisão nunca existiu, como Galeno atesta e insiste reiteradamente[53]. Hero igualmente sustentou que os médicos e engenheiros precisavam tanto de lições teóricas como de habilidades manuais, especialmente na metalurgia, construção civil, carpintaria e pintura[54]. De modo que se qualquer divisão alguma vez ocorreu, só pode ter sido sob o domínio cristã.

Uma das provas mais decisivas disso é a recuperação arqueológica do computador astronômico mais antigo do mundo, uma máquina construída pelos cientistas gregos não muito depois do ano 100 EC que afundou num navio próximo à ilha de Antiquitera algumas décadas depois. Lançando mão de engrenagens epicíclicas meticulosa e soberbamente confeccionadas, a máquina calculava o dia e o ano em diversos calendários, as posições dos planetas no Zodíaco, bem como a do sol e da lua, e as fases da lua, e previa eclipses solares e lunares, com mais de dois séculos de antecedência, informados por um sistema de ponteiros e mostradores[55]. Este computador é magnificamente fabricado, além de empregar teorias matemáticas e astronômicas avançadas, demonstrando conclusivamente que os pagãos não imaginaram nenhum conflito entre teoria e aprendizado, e entre artesanato e trabalho braçal. Ao contrário, eles os unificaram plenamente. Os cristãos simplesmente não se interessaram em preservar este conhecimento.

Conclusão

Num sentido coloquial, uma ilusão é qualquer crença não somente falsa, mas cuja falsidade é facilmente demonstrável por uma verificação corriqueira dos fatos, embora seja mantida com uma convicção desproporcional às evidências. Nesse sentido, esta nova idéia de que o Cristianismo foi não somente responsável como necessário para o surgimento e o florescimento da ciência moderna é com certeza uma ilusão. Uma ilusão se torna patológica quando esta crença é mantida com a mais absoluta convicção mesmo diante de evidências persuasivas que a contrariam. E nesse sentido, eu penso que as pessoas impassíveis diante das evidências apresentadas neste artigo estão não somente iludidas, como também completamente fora de seu juízo.

Nenhuma das premissas invocadas para sustentar esta ilusão é verdadeira. Todas distorcem os sentidos dos fatos ou dos textos, muitas vezes com uma obviedade escandalosa. Tampouco são os argumentos que empregam estas premissas  logicamente sólidos. Mas ainda mais pertubardor, toda esta fantasia ignora quais são, realmente, os valores necessários para o progresso científico: eleger a curiosidade como uma virtude moral, conceder ao empirismo o estatuto de autoridade suprema em todas as disputas de fato, e valorizar a busca do progresso. Diversos cientistas pagãos promoveram todos estes três valores tão vigorosa e persistentemente que produziram avanços contínuos nas descobertas e nos métodos científicos. O Cristianismo, ao contrário, por um longo período jamais estimou estes valores, e em várias situações os denunciou e reprimiu. Nunca houve na Bíblia ou na mentalidade do Cristianismo original qualquer coisa com tendência a favorece-los. Somente com uma dose cavalar de engenhosidade, e contrariando uma resistência igualmente cavalar, alguns cristãos eventualmente lograram êxito em encontrar uma maneira de reintegrar estes valores pagãos numa cultura completamente cristianizada, e mesmo assim somente após séculos de um desisnteresse quase total[56].

Não obstante, como todas as boas ilusões, esta erigiu-se sobre um núcleo de verdade.

Os pagãos armaram o cenário para o término da ciência antiga – mas não por qualquer das razões alegadas atualmente pelos cristãos. Pelo fracasso em desenvolver um governo constitucional estável e eficaz, o Império Romano foi condenado ao colapso sob o peso de guerras civis constantes e de uma política econômica desastrosa; e no terceiro século da Era Comum foi exatamente isto o que aconteceu. A sociedade pagã respondeu a este colapso abandonando os valores científicos de seu passado e refugiando-se cada vez mais em modos místicos e fantasiosos de compreender o mundo e suas maravilhas. O Cristianismo já foi uma visão de mundo deste tipo, e sua popularidade crescente atingiu o ápice exatamente nessa época[57]. Como era previsível, porém, quando o Cristianismo tomou o poder, ele não restaurou aqueles valores científicos; em vez disso, selou o destino da ciência encerrando todo progresso científico significativo por quase mil anos. Isso não foi feito através da repressão ou da perseguição da ciência, mas simplesmente ao não se promover seu progresso e promovendo em seu lugar uma desconfiança profunda e duradoura contra os próprios valores necessários para produzi-la.

Outrossim, a ciência moderna de fato desenvolveu-se num ambiente cristão, pelas mãos de cientistas que realmente foram cristãos, e é possível compatibilizar o Cristianismo com a ciência e os valores científicos. O Cristianismo precisou apenas se adaptar para adotar aqueles antigos valores pagãos que outrora impulsionaram o progresso científico. E foram os cristãos que se adaptaram, inventando habilidosamente argumentos em favor da mudança, porque somente argumentos em concordância com a Bíblia e a Teologia cristã teriam sido bem sucedidos em persuadir seus pares. Mas este foi um desenvolvimento apesar dos valores e ideais do Cristianismo original, retornando o mundo ao ponto em que os pagãos, não os cristãos, o haviam deixado há mil anos, no alvorecer do terceiro século. Somente então o mundo cristão assumiu aquela antiga ciência pagã e seus valores centrais mais uma vez. E somente então uma nova onde de progresso e inovações floresceu. Não houvesse o Cristianismo interrompido o progresso intelectual da humanidade e suspendido o progresso da ciência por mil anos, a Revolução Científica poderia ter ocorrido mil anos atrás, e nossa ciência e tecnologia hoje estariam mil anos a frente. Esta é uma verdade dolorosa que alguns cristãos recusam-se terminantemente a ouvir ou aceitar. De modo que eles refugiam-se na ilusão de que isso não é verdade, que o Cristianismo, ao contrário, foi tão maravilhoso que não somente causou a ciência moderna, como também foi essencial a ela. Porém, como os fatos demonstram, isto absolutamente não é verdade.

Notas.

1. Robert Hutchinson, “As origens Bíblicas da Ciência Moderna,” in O Guia Politicamente Incorreto da Bíblia (Washington, DC: Regnery, 2007), p. 139.

2. Alvin Schmidt, “Ciência: Suas Conexões Cristãs” in Sob a Influência: Como o Cristianismo Transformou a Civilização (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2001), p. 221.

3. Não estou brincando: Lynn White Jr., “O que acelerou o progresso tecnológico na Idade Média Ocidental?” in Scientific Change, ed. A. C. Crombie (New York: Basic Books, 1963): pp. 272-91; Edward Grant, Science and Religion, 400 B.C. to A.D. 1550 (Westport, CT: Greenwood Press, 2004), pp. 225-30. Grant também alega que as guerras constantes impediram a ciência bizantina, mas o Ocidente cristão e os gregos antigos também estiveram guerreando continuamente, e numa nação próspera (como Bizâncio) a guerra pode na verdade fazer a ciência avançar em vez de obstrui-la: Tracey Rihll, The Catapult A History (Yardley, PA: Westholme, 2007).

4. Dinesh D’Souza, “Cristianismo e Razão: As Raízes Teológicas da Ciência” in A Verdade sobre o Cristianismo, págs. 105-112. (Thomas Nelson Brasil – Rio de Janeiro – 2008).

5. Sobre a espistemologia original do Cristianismo: Richard Carrier, Not the Impossible Faith: Why Christianity Didn’tNeed a Miracle to Succeed (Raleigh, NC: Lulu, 2009): pp. 329-68, 385-406.

6. Teologia como uma ciência racional na Antiguidade: Aristóteles, Metafísica 6.1 (1026a); Sexto Empírico, Contra os Professores 9.12-194 (= Contra os Físicos 1.12-194 = Contra os Dogmáticos 3.12-194); e John Dillon, Alcinous: The Handbook of Platonism (Oxford: Clarendon, 1993): pp. 57-60, 86-89.

7. Convincentemente defendido em David Sedley, Criacionismo e seus críticos na Antiguidade (Berkeley: University of California Press, 2007).

8. Mais conspicuamente em Stanley Jaki, Ciência e Criação (New York: Science History, 1974), A estrada da ciência e os caminhos para Deus (Chicago: University of Chicago Press, 1978) e O Salvador da Ciência (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2000).

9. Exemplos proeminentes: Nancy Pearcey e Charles Thaxton, “A nova história da Ciência” in A alma da ciência (Wheaton, IL: Crossway Books, 1994), pp. 15-56; Thomas Woods, “A Igreja e a Ciência,” Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental (Editora Quadrante, 2011), pp. 67-114; Schmidt, Sob a influência, pp. 218-47; D’Souza, A verdade sobre o Cristianismo, pp. 83-99; Hutchinson, Guia Politicamente Incorreto, pp. 138-56; e Stark (veja a próxima nota).

10. Rodney Stark, “A Obra de Deus: As origens religiosas da ciência” em Para a Glória de Deus (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2003), pp. 121-99; and “Bençãos da Teologia Racional” em A Vitória da Razão (New York: Random House, 2005), pp. 3-32.

11. Andrew Bernstein, “A Tragédia da Teologia: Como a Religião Causou e Prolongou a Idade Média: Uma crítica do livro de Rodney Stark ‘A vitória da Razão”‘ Objective Standard 1, no. 4 (Winter 2006-2007): 11-37; Joseph Lucas e Donald Yerxa, eds., “A vitória da razão: um debate,” Historically Speaking 7, no. 4 (Março/Abril 2006): 2-18.

12. Stark, Vitória da Razão, p. 20.

13. As evidências para tudo isto (e o que vem a seguir) será sumarizada em Richard Carrier, The Scientist in the Early Roman Empire (prestes a ser publicado), mas já é coletivamente demonstrada em: Lucio Russo, The Forgotten Revolution, 2nd ed. (New York: Springer, 2003); Tracey Rihll, Greek Science (New York: Oxford University Press, 1999); G. E. R. Lloyd, Greek Science after Aristotle (New York: W. W. Norton, 1973); Paul Keyser e Georgia Irby-Massie, eds., The Biographical Encyclopedia of Ancient Natural Scientists (New York: Routledge, 2009); e toda a série Routledge Sciences of Antiquity.

Para o período romano especificamente: Andrew Barker, Scientific Method in Ptolemy: Harmonics (New York: Cambridge University Press, 2000); A. M. Smith, Ptolemy and the Foundations of Ancient Mathematical Optics (Philadelphia, PA: American Philosophical Society, 1999); J. L. Berggren, Ptolemy:s Geography (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2000); G.J. Toomer, Ptolemy’.r Almagest (New York: Springer-Verlag, 1984); Karin Tybjerg, “Hero of Alexandria’s Mechanical Treatises,” in Physik/Mechanik, ed. Astrid Schurmann (Stuttgart: Franz Steiner, 2005), pp. 204-26; Bennet Woodcroft, ed., The Pneumatics of Hero of Alexandria (London: Taylor, Walton and Maberly, 1851); A. G. Drachmann, The Mechanical Technology of Greek and Roman Antiquity (Madison: University of Wisconsin Press, 1963); Rudolph Siegel, Galen on Psychology, Psychopathology, and Function and Diseases of the Nervous System: An Analysis of His Doctrines Observations and Experiments (New York: Karger, 1973), Galen on Sense Perception: His Doctrines Observations and Experiments on Vision, Hearing, Smell, Taste, Touch and Pain, and Their Historical Sources (New York: Karger, 1970), Galena System of Physiology and Medicine- An Analysis of His Doctrines and Observations on Bloodflow, Respiration, Tumors and Internal Diseases (New York: Karger, 1968).

14. Para uma pequena lista de cientistas conhecidos: Richard Carrier, “Attitudes Toward the Natural Philosopher in the Early Roman Empire (100 BC to 313 AD),” PhD diss., Columbia University, 2008, pp. 562-73 (pre-Aristotle: pp. 558-61). Para uma lista completa, veja Keyser and Irby-Massie, Biographical Encyclopedia. As perdas mais excruciantes são todos os tratados científicos sobre o movimento e a gravidade após Aristóteles: Sobre o Movimento de Estrato, Sobre os objetos derrubados por seu peso de Hiparco e Sobre o Equilíbrio de Ptolomeu, para nomear apenas aqueles de que temos notícia.

15. Como Jaki alega em Estrada da Ciência, p. 22.

16. Como revelado em Sobre a face que aparece no orbe lunar de Plutarco (_ Moralia 920b-945d; reproduzido em vol. 406 da Loeb Classical Library, Plutarch:r Moralia, vol. 12).

17. Vejam Russo, Forgotten Revolution, pp. 218-24 and John Kieffer, Galen” Institutio Logica (Baltimore: Johns Hopkins Press, 1964).

18. Descrito por Ptolomeu em Hipóteses Planetárias 2.6 e no Almagesto 13.2.

19. Por exemplo: Reviel Netz o William Noel, The Archimedes Codex (Philadelphia, PA: Da Capo Press, 2007).

20. Archimedes, On the Equilibrium of Planes and On Floating Bodies; Hero, On Mirrors; Ptolemy, Optics; Galen, On the Natural Faculties.

21. Hutchinson, Politically Incorrect, p. 140.

22. Stark, Victory of Reason, p. 12.

23. Stark, For the Glory, p. 152.

24. Ibid.

25. Stark, Victory of Reason, pp. 18-19, and For the Glory, pp. 152-53.

26. Veja John Dillon and A. A. Long, eds., The Question of `Eclecticism” (Berkeley: University of California Press, 1988); H. B. Gottschalk, “Aristotelian Philosophy in the Roman World,” Aufstieg and Niedergang der romischen Welt 2.36.2 (1987): 1079-1174 [cf. pp. 1164-71]; R. J. Hankinson, “Galen’s Philosophical Eclecticism,” Auf tieg and Niedergang der romischen Welt 2.36.5 (1992): 3505-22; Pamela Huby and Gordon Neal, eds., The Criterion of Truth (Liverpool: Liverpool University Press, 1989); e Tybjerg, “Hero,” pp. 214-15. Exemplos explícitos incluem: Galeno, Sobre as paixões e os erros da alma 1.8 e 2.6-7; Seneca, Epístolas Morais 33; Celsus, Sobre a medicina págs. 45-47.

27. Jaki, Science and Creation, p. viii.

28. D’Souza, A verdade, p. 92.

29. Galen, Sobre os usos das partes 3.10 (também 17.1).

30. Seneca, Natural Questions 7.2 e Cicero, Sobre os limites do Bem e do Mal 5.18.(48)-5.21.(60).

31. Veja Carrier, “Attitudes,” pp. 353-74, 396-98 (que serão reproduzidas em Carrier, Scientist).

32. D’Souza, A verdade, p. 99.

33. Stark, Victory of Reason, pp. 18, 19.

34. Amplamente comprovado em: Ludwig Edelstein, The Idea of Progress in Classical Antiquity (Baltimore, MD: Johns Hopkins Press, 1967) e Antoinette Novara, Les idees romaines sur le progres d’apres ley ecrivains de la Republique, 2 vols. (Paris: Les Belles Lettres, 1982). Faço acréscimos consideráveis às evidências de Edelstein e Novara em Carrier, “Attitudes,” pp. 249-342 (que serão reproduzidas em Carrier, Scientist). Os cientistas antigos foram especialmente otimistas: Edelstein, Idea of Progress, pp. 142-48; Tybjerg, “Hero,” p. 211; Serafina Cuomo, Ancient Mathematics (London: Routledge, 2001), pp. 183-85; Ingrid Rowland e Thomas Howe, Vitruvius (Cambridge: Cambridge University Press, 1999), pp. 16-17; R.J. Hankinson, “Galen’s Concept of Scientific Progress,” Aufstieg and Niedergang der romischen Welt 2.37.2 (1994): 1776-89 and Galen: On the Therapeutic Method (Oxford: Clarendon Press, 1991), p. 86; e Mary Beagon, Roman Nature (Oxford: Clarendon Press, 1992), pp. 56-63,183-90.

35. Esta é a idéia por trás das observações de Aristóteles em Sobre os céus 1.3 (270b) e Metereologia 1.3 (339b).

36. Muitos esperaram que tudo fosse destruído em questão de anos: Hebreus 1:10-2:5, 10:36-37; 1 Coríntos 1:28, 6:13, 7:29-31; 1 Tessalonicensess 4:15; 2 Pedro 3:5-13; 1 João 2:15-18; e obviamente Marcos 13 e Mateus 24; e assim por diante desde o começo (veja Bernard McGinn et al., The Continuum History of Apocalypticism [New York: Continuum, 2003] and Jonathan Kirsch, A History of the End of the World [San Francisco: Harper, 2006]).

37. Stark está simplesmente macaqueando Jaki, Road of Science, p. 24, ou Science and Creation, pp. 113-14. Jaki possui a tendência de relatar falsamente o que suas fontes dizem; por exemplo, ao contrário do que Jaki afirma em Savior, p. 93, nem Plutarco nem Ptolomeu apresentaram quaisquer objeções religiosas ao heliocentrismo- em nenhuma das passagens citadas eles aprovam tais coisas.

38. Stark, Victory of Reason, p. 19. A tecnologia antiga na verdade progrediu imensamente após Aristóteles: John Oleson, ed., The Oxford Handbook of Engineering and Technology in the Classical World (Oxford: Oxford University Press, 2008); Orjan Wikander, ed., Handbook of Ancient Water Technology (Leiden: Brill, 2000); Kevin Greene, “Technological Innovation and Economic Progress in the Ancient World,” Economic History Review 53, no. 1 (Fevereiro de 2000): 29-59; M.J. T. Lewis, Millstone and Hammen The Origins of Water Power (Hull: University of Hull, 1997); and Rihll, Catapult.

39. Aristóteles, Política 7.10 (1329b).

40. Aristóteles, Metafísica 12.8 (1074b).

41. Veja Edelstein, Idea of Progress, pp. 19-29 para diversos exemplos, incluindo: Aristóteles, Refutações Sofísticas 3.34 (183b-184b), Política 2.8 (1268b-1269a), Ética a Nicômaco 1.7 (1098a), Metafísica 13.1 (1076a), Sobre os Céus 2.5 (287b-288a), e Sobre a geração dos animais 3.10 (760b).

42. Stark, For the Glory, p. 154.

43. Stark, Victory of Reason, p. 20, citando Jaki, Science and Creation, p. 105.

44. Aristóteles, Sobre os céus 1.8 (276a-278a), 2.1 (283b-284a), 3.2 (300a-302a), e o livro 4 inteiro (307b-313b), e Física 8.1 (250b-252b). Aristóteles, Metafísica 12.7 (1072b3) de fato diz que o amor e a vontade de Deus sustenta todas as tendências naturais em seus arranjos imutáveis (sustentando consequentemente as leis da natureza), mas nisso os cristãos também creem.

45. D’Souza, A verdade, p. 93.

46. Veja P. B. Paisley e D. R. Oldroyd, “Science in the Silver Age,” Centaurus 23, no. 1 (1979): 1-20 [cf. pp. 2-6]; F. R. D. Goodyear, “The `Aetna,”‘ Auf tieg and Niedergangderromischen Welt2.32.1 (1984): 344-63 [cf. pp. 346-47].

47. Russo, Forgotten Revolution, pp. 146-51; Vivian Nutton, Ancient Medicine (London: Routledge, 2004), pp. 134-36; Sylvia Berryman, “Galen and the Mechanical Philosophy,” Apeiron: A,journal for Ancient Philosophy and Science 35, no. 3 (September 2002): 235-53; Heinrich von Staden, “Body and Machine,” Alexandria and Alexandrianism (Malibu, CA: J. Paul Getty Museum, 1996), pp. 85-106. Exemplos: Galen, On the Natural Faculties 3.15 and On the Uses of the Parts 1.2-4, 1.19, 7.14, 14.5.

48. Por exemplo: Cicero, Sobre a Natureza dos Deuses 2.88.(34-35); Vitruvius, Sobre a Arquitetura 9.1.2, 10.1.4; e Lucrécio, Sobre a Natureza das Coisas 5.96; para Ptolomeu: Liba Taub, Ptolomeu’s Universe (Chicago: Open Court, 1993).

49. Veja Liba Taub, Ancient Meteorology (London: Routledge, 2003), pp. 141-61; e para exemplos: a Pneumática e a Mecânica de Hero e, de Arquimedes, Sobre os corpos flutuantes.

50. Veja Galeno, Sobre as faculdades naturais.

51. Ptolomeu, Hipóteses Planetárias 2.6 e Almagesto 9.5.

52. Veja Andrea Murschel, “The Structure and Function of Ptolemy’s Physical Hypotheses of Planetary Motion,” Journal for the History of Astronomy 26 (1995): 33-61; on Kepler’s “soul” theory: Eric Aiton, “How Kepler Discovered the Elliptical Orbit,” The Mathematical Gazette 59, no. 410 (December 1975): 255-57 [pp. 250-260]; sobre todo o programa de Ptolomeu de procurar leis naturais: Alexander Jones, “Ptolemy’s Mathematical Models and Their Meaning,” in Mathematics and the His- torian:r Craft, eds. Glen van Brummelen and Michael Kinyon (New York: Springer, 2005), pp. 23-42.

53. Veja o prefácio a Vesalius, Sobre a fábrica do corpo humano (1543). Agricola similarmente precisou devotar o primeiro capítulo inteiro de seu livro Sobre a Mineração (1556) à defender-se contra seus pares que rejeitaram seus estudos como base.

54. Numa citação perdida em Pappus, Mathematical Collection 8.1. Para mais evidências de cientistas como artesãos e a ausência de qualquer divisão entre trabalhos manuais e intelectuais, veja Carrier, “Attitudes,” pp. 425-79 (que serão reproduzidas em Carrier, Scientist).

55. Por uma explicação completa, veja Jo Marchant, Decifrando os céus (Cambridge, MA: Da Capo Press, 2009).

56. Sobre a hostilidade dos cristãos primitivos à curiosidade, o destronamento do empirismo e o desinteresse no progresso científico (e uma eventual revivescência destas idéias mil anos mais tarde), veja Neil Kenny, The Uses of Curiosity in Early Modern France and Germany (New York: Oxford University Press, 2004) e Curiosity in Early Modern Europe (Wiesbaden: Harrassowitz, 1998); Peter Harrison, The Bible, Protestantism, and the Rise of Natural Science (Cambridge: Cambridge University Press, 1998) e “Curiosity: Forbidden Knowledge, and the Reformation of Natural Philosophy in Early Modern England,” Isis 92, no. 2 (June 2001): 265-90; Lorraine Daston, Wonders and the Order of Nature, 1150-1750 (New York: Zone Books, 1998); William Eamon, Science and the Secrets of Nature (Princeton: Princeton University Press, 1996); Lloyd, Greek Science, pp. 167-71; and Marshall Clagett, Greek Science in Antiquity (Salem, NH: Ayer, 1955), pp. 118-82. Mais evidências serão sumarizadas em Carrier, Scientist.

57. Para um resumo da produção acadêmica sobre este colapso do terceiro século (e o fato de o Cristianismo não ter tido qualquer sucesso digno de nota antes disso), veja Carrier, Not the Impossible Faith, pp. 407-47 (esp. pp. 435-40 e p. 447 n. 32), que foi reforçado por Ramsay MacMullen, Christianizing the Roman Empire AD 100-400 (New Haven, CT: Yale University Press, 1984) e Christianity and Paganism em the Fourth to Eighth Centuries (New Haven, CT: Yale University Press, 1997); and Robin Lane Fox, Pagans and Christians (New York: Knopf, 1987).

Read Full Post »

« Newer Posts - Older Posts »